PORTFÓLIO
PGR se diz contrária a ação do PT no STF que pede suspensão da privatização da Sabesp
A AGU, porém, endossou o pedido do partido, que acusa o governo de SP de favorecer um competidor único no processo de desestatização
Stéfanie Rigamonti
SÃO PAULO
Na reta final da privatização da Sabesp, a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestou contrariamente a ação do PT (Partido dos Trabalhadores) no STF (Supremo Tribunal Federal) que pede a suspensão do processo de desestatização da companhia de saneamento.
A AGU (Advocacia-Geral da União), por sua vez, reforçou o pedido do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT alega que o processo viola a competitividade ao favorecer um único competidor na concorrência para ser o acionista de referência da Sabesp.
A Equatorial Energia foi a única empresa a apresentar proposta para ser acionista de referência da Sabesp. A Aegea, maior companhia privada de saneamento básico no Brasil, também apontada como potencial participante do leilão, acabou não entrando na disputa.
Na quarta-feira (17), o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, expediu uma medida cautelar em que dava 24 hora para a PGR e a AGU se manifestarem sobre a privatização da Sabesp, no âmbito da ação do PT. “Tendo em vista a relevância e a urgência da matéria, ouçam-se os interessados no prazo de 24h (vinte e quatro horas)”, disse no despacho.
No parecer enviado ao STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, disse que a ação do PT não pode ser usada para apontar supostas ilegalidades da privatização. “No prazo sumaríssimo de vinte e quatro horas, não se pode afirmar nítida a existência das irregularidades suscitadas, a justificar a concessão da medida cautelar neste momento”, afirmou.
Por meio de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de relatoria do ministro Cristiano Zanin, o PT solicita uma medida liminar para barrar a continuidade do processo de desestatização da empresa de saneamento de São Paulo até o julgamento da ação.
Um dos argumentos é que o governo paulista e a Sabesp incluíram regras para dificultar a concorrência e para que houvesse um único competidor na disputa pela fatia de 15% da companhia, conforme previsto no plano de privatização.
A ação cita a cláusula sobre o “poison pill” (“pílula de veneno”) incluída nas regras. O governo determinou que, depois de a Sabesp ser privatizada, nenhum acionista majoritário poderá ter mais de 30% dos votos no conselho da empresa.
Para estabelecer esse teto, o Executivo definiu que, caso algum acionista ultrapasse 30% de participação, ele terá que estender a oferta para os demais acionistas com prêmio de 200% em relação ao valor originalmente ofertado, o que naturalmente reduz a chance de algum grupo se interessar.
“Poison pills” são instrumentos comuns do mercado, previstos no estatuto social das companhias, e servem para defender os demais investidores de um único acionista.
No caso da privatização da Sabesp, porém, o PT diz que foi essa cláusula que levou à desistência da Aegea (uma das principais concorrentes) de apresentar uma proposta pela fatia da companhia. Isso abriu caminho para que a Equatorial fosse a única interessada na privatização, segundo a ação.
Outra regra adicionada no momento final da oferta de propostas para a escolha do acionista de referência também foi citada na ação. Trata-se do “right to match (“direito de igualar a proposta”, em tradução livre).
A regra permitia que o grupo com menor preço ponderado cobrisse a oferta do concorrente e saísse vencedor na disputa por acionista de referência —desde que tivesse o maior valor absoluto do book, ou seja, maior demanda dos investidores.
A ação do PT cita reportagem de imprensa para argumentar que, com o “right to match”, a Equatorial ganhou vantagem, já que é uma empresa mais conhecida do mercado em relação aos concorrentes e que, por isso, teria capacidade de atrair um book robusto.
A ADPF do PT também argumenta que haveria um conflito de interesse na escolha da Equatorial como acionista de referência. Conforme a Folha mostrou, a presidente do conselho de administração da Sabesp, Karla Bertocco Trindade, ocupava, até dezembro de 2023, um cargo no conselho da Equatorial.
“O processo conduzido pela Governo do Estado de São Paulo, por meio das reuniões do CDPED [Conselho Diretor do Programa de Desestatização], está maculado pela configuração do conflito de interesse da Sra. Karla Bertocco Trindade nas reuniões do CDPED em que foram tomadas decisões sobre a desestatização da Sabesp, em clara violação ao princípio da moralidade”, diz o partido
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de SP, pasta que coordena a privatização da Sabesp, disse que todo o processo foi conduzido de forma transparente, com amplo debate com a sociedade.
“Também de forma transparente, a oferta pública foi modelada para atrair um investidor de referência que, junto com o Estado e demais acionistas, pudesse garantir uma gestão independente e alinhada da empresa, com a finalidade de cumprir os objetivos do Estado”, que incluem a universalização dos serviços de saneamento e a redução das tarifas de água e esgoto, segundo a secretaria.
Para o advogado Rubens Naves, que assinou a ação como “amicus curiae” (terceira parte interessada) representando o Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), a modelagem de privatização da Sabesp foi se adaptando aos interesses das pessoas envolvidas.
“Os outros grupos se afastaram porque era um processo que seguramente ia identificar um único vencedor, quer dizer, um único participante, e que acabou sendo o que ocorreu”, disse à Folha.
Naves cita uma contaminação em todo o processo, desde o início. “Essa modelagem não foi discutida. Essa discussão já vem de muito tempo, mas ela foi se adaptando aos interesses e redundou num processo em que a concorrência foi contaminada por esse processo”, afirma.