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Os contratos agrários são alvo de fiscalização tributária

2 de agosto, 2024

Por Bruna Maria Fagundes de Souza*

Não há dúvidas de que o agronegócio é fundamental para a economia brasileira, tendo notória representatividade no PIB do país. Não é à toa, portanto, que no âmbito tributário, o agronegócio é objeto de instrumentos diferenciados, que visam garantir uma carga tributária menos onerosa, contemplando diversos incentivos e benefícios fiscais.

Diante do tratamento tributário diferenciado, novos planejamentos tributários vêm sendo estruturados pelos contribuintes, como forma de reduzir ou até mesmo zerar a tributação atrelada.

Não obstante todos os incentivos concedidos com objeto de fomentar o segmento, o agronegócio está na mira da Receita Federal do Brasil (RFB), conforme consta do “Relatório Anual de Fiscalização Tributária” referente ao exercício de 2023/2024. Dentre as matérias que são objeto da referida fiscalização por parte da RFB está o Imposto de Renda (IR) do produtor rural, no que se refere às receitas não devidamente tributadas.

As receitas tidas como não devidamente tributadas, em sua maioria, estão vinculadas aos contratos agrários supostamente simulados, em que o proprietário do imóvel rural deixa de tributar os valores recebidos a título de arrendamento, sob argumento de que os valores recebidos seriam decorrentes da atividade rural, em razão do contrato de parceria firmado com o produtor.

Embora os contratos agrários possuam características similares, são de natureza jurídica substancialmente distintas, o que implica uma tributação específica para cada tipo contratual.

A diferença principal entre os contratos agrários é o compartilhamento dos riscos e dos frutos decorrentes da atividade rural, o que somente ocorre no âmbito do contrato de parceria. No contrato de arrendamento, o proprietário do imóvel apenas recebe valores fixos específicos pela utilização (leia-se locação) da terra por terceiros, independentemente do resultado obtido pelo produtor rural, eis que os frutos são dele exclusivos.

Considerando a natureza jurídica distinta dos contratos agrários, o tratamento tributário aplicado, como aludido, também é diferente. No contrato de parceria, além da opção do proprietário tributar as receitas com base num lucro presumido, há possibilidade de tributar os frutos recebidos, na proporção de sua participação no negócio, como decorrentes da atividade rural, que estão sujeitos à tabela progressiva do IR (até 27,5%), com a dedução de despesas e/ou a compensação de prejuízos fiscais acumulados, que podem inclusive zerar o IR a pagar. No arrendamento rural, por sua vez, os frutos são reconhecidos como “aluguéis”, sujeitos à tabela progressiva do IR, mas sem qualquer permissão de dedução e/ou compensação capaz de diminuir/zerar o IR a recolher.

Em linhas gerais, o arrendamento rural tende a ser mais oneroso aos proprietários de terra, o que enseja a celebração de diversos contratos denominados de parceria, mas que na essência possuem características majoritariamente específicas de um arrendamento rural.

A RFB, ao fiscalizar os contratos agrários, desclassifica os contratos de parceria simulados, aplicando a eles o tratamento tributário específico do arrendamento. Ademais, a RFB aplica multas que podem atingir 150% do valor do IR devido, em razão da simulação dos contratos firmados. Ressalta-se que o prazo de fiscalização e de autuação fiscal, com exigência do imposto atualizado e acrescido de multa, é de cinco anos.

O entendimento da RFB ao desclassificar os contratos de parceria é ratificado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), segunda instância do processo administrativo federal, conforme a mais recente jurisprudência sobre o tema, quando observado principalmente que: (i) o negócio é estipulado, contendo cláusulas de preço fixado, que independem da produção final; (ii) inexiste compartilhamento de riscos entre as partes, na proporção de suas participações dos frutos obtidos com a atividade rural; (iii) não há um acordo de compartilhamento entre as partes dos riscos, despesas e de eventuais frutos obtidos decorrentes da atividade rural.

É dizer, a Receita Federal e o CARF desclassificam os contratos de parceria que não respeitam na teoria e, principalmente na prática, as diretrizes do Estatuto de Terra, especificamente previstas em seu art. 96, que tratam das características típicas do contrato em questão.

Não basta que os contratos sejam denominados de parceria rural, é necessária a comprovação do compartilhamento dos riscos e dos frutos do negócio pactuado, sendo essencial que os parâmetros do Estatuto da Terra sejam fielmente observados e que, na prática, os contratos sejam executados conforme sua natureza.

Portanto, recomenda-se aos proprietários e produtores rurais que revisem os seus contratos, principalmente os de parceria rural, e estabeleçam estratégias como forma de mitigar eventuais riscos que possam ensejar fiscalização e, via de consequência, autuação fiscal, que exija o IR não recolhido (ou recolhido a menor) referente aos últimos cinco anos, devidamente atualizado e acrescido de multa que pode atingir até 150%.

*Bruna Maria Fagundes de Souza é advogada associada do escritório Briganti Advogados

https://globorural.globo.com/opiniao/vozes-do-agro/noticia/2024/08/os-contratos-agrarios-sao-alvo-de-fiscalizacao-tributaria.ghtml

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