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Organizações sociais: o debate acerca do modelo

23 de agosto, 2022

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Os indicadores obtidos pelos contratos de gestão executados até hoje revelam o êxito do modelo no Brasil

Por Rubens Naves, Guilherme da Silva e Raquel Grazzioli

23/08/2022

Após 12 anos da entrada em vigor, a Lei Federal nº 9.637/98 teve sua constitucionalidade confirmada pelo julgamento da ADI 1.923 no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Aos 31 de março de 2011, consolidou-se um modelo de parceria pelo qual pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas à cultura, saúde, educação e atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, qualificadas como organizações sociais, passaram a celebrar legitimamente contratos de gestão com o Estado, para receber recursos públicos e prestar serviços não exclusivos.

O modelo das organizações sociais passou a ser importante instrumento de implementação de políticas públicas, por entes não estatais, submetidos a controle social, mas dotados de autonomia imprescindível para a busca da eficiência.

Os indicadores obtidos pelos contratos de gestão executados até hoje revelam o êxito do modelo no Brasil

Na decisão da ADI 1.923, ficou estabelecido que as organizações sociais, apesar de entidades privadas, por receberem recursos públicos via contrato de gestão, devem ter o seu regime jurídico minimamente informado pelo núcleo essencial dos princípios constitucionais da administração pública (legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência).

A observância desses princípios, contudo, deve ser conciliada com a flexibilidade do regime de direito privado, de forma a conferir plena efetividade à lógica de eficiência que inspirou a criação do modelo.

O que se viu a partir de 2011, quando a decisão do STF passou a produzir efeitos, foi o embate político e, muitas vezes, a adoção de critérios conflitantes de controle aplicáveis a entidades públicas, sob a ótica da maximização dos mecanismos de controle.

Todavia, discussões típicas da pluralidade normativa e da implementação de novos modelos, levaram, de forma precipitada, o debate acerca da incidência dos princípios constitucionais da administração pública sobre as organizações sociais e seus limites a ser, novamente, objeto de rediscussão perante o colegiado do Supremo Tribunal Federal.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 559/SP levou a debate o tema sobre a infringência a preceitos fundamentais do texto constitucional, contido na edição do Decreto do Estado de São Paulo nº 62.528/2017, que estabelecia diretrizes para celebração dos contratos de gestão.

Ao julgar improcedente a ADPF, o plenário do Supremo, aderindo a voto do relator ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que as exigências estavam em linha com o julgamento da ADI 1.923, de modo que “devem ser reputadas legítimas, porque determinam a concretização da aplicação dos princípios da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência na atuação das organizações sociais”.

E para que não houvesse qualquer dúvida com relação à parte dispositiva do entendimento, infirmaram a tese da constitucionalidade da aplicação desses princípios às organizações sociais.

De forma consentânea, o Supremo reconheceu que certas previsões do Decreto nº 62.528/2017, ora revogado, eram excessivamente restritivas, por estenderem o regime da administração pública de forma quase integral às organizações sociais. Referidos pontos, felizmente, não foram repetidos no texto do Decreto nº 64.056/2018, atualmente vigente.

Como exemplos, foram citados na decisão a fixação do subsídio mensal do governador do Estado como limite à remuneração de empregados e dirigentes, agora substituída pela adoção dos parâmetros de mercado, e a exigência de publicação da remuneração dos cargos na internet, ajustada para deixar claro que essa divulgação não deve incluir o nome dos colaboradores, sob pena de violar a sua intimidade.

A ampla tese fixada pelo Supremo, nesse sentido, deve ser interpretada em conformidade com os traços fundamentais do modelo, de forma a assegurar a autonomia e a flexibilidade típicas das entidades privadas, sob pena de ocorrer o nivelamento das organizações sociais a entidades integrantes da administração pública.

A solução, portanto, está na sensibilização para a edição dos atos normativos que venham a concretizar a aplicação dos princípios da administração pública, para que, justamente aí, sejam orientados à preservação das características constitutivas do modelo, naquilo que essencialmente o distingue do modelo estatal.

Os indicadores obtidos pelos contratos de gestão executados até hoje revelam o êxito do modelo no Brasil. Por isso que a judicialização de temas tão caros deve ser uma medida estratégica, precedida de amplo debate na academia e na sociedade civil organizada, e não fruto de iniciativas isoladas, especialmente porque decisões emitidas pela Suprema Corte em sede de ADI impactam não somente a entidade provocadora da temática, mas todas as organizações sociais, inclusive além do Estado de São Paulo, cujas realidades locais são bastante específicas.

Nesse contexto que se recomenda evitar que iniciativa isolada e não legitimada pelo tecido social organizado ofereça riscos ao esforço e sucesso alcançado por muitos.

Rubens Naves, Guilherme Amorim Campos da Silva e Raquel Grazzioli são sócios de Rubens Naves, Santos Jr. Advogados.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/08/23/organizacoes-sociais-o-debate-acerca-do-modelo.ghtml

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