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O que acontece se Bolsonaro for condenado pelo STF esta semana?
Foto: Isac Nobrega
Por Camila Mazzotto
Mesmo que o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus acusados pela tentativa de golpe de Estado em 2022 sejam condenados, o processo ainda pode continuar. A defesa dos réus poderá apresentar dois tipos de recursos, sendo que um deles só é permitido se pelo menos dois ministros votarem contra a decisão da maioria.
O que aconteceu
Caso haja pelo menos dois votos a favor da absolvição, ou seja, placar mínimo de 3 votos a 2, os réus podem recorrer aos chamados “embargos infringentes”. Esse tipo de recurso é de uso exclusivo da defesa e surge como alternativa quando há divergência na votação de um julgamento, ou seja, quando a decisão não é unânime.
As divergências devem estar ligadas diretamente à condenação ou à absolvição. Outros aspectos, como a dosimetria da pena, não autorizam esse tipo de recurso. “Os votos divergentes devem afirmar, de forma inequívoca, a improcedência da acusação. Caso esse requisito não seja preenchido, não será possível levar automaticamente o caso ao plenário por essa via”, diz Julia Cassab, advogada criminalista do escritório João Victor Abreu Advogados Associados.
A exigência de ao menos dois votos divergentes foi definida pelo STF em 2018. Advogado criminalista e especialista em processo penal pela Universidade de Coimbra, Juliano Callegari Melchiori explica que esse critério funciona como um “filtro”: só se o argumento da defesa for relevante e houver divergência real entre os ministros é que o caso pode ser reexaminado pelo plenário.
Na prática, os embargos infringentes permitem que o caso saia do colegiado menor (a Primeira Turma) e seja avaliado pelo plenário do STF, formado pelos onze ministros. Segundo Raquel Scalcon, professora de direito penal na Faculdade de Direito da FGV em São Paulo, considerando casos recentes, também haveria a possibilidade de o caso migrar para a Segunda Turma, embora a hipótese seja menos provável.
Recurso já foi usado outras vezes. Em 2018, por exemplo, o STF rejeitou os embargos infringentes apresentados pela defesa do ex-deputado Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro, pois, na ocasião, houve apenas um voto divergente.
Outra opção não depende do placar da votação
Outra alternativa para a defesa dos réus em caso de condenação são os “embargos de declaração”. Eles podem ser apresentados independentemente do resultado da votação.
Os embargos servem para apontar omissões, contradições ou passagens obscuras em determinada decisão. Nesses casos, o julgamento é feito pelo mesmo colegiado que decidiu pela condenação (no caso, a Primeira Turma do STF). “Uma contrariedade poderia ser alegada se, dentro do próprio voto, por exemplo, se diga uma coisa que parece que está em contradição com outra, então é possível recorrer a esse recurso para pedir que haja esclarecimento. Mas é um recurso que tem natureza complementar, não tem grande abrangência”, explica Scalcon, da FGV.
Sem mérito de causa. Esse tipo de recurso não discute novamente se os réus são culpados ou inocentes. “Sua função é apenas esclarecer ou corrigir pontos formais da decisão”, diz Melchiori.
Normalmente, não mudam o resultado. Advogados ouvidos pelo UOL afirmam que, embora não julguem mérito, os embargos de declaração podem adiar a decisão, mas raramente mudam seu resultado inicial. O advogado criminalista Henrique Attuch, do escritório do Wilton Gomes Advogados, explica que esse tipo de recurso só altera o resultado se houver algum ponto da decisão que não foi corretamente analisado e que possa influenciar o julgamento final.
Quando a defesa apresenta embargos de declaração, o prazo para entrar com outros recursos, como os embargos infringentes, fica suspenso. Na prática, isso pode adiar o fim definitivo do processo. No entanto, segundo os advogados consultados pela reportagem, o STF costuma rejeitar recursos sucessivos considerados apenas uma forma de atrasar o julgamento, conhecidos como protelatórios.
“Na prática, os embargos declaratórios acabam sendo usados com uma intenção de dar uma elasticidade para as hipóteses, ainda mais nesse contexto de ação penal originária, em que não há outro grau para recorrer”.
Raquel Scalcon, professora de direito penal na Faculdade de Direito da FGV em São Paulo