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O Código de Defesa do Consumidor protege Alexandre de Moraes da Lei Magnitsky?
Especialistas dizem que o CDC não tem efeito contra sanções internacionais, mas Procon-SP afirma que empresas que atuam no Brasil devem seguir a legislação nacional
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Por Gabrielle Pedro
A inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, na lista de sanções da Lei Magnitsky — legislação americana que impõe punições a estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos — reacendeu discussões sobre os limites da soberania nacional frente a medidas unilaterais de outros países. Um dos questionamentos que surgiu nas redes sociais é: o Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro poderia, de alguma forma, proteger o ministro dessas sanções internacionais?
O Procon-SP afirma que empresas que operam no Brasil, independentemente de sua origem, são obrigadas a atender consumidores brasileiros conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC) — mesmo que exista uma sanção estrangeira envolvida.
No entanto, segundo advogados consultados, a resposta é: não. Para eles, o CDC brasileiro não pode ser invocado para proteger um cidadão de medidas unilaterais impostas por legislações de outros países.
O que diz a Lei Magnitsky?
Criada em 2016, a Lei Magnitsky permite que o governo dos Estados Unidos imponha sanções econômicas e restrições de visto a indivíduos considerados responsáveis por corrupção significativa ou violações graves de direitos humanos. Essas medidas incluem congelamento de bens em território americano, proibição de entrada nos EUA e bloqueio de qualquer relação comercial com empresas sediadas no país.
Na última quarta-feira (30), o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), ligado ao Departamento do Tesouro dos EUA, anunciou sanções contra Alexandre de Moraes. Ele está impedido de realizar negócios com empresas ou cidadãos americanos e não pode entrar em território norte-americano.
O CDC pode ser aplicado contra empresas que seguirem a sanção?
Blanck afirma que o ministro, assim como qualquer cidadão brasileiro, tem seus direitos garantidos pelo CDC dentro do território nacional. Isso inclui, por exemplo, ser atendido por empresas que operam no Brasil, desde que esteja apto a consumir aquele produto ou serviço.
No entanto, se uma empresa estadunidense (ou sob jurisdição dos EUA) se recusar a vender ou prestar serviços a Moraes em função da sanção, dificilmente a Justiça brasileira poderá obrigá-la a fazê-lo. “Obrigar a empresa a violar as leis do país onde está sediada equivaleria a violar a soberania do Estado estrangeiro, o que não é admissível no Direito Internacional”, explica.
Por outro lado, a situação muda se a empresa for brasileira, mesmo que tenha capital estrangeiro. O advogado explica que se ela se recusar a atender o ministro com base em uma sanção que não foi reconhecida oficialmente pelo governo brasileiro, poderá estar cometendo uma prática abusiva, passível de punição com base no CDC.
O CDC não tem efeito fora do Brasil
Para a advogada Amanda Regina da Cunha, do escritório Paschoini Advogados e especialista em Direito Civil e Processual Civil, o CDC é ineficaz em relações comerciais travadas fora do Brasil. “Ele visa proteger os consumidores dentro do Brasil, mas não possui efeito extraterritorial. Isso significa que, quando um consumidor brasileiro tem um contrato com uma empresa localizada fora do país, como uma operadora de cartão de crédito nos EUA, o CDC não pode ser invocado para reverter decisões tomadas sob leis estrangeiras”, afirma.
Ela acrescenta que, em casos como o de Alexandre de Moraes, onde a sanção foi aplicada por um governo estrangeiro com base em uma legislação local, não há como usar o CDC como instrumento de contestação. “Essas decisões não estão sujeitas ao controle de normas de outros países.”
O que diz o PROCON-SP sobre empresas que operam no Brasil?
Já o PROCON-SP, em nota, reiterou que todas as empresas que atuam em território brasileiro — inclusive aquelas com sede ou capital estrangeiro — são obrigadas a respeitar os direitos dos consumidores conforme estabelece a legislação nacional.
“O descumprimento da prestação de serviço ou a recusa na venda de produto com base em sanções internacionais não reconhecidas pelo Brasil poderá ser considerada infração ao Código de Defesa do Consumidor”, diz o órgão. Nesse caso, a empresa poderá ser multada e sofrer outras penalidades legais.
A autarquia estadual reforça ainda que decisões de governos estrangeiros “não têm validade sobre operações comerciais realizadas em território brasileiro”, salvo em casos em que o Brasil tenha internalizado formalmente aquela sanção por meio de tratados ou atos normativos — o que não é o caso da Lei Magnitsky.
E se o ministro decidir acionar a Justiça?
Segundo os especialistas, Alexandre de Moraes poderia, em tese, buscar a Justiça brasileira caso se sinta discriminado ou tenha seus direitos violados por uma empresa que opera no Brasil. Mas, se essa empresa estiver sujeita diretamente à jurisdição americana, sua defesa poderá se sustentar no cumprimento obrigatório da Lei Magnitsky.
“O Judiciário brasileiro não pode anular, invalidar ou impedir os efeitos da legislação norte-americana fora do Brasil”, reforça Daniel Blanck.