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O Caso Americanas e o acionamento judicial por parte dos minoritários

28 de agosto, 2024

Segundo Paulo Bardella Caparelli, os minoriários precisam ter prudência para mover uma ação pedindo ressarcimento no Caso das Americanas.

Por Jorge Priori

Conversamos com Paulo Bardella Caparelli, especialista em direito societário e sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, sobre o Caso Americanas e o acionamento judicial por parte dos seus acionistas minoritários.

Dado o problema que aconteceu nas Americanas, os minoritários podem acioná-la judicialmente?

Essa é uma questão que vem sendo bastante discutida, sobretudo desde o problema que houve com a Petrobras no passado. Vários acionistas, que se sentiram lesados pelo problema que a Petrobras teve, entraram com uma ação de perdas e danos pedindo uma indenização contra a companhia. Ocorre que no direito brasileiro existe uma corrente que entende que a Petrobras devia indenizar, em última análise, os seus milhares de acionistas que foram lesados, e outra, com a qual me identifico, que entende que a companhia também foi lesada. No meu entendimento, no caso das Americanas, a companhia, como entidade jurídica, também foi lesada e sofreu graves prejuízos.

A meu ver, o caminho correto para aqueles que queiram buscar uma indenização é fazer a ação não contra a própria companhia, mas sim contra os administradores que praticaram os atos que levaram a esse prejuízo.

Esse é um processo muito específico e que envolve custos. No caso de um investidor que tenha uma participação pequena nas Americanas, o que ele pode fazer para tentar se ressarcir desse prejuízo?

De fato, existem algumas barreiras a serem superadas. A primeira, e a maior delas, é a prova de que houve fraude, lesão ou descumprimento das normas legais e dos deveres dos administradores que levaram a esse prejuízo. Em poucas palavras: é preciso que haja uma prova clara da fraude. A segunda, que é mais fácil, é uma demonstração do prejuízo. Para isso, é só fazer a correlação entre quanto valia a ação e quanto vale hoje. A terceira são os custos do processo, pois o investidor que está interessado em ingressar com uma ação vai precisar contratar um advogado.

A quarta barreira são os honorários de sucumbência. Isso porque a partir do momento em que se ingressa com uma ação, corre-se um risco de perdê-la e ser condenado a pagar esses honorários.

Essa é uma ressalva super importante porque a grande maioria das pessoas, mesmo as do mundo empresarial que possuem graus sofisticados de conhecimento, não sabem que, uma vez que se perde uma ação judicial, o autor tem que pagar os honorários de sucumbência, que é o valor devido pela parte que perdeu ao advogado vencedor. No Brasil, isso gira entre 10% e 20% do valor pleiteado.

Nesse tipo de questão, o que algumas pessoas têm feito é se reunir em associações. Para que uma associação seja válida, existem alguns requisitos e detalhes técnicos, como um tempo entre a sua criação e a ação judicial. Assim, de forma individual ou coletiva, o lesado pode buscar esse suposto prejuízo, já que não podemos acusar ninguém indevidamente.

Como uma pessoa pode encontrar esse tipo de associação?

Hoje em dia, através dos meios de comunicação básicos, mas em mais de uma oportunidade eu vi pessoas que se sentiram lesadas, que não encontraram uma associação, e que decidiram montar a própria associação. Isso é, plenamente, possível, mas tudo, na minha opinião, na minha visão e na minha recomendação, passa por encontrar um advogado que seja especialista em contencioso cível e que seja muito prudente para não colocar os associados e os acionistas minoritários em risco.

Você abordou a questão das provas, sendo que o que não falta são notícias sobre o que aconteceu, além da própria companhia já ter reconhecido o problema. Isso já não seriam provas?

Ótima pergunta. A primeira resposta é: notícia jornalística divulgada na mídia não é prova. Uma prova precisa de embasamento técnico, inclusive pericial nesse caso. Por outro lado, nós vimos reconhecimentos por parte de representantes da companhia, e aqui é preciso ter muita cautela. Isso porque as notícias que eu li a respeito dão conta de que o administrador que reconheceu o problema não participou das causas do problema. É preciso separar muito bem as pessoas.

Como disse, nós não podemos considerar que a companhia lesou alguém, pois ela foi lesada. Se um determinado administrador ou determinado diretor reconheceu que houve um problema, é preciso entender se ele participava da gestão na época em que houve o problema, pois aí sim nós vamos estar falando de uma confissão, o que não me parece o caso.

Nas Americanas, me parece que as composições do conselho de administração e da diretoria, que exerciam os cargos quando os problemas foram criados, não vieram a público para dizer que houve um problema. O que houve foi uma nova diretoria, que não fazia parte lá atrás, trazendo luz ao problema. Essa pessoa não deveria ser responsabilizada, pelo contrário, pois ela foi a única que realmente trouxe luz ao problema.

Caso a pessoa decida ingressar com uma ação, onde vale mais a pena fazer isso? No Brasil ou no exterior?

Eu vou responder essa pergunta de forma bastante conservadora. Como advogado brasileiro, eu não posso dar aconselhamento em direito estrangeiro, mas o básico para se tomar uma decisão é entender qual é o título que esse acionista detém. Enfim, me parece que o local adequado para se entrar com esse tipo de pedido é o Brasil, pois trata-se de uma entidade brasileira, com administradores brasileiros e, até onde eu vejo, esse acionista minoritário também é brasileiro. Contudo, como eu não sou especialista em direito norte-americano, eventualmente pode haver algum ângulo nos Estados Unidos que permita fazer isso, mas que eu não estou conseguindo enxergá-lo.

O atraso na divulgação do balanço do 4T23 e do 1T24 compromete a posição da companhia?

Com certeza, pois quando a companhia deixa de entregar os balanços no prazo, ela descumpre as suas obrigações, mas isso por si só não dá o direito a uma indenização. Para que se tenha isso, é preciso provar o tamanho do dano, ou seja, em que valor uma determinada pessoa foi prejudicada pelo atraso na entrega do balanço. O que eu quero dizer é que não existe uma indenização automática pelo atraso na entrega dos números, mas sim um descumprimento. Para que uma pessoa tenha direito a uma indenização, ela precisa provar o descumprimento, o seu prejuízo e o nexo de casualidade, ou seja, a ligação entre o descumprimento e o prejuízo. Nesse caso, nós temos o descumprimento, mas o prejuízo, cada um teria que provar o seu.

No caso dos controladores, eles possuem responsabilidade sobre o que aconteceu?

Essa é uma bela pergunta. O direito brasileiro diz que o responsável é aquele que pratica ato de gestão, e quem pratica o ato de gestão, sem nenhuma dúvida, são os membros da diretoria e do conselho de administração. No caso dos acionistas de referência, como o mercado vem chamando, já que eles não são controladores ou majoritários, mas a referência da companhia, é preciso também comprovar que eles praticaram ou contribuíram para aqueles atos. Se você me perguntar sobre a minha opinião pessoal, eu diria que esse é um caminho que vale a pena estudar a fundo. Isso porque a partir do momento em que eles negociam o reerguimento da companhia e se comprometem a fazer aportes financeiros, me parece que eles contribuem com atos de gestão.

Enfim, essa é uma análise muito técnica, pois eu não quero parecer sensacionalista. O leitor pode ficar sem grandes certezas ao ler essa entrevista, mas é preciso ter prudência nesse momento, justamente para não colocar o leitor, um possível acionista minoritário, numa situação de risco, como entrar com uma ação infundada, gastando com advogado, para, eventualmente, ter que ressarcir o advogado da parte contrária em caso de derrota.

https://monitormercantil.com.br/o-caso-americanas-e-o-acionamento-judicial-por-parte-dos-minoritarios/

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