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O caos da retórica e o limite da democracia nas eleições para a Prefeitura de SP

25 de setembro, 2024

Os eleitores precisam estar atentos para não se deixarem levar por essa atmosfera de hostilidade e violência. A democracia se fortalece no diálogo e no confronto saudável de ideias, não na guerra de insultos e ataques pessoais. Em tempos de baixaria, o maior desafio para a democracia é manter-se firme em seus valores

Por Ricardo Martins Motta

As eleições para a Prefeitura de São Paulo em 2024 estão sendo marcadas por um cenário que ultrapassa os limites da política tradicional. Insultos, ataques pessoais e até agressões físicas tornaram-se estratégias recorrentes nas campanhas, desviando o foco das questões centrais para a cidade. Esse ambiente degradado de hostilidade política gera consequências não apenas para os eleitores, mas também para o processo democrático em si, que se enfraquece diante dessa retórica agressiva.

O que antes poderia ser um confronto saudável de ideias e propostas transformou-se em uma disputa marcada pelo grotesco. Termos como “lacração” e “ataque” são utilizados de forma rotineira, e os debates se transformaram em verdadeiros ringues de combate verbal, onde o espetáculo muitas vezes substitui o conteúdo e as propostas. Vídeos polêmicos e momentos de confronto são amplamente compartilhados nas redes sociais, amplificando o alcance dessas cenas de degradação política.

A busca por visibilidade na era digital fez com que os candidatos adotassem discursos inflamados e, em alguns casos, até partiram para agressões físicas. A “cadeirada” em um evento político é um exemplo claro de como as campanhas atingiram níveis extremos. O eleitor, por sua vez, assiste atônito à deterioração do debate político, enquanto as plataformas digitais incentivam a polarização, tornando o espaço para o diálogo cada vez mais limitado.

Outro aspecto marcante nestas eleições é o uso constante de insultos, muitas vezes carregados de preconceito e desrespeito. A incitação à violência tornou-se uma ferramenta política para desestabilizar adversários, ofuscando completamente as discussões sobre os reais problemas da cidade, como transporte público, habitação e segurança. As campanhas, ao invés de focarem em propostas para resolver essas questões, investem tempo e energia na criação de narrativas negativas, contribuindo para desinformar o eleitor.

Esse comportamento não apenas desvia a atenção das soluções que a cidade tanto necessita, mas também alimenta uma cultura política tóxica, na qual o espetáculo da agressividade se sobrepõe ao bem-estar coletivo. O foco nas ofensas e humilhações cria um ambiente de disputa que desvaloriza o debate público e torna o voto uma resposta emocional, ao invés de uma escolha racional e informada.

As redes sociais desempenham um papel crucial na amplificação dessa retórica agressiva. Elas oferecem um palco onde as “lacradas” — momentos em que os candidatos tentam impor suas ideias ou humilhar o adversário — são celebradas por parte do eleitorado. Esses momentos são amplificados como se fossem vitórias políticas, mas, na realidade, distorcem o verdadeiro propósito de uma campanha eleitoral: discutir ideias, apresentar propostas e buscar soluções para o bem da população.

O que está em jogo nas eleições de 2024 não é apenas a escolha do próximo prefeito, mas também o futuro da prática democrática em São Paulo. Quando a agressividade verbal e física ultrapassa os limites do aceitável, a confiança no processo democrático é profundamente abalada. A política se transforma em um campo de batalha, onde a ética, o respeito e o diálogo são abandonados, e a violência, seja física ou simbólica, passa a ser utilizada como uma ferramenta legítima para se obter poder.

Além disso, a polarização extrema gerada por essas campanhas agressivas pode criar divisões sociais profundas, que perdurarão muito além do período eleitoral, dificultando a governabilidade da cidade. O clima de animosidade entre eleitores e a falta de confiança nas instituições corroem os pilares da democracia, gerando um ciclo vicioso de descrédito político.

Essas eleições refletem um contexto mais amplo de crise política e social. A escalada das ofensas, cenas de agressão e a superficialidade dos debates são sintomas de uma sociedade em tensão, na qual os líderes políticos têm a responsabilidade de resgatar a qualidade do debate público e reconectar com os anseios reais da população.

Os eleitores, por sua vez, precisam estar atentos para não se deixarem levar por essa atmosfera de hostilidade e violência. A democracia se fortalece no diálogo e no confronto saudável de ideias, não na guerra de insultos e ataques pessoais. Mais do que nunca, é fundamental que os candidatos se concentrem nas reais necessidades de São Paulo, e que o eleitor exerça seu direito de voto com consciência crítica, buscando aqueles que verdadeiramente estão comprometidos com o bem comum da cidade.

Em tempos de baixaria, o maior desafio para a democracia é manter-se firme em seus valores. Para São Paulo, isso significa eleger alguém que consiga transformar esse caos político em um governo responsável, ético e eficiente, capaz de resgatar o debate de alto nível e responder às demandas urgentes da cidade.

Ricardo Martins Motta
Sócio responsável pela Área de Relacionamento com o Mercado em Viseu Advogados. Membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). 

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/o-caos-da-retorica-e-o-limite-da-democracia-nas-eleicoes-para-a-prefeitura-de-sp/

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