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PORTFÓLIO

Moraes dá 24 horas para PL apresentar relatório completo sobre urnas eletrônicas

23 de novembro, 2022

Manifestação do presidente do TSE ocorre minutos após o partido de Bolsonaro questionar resultados, mas só do segundo turno

Por Luísa Martins e Fabio Murakawa, Valor — Brasília

22/11/2022

(Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE)

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, disse que as urnas questionadas sem provas pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, foram as mesmas utilizadas no primeiro e segundo turnos. A afirmação, em resposta à representação feita pela sigla pedindo a anulação dos votos de quase 280 mil urnas, coloca a legenda em uma situação delicada. Isso porque no primeiro turno o PL elegeu a maior bancada no Congresso Nacional para a próxima legislatura, com 99 deputados e 14 senadores.

Moraes determinou que o partido esclareça se quer continuar com o pedido. “Sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições, no prazo de 24 horas. Publique-se com urgência”, escreveu Moraes, em despacho assinado minutos depois de o relatório ser protocolado no TSE.

Embasado em um relatório de um instituto que já é investigado por “fake news”, o PL pediu à Corte que invalide os votos computados em 279.336 urnas eletrônicas usadas no segundo turno, por um suposto “mau funcionamento”. Segundo o relatório, o pedido de recontagem, que não deve prosperar por falta de lastro técnico, daria a reeleição a Bolsonaro, e não a vitória ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na representação, o PL anexou auditoria segundo a qual apenas as urnas do modelo de 2020 (40,82% do total) teriam gerado “arquivos idôneos”. As demais — dos modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 — teriam apresentado supostas “inconsistências graves e insanáveis” e não poderiam ser levadas em conta pelo TSE, segundo o partido. A retotalização, aponta ainda o relatório, resultaria em 51,05% dos votos válidos para Bolsonaro, contra 48,95% para Lula.

O Tribunal de Contas da União (TCU) e todas as missões internacionais de observação eleitoral atestaram a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro tanto no primeiro turno quanto no segundo. O resultado também foi reconhecido por diversos países logo depois de declarado pelo TSE. As urnas eletrônicas são utilizadas pela Justiça Eleitoral desde 1996, sem nunca ter havido indícios de fraude.

O relatório do PL foi elaborado pelo Instituto Voto Legal (IVL), que já é investigado tanto pela corregedoria-geral da Justiça Eleitoral quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito das “fake news”. Contratado pelo partido, o instituto é suspeito de agir deliberadamente para desacreditar o TSE e tumultuar o pleito, a partir de dados apresentados “sem aprofundamento” e baseados em um “quadro especulativo”, conforme escreveu o corregedor-geral, ministro Benedito Gonçalves.

Nos bastidores do TSE e do Supremo, a percepção é de que a situação se repete — portanto, também deverá ser investigada. O entendimento é o de que, por trás da alegação de um suposto problema nos “logs” das urnas, a verdadeira intenção do partido foi manter inflamada a militância bolsonarista que continua a obstruir as rodovias em protesto contra o resultado das eleições.

Desde o segundo turno, o presidente diminuiu sua participação nas redes sociais e segue recluso no Palácio da Alvorada. Nesta terça-feira, Bolsonaro recebeu o coordenador do IVL, Carlos Rocha, pouco antes de a representação ser ajuizada no TSE.

Presidente do PL, Valdemar Costa Neto preparou uma entrevista coletiva para anunciar o resultado do relatório. “Confesso que fiquei surpreso. Esse relatório não expressa a opinião do PL. Mas é resultado de estudos liderados por especialistas graduados em algumas das melhores universidades do mundo”. Segundo ele, os especialistas do TSE devem “estudar” os dados.

Rocha também se manifestou e disse que o relatório tem um viés colaborativo: “Gostaríamos de interagir construtivamente com o TSE”. O advogado do PL, Marcelo Bessa, que assina a petição protocolada na Corte, admitiu não ser possível atestar que houve fraude na eleição, apenas uma “possibilidade de fragilidade” nas urnas. Advogado de Bolsonaro durante a campanha eleitoral, o ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho Neto não assina o documento.

De acordo com técnicos do TSE ouvidos pelo Valor, os “logs” não são um critério eficaz para a verificação da integridade dos sistemas eleitorais. Todas as urnas — das mais antigas às mais modernas — passaram pelas mesmas mais de dez etapas de inspeção. Essas análises foram realizadas interna e externamente, envolvendo especialistas das mais diversas áreas e entidades.

O advogado Fernando Neisser, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), afirma que a representação não tem fundamento jurídico. “O arquivo de log não precisa ter número próprio de identificação, basta que a urna tenha, como tem. O fato de que as urnas mais modernas incluíram novos mecanismos de segurança não torna as urnas antigas inseguras”, destaca.

A Transparência Eleitoral Brasil acompanhou todo o processo eleitoral e entende ser impossível questionar apenas uma parte das urnas utilizadas, e ainda restringir o pedido ao segundo turno. “As urnas passaram pelos mesmos procedimentos de auditoria e foram utilizadas nos dois turnos”, diz Ana Claudia Santano, coordenadora da organização.

Para o advogado Cristiano Vilela, mestre e doutor em Direito Constitucional, o pedido feito pelo PL carece de fundamentação técnica e jurídica. “Os elementos trazidos são muito fracos e não são capazes de colocar em xeque a fidedignidade do processo eleitoral”, apontou ele, que foi integrante da comissão de observadores das eleições gerais do Chile, em 2021, e da Colômbia, neste ano.

Valdemar Costa Neto fala sobre relatório que apontaria falhas em parte das urnas eletrônicas usadas nas eleições 2022 — Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Valdemar Costa Neto fala sobre relatório que apontaria falhas em parte das urnas eletrônicas usadas nas eleições 2022 — Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

 

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/11/22/moraes-da-24-horas-para-pl-apresentar-relatorio-completo-sobre-urnas-eletronicas.ghtml

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