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Malafaia engana ao dizer que anistia a Bolsonaro é constitucional e decisão exclusiva do Congresso

9 de setembro, 2025

Perdão a crimes contra a democracia iria contra princípio central da Constituição, segundo especialistas; projeto de lei deve passar por sanção do presidente

Foto: Reprodução/Facebook

Por Luciana Marschall

O que estão compartilhando: vídeo em que o pastor Silas Malafaia afirma que a Constituição Federal dá direito a anistia para Jair Bolsonaro (PL) e aos presos do 8 de Janeiro. Segundo ele, o texto constitucional não proíbe expressamente o perdão para os crimes dos quais eles são acusados. O religioso afirma que a anistia é “atribuição exclusiva do Congresso” e que os parlamentares “não devem satisfação ao Supremo Tribunal Federal (STF)”. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas consultados pelo Verifica explicam que a democracia é um princípio central da Constituição. Por isso, mesmo sem uma proibição explícita, não caberia aprovar uma anistia para crimes contra a democracia, já que isso iria contra os princípios constitucionais.

artigo 48 da Constituição, citado por Malafaia no vídeo, determina que o projeto de lei de anistia deve ser sancionado pelo presidente. Mesmo que os parlamentares derrubem um eventual veto presidencial, o STF pode ser acionado para avaliar se a lei é inconstitucional.

A reportagem procurou Malafaia, mas não teve resposta até a publicação.

Saiba mais: Malafaia gravou o vídeo no contexto da articulação de bolsonaristas por um projeto de lei que busca anistiar o ex-presidente e condenados pelo 8 de Janeiro. Bolsonaro é julgado pelos crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

O STF já responsabilizou mais de mil pessoas pelos ataques antidemocráticos. Mais da metade foi condenada. O restante recebeu punição por crimes menores ou assinou acordo de não persecução penal, que possibilita cumprir a pena por meio de medidas alternativas.

Anistia não é competência exclusiva do Congresso

Malafaia cita o inciso 8 do artigo 48 da Constituição para afirmar que a anistia é de competência exclusiva do Congresso. Mas isso não é verdade: esse trecho da Constituição determina que é necessária a sanção do Presidente da República.

O artigo da Constituição que define quais são os assuntos de competência exclusiva do Congresso, na verdade, é o seguinte: o artigo 49. Ali estão os temas que não precisam da sanção presidencial, e a anistia não é um deles, segundo explica a advogada Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal.

Beatriz acrescenta que a concessão de anistia não é ilimitada, nem imune ao controle de constitucionalidade. Isso quer dizer que a concessão de perdão deve respeitar os princípios centrais da Constituição, em especial a proteção do Estado Democrático de Direito.

Segundo a advogada, mesmo depois de aprovada, a anistia pode ser analisada pelo STF, que julga se a lei é constitucional ou não.

O especialista Marcos Jorge, mestre em Direito Administrativo e coordenador Jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados, explica que primeiro deve ser ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) para que o STF analise o caso.

O advogado observa que o próprio texto constitucional define o STF como guardião dele. “Toda e qualquer lei aprovada pelo Congresso Nacional, pode, em tese, ser objeto de ADIn”, disse.

Anistia para crimes contra a democracia é inconstitucional, dizem especialistas

No vídeo, Malafaia afirma que só não pode ser concedida anistia para casos de tortura, terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos. Para justificar a afirmação, o religioso cita outro trecho da Constituição, o inciso XLIII do artigo 5º.

Mas os especialistas explicam que, mesmo que isso não esteja escrito de forma expressa no artigo citado por Malafaia, todos os projetos de anistia devem seguir regras e princípios constitucionais.

Isso inclui, segundo o advogado Marcos Jorge, os princípios do Estado Democrático de Direito, da isonomia, da segurança jurídica, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Beatriz reforça que crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado de Direito ou atentados contra a soberania popular não são compatíveis com o instituto da anistia em um regime democrático, nem com os princípios da administração pública.

Segundo ela, a proibição da anistia para os crimes contra o Estado Democrático de Direito é feita de forma indireta e implícita na Constituição. Isso se dá a partir da leitura do texto constitucional como um sistema unificado.

Como exemplo, a advogada menciona o artigo 1º, que estabelece que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Outro trecho relevante citado por Beatriz é o inciso VII do artigo 34, que define o regime democrático como um princípio constitucional.

”Com a leitura sistemática, conclui-se que a democracia e suas instituições constituem o núcleo intangível da Constituição”, afirmou.

Indulto a manifestação contra democracia foi considerado inconstitucional

Em 2023, o STF anulou o decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro que concedia indulto individual ao ex-deputado Daniel Silveira, condenado por manifestações contra o Estado Democrático de Direito. Os ministros entenderam que houve desvio de finalidade na concessão do benefício, porque o ex-deputado era aliado político de Bolsonaro.

Na ocasião, a ministra Rosa Weber, relatora da ação, lembrou que o entendimento prevalecente no STF é que, embora o indulto seja um ato político privativo do presidente, o Judiciário pode verificar se a concessão está de acordo com as normas constitucionais.

Além de destacarem o desvio de finalidade na graça do ex-presidente a Silveira, os magistrados apontaram que crimes contra a democracia não podem ser objeto de perdão.

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/malafaia-anistia-bolsonaro-constituicao-atribuicao-congresso/

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