PORTFÓLIO

Justiça de São Paulo garante à Louboutin uso exclusivo de solado vermelho em sapatos
Justiça de São Paulo garante à Louboutin uso exclusivo de solado vermelho em sapatos
Sentença proíbe concorrente de vender produtos semelhantes e o condena a indenizar
Por Marcela Villar — De São Paulo
(Foto: Reprodução)

Advogada Lea Vidigal: cópia pode até ser positiva para a marca, porque transforma a marca como referência — Foto: Divulgação
A grife francesa Christian Louboutin obteve na Justiça de São Paulo decisão para proteger o uso do famoso solado vermelho de seus sapatos. A sentença, dada pelo juiz Gustavo Cesar Mazutti, da 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem da Capital, proíbe a marca nacional Bruna Silverio Shoes de vender produtos semelhantes. Foi estabelecido ainda o pagamento de danos morais em R$ 20 mil e danos materiais, a serem apurados na fase de liquidação da sentença.
Para o magistrado, houve prática de concorrência desleal e desvio de clientela. É a primeira decisão favorável à Louboutin por violação de “trade dress” no Brasil, segundo o advogado que a representa no processo, Karlo Tinoco, sócio do RNA Law.
“Trade dress” (conjunto-imagem) é a união de elementos que identificam e individualizam uma marca, empresa, produto ou serviço – nesse caso, a sola vermelha em sapatos altos. Apesar de não existir lei no Brasil que permita o registro do conceito, o Judiciário tem garantido a proteção em algumas hipóteses pela premissa da concorrência desleal.
O diferencial desse caso é que o magistrado dispensou perícia, normalmente requisito para apurar eventual imitação de “trade dress”, de acordo com precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (REsp 1778910). A advogada da Bruna Silverio na ação, Clarice Fernandes, da Totall Marcas e Patentes, diz que vai recorrer, com a alegação de que a Louboutin ainda não tem marca registrada, “não havendo exclusividade ainda no direito reivindicado”.
A marca francesa teve o pedido de registro negado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e discute essa questão por meio de outro processo em trâmite na Justiça Federal. Houve uma primeira decisão deferindo o registro, mas há ainda recursos em análise (processo nº 5082257-22.2023.4.02.5101).
Dispensa da perícia mostra que o Judiciário tem dado respostas mais ágeis”
— Karlo Tinoco
No caso contra a Bruna Silverio, na Justiça de São Paulo, o juiz Gustavo Cesar Mazutti afirma que a empresa tem comercializado “produtos notoriamente semelhantes” aos da Louboutin. “É evidente que tal semelhança pode causar confusão no consumidor, por se tratar de produtos que reproduzem característica notoriamente reconhecida como ‘assinatura’ das empresas autoras: o solado vermelho aplicado aos calçados de salto alto”, diz ele, na sentença (processo nº 1118907-73.2021.8.26.0100).
Ele reconhece que mesmo sem o registro de marca e mesmo sem previsão sobre “trade dress” na Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279, de 1996), “é inegável que há amparo legal ao conjunto-imagem em nosso arcabouço jurídico, sobretudo porque sua usurpação é repreendida pela concorrência desleal”. “Embora os solados vermelhos aplicados aos sapatos de salto alto possam ser considerados fracos ou de pouca originalidade, é inegável a sua distintividade”, acrescenta.
Em relação à dispensa de prova pericial, Mazutti afirma que apesar de jurisprudência do STJ exigir, quando a violação do conjunto imagem é “à primeira vista”, “a dilação probatória não deverá (e não poderá) servir como ‘escudo’ para o infrator, sob pena de consolidar atividade ilícita que não deve ser tolerada, mas sim ser combatida”.
Para a advogada da Bruna Silverio, Clarice Fernandes, a sentença é contraditória. Ao mesmo tempo que afirma que “os solados vermelhos aplicados aos sapatos de salto alto são dotados de pouca originalidade”, reconhece a proteção pelo “trade dress” sem realizar perícia. “Em hipóteses dessa natureza, a perícia deveria ter sido determinada de ofício pelo juízo, dada a complexidade técnica da matéria”, diz.
Já Karlo Tinoco, advogado da Louboutin, entende ser desnecessária a apresentação dessa prova. “A inovação da sentença é que ele reconhece que é tão flagrante a violação e que a sola vermelha tem sim muita distintividade e foi copiada que não precisa de perícia mesmo em um caso de trade dress”, afirma.
Na visão dele, a dispensa da perícia mostra que o Judiciário paulistano tem dado respostas mais ágeis. “Vemos que nas varas empresariais há um esforço para entregar uma tutela jurisdicional de qualidade e célere”, diz. Segundo Tinoco, a cópia do elemento visual confunde o consumidor, porque a sola vermelha está atrelada à marca francesa. “É um sinal distintivo da empresa, que exerce essa função consumerista de ligar o produto a um fabricante”, adiciona.
Lea Vidigal, sócia do Lea Vidigal Advocacia, afirma que o “trade dress” pode ser registrado em outros países, como nos Estados Unidos. “É um modo de apresentar o produto e elementos que compõem a identidade de uma marca, como a cor da sacola Tiffany e a fonte usada na garrafa da Coca-Cola. São elementos sensoriais que remetem a um produto ou marca”, afirma.
Segundo Lea, para ter a proteção, é preciso distintividade e possível desvio de clientela, o que foi reconhecido nesse caso. Mas ela entende que proteger marcas sem registro pode ser perigoso. “Pode restringir a criatividade e inovação, porque muitas vezes um produto se torna tão icônico que vira uma referência, muda o modo como aquele mercado e aqueles produtos se apresentam na sociedade”, diz.
Na visão dela, não necessariamente haveria risco de desvio concreto de clientela, pois o público da Christian Louboutin e da Bruna Silverio Shoes são diferentes. Enquanto um sapato de salto fino da marca francesa custa em torno de R$ 6 mil, o da marca brasileira é de cerca de R$ 500.
“Talvez o dano efetivo de concorrência seja inexistente, porque a pessoa que compra um Christian Louboutin não é a mesma e a cópia pode até ser positiva para a marca, porque transforma a marca como referência para além do próprio mercado, levando para outros mercados que eventualmente nem acessariam aquele produto”, afirma.