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Julgamento da trama golpista: entenda o impacto da divergência entre ministros do STF nas penas e recursos
Julgamento da trama golpista: entenda o impacto da divergência entre ministros do STF nas penas e recursos
Até agora, os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino votaram para condenar todos os réus
Foto: Nelson Jr. SCO/STF
Por Bernardo Mello, Dimitrius Dantas e Mariana Muniz
A divergência, aberta ontem, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux no julgamento da ação penal da trama golpista pode pavimentar caminho a futuros recursos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus contra eventuais condenações, mas não impacta, por si só, na definição de possíveis penas e na hipótese de prisão dos culpados.
Segundo juristas consultados pelo GLOBO, o voto de Fux pela absolvição de Bolsonaro por todos os crimes imputados na denúncia só poderá ser usado para recorrer de uma eventual sentença condenatória caso outro integrante da Primeira Turma acompanhe o ministro. Até agora, os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino votaram para condenar todos os réus.
A avaliação dos juristas é que a decisão de Fux de absolver réus integralmente, como nos casos de Bolsonaro e do almirante Almir Garnier, ou parcialmente, como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e Walter Braga Netto, tampouco altera o tamanho das penas às quais eles serão submetidos em caso de maioria de votos pela condenação.
Os réus absolvidos no voto de Fux podem recorrer contra as condenações votadas por Moraes?
A possibilidade de recursos dependerá, em parte, das votações dos demais ministros. Os embargos infringentes, principal cartada vislumbrada pelas defesas, só são permitidos, de acordo com os juristas, em caso de dois votos pela absolvição. Esse tipo de recurso levaria a análise do caso para o plenário do STF, composto por 11 ministros, mas apenas em relação aos crimes e aos réus sobre os quais houve divergência na Primeira Turma.
Se outro ministro votar pela absolvição integral de Bolsonaro, portanto, o ex-presidente poderia entrar com recurso para tentar reverter uma eventual condenação.
Todos os réus também podem entrar com embargos de declaração. Esse tipo de recurso, em geral, não reverte uma condenação, é voltado para esclarecer contradições ou imprecisões nos votos.
Qual é a situação de Bolsonaro após o voto?
O ex-presidente já tem dois votos, entre cinco ministros da Primeira Turma, para ser condenado pelos cinco crimes imputados na denúncia da Procuradoria-Geral da República: tentativa de golpe, abolição do Estado democrático, organização criminosa, deterioração do patrimônio e dano qualificado.
Segundo o professor da FGV e especialista em Direito Penal, Thiago Bottino, ainda que os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes tenham sinalizado divergências em relação às penas de alguns dos réus, ambos apontaram em seus votos que consideram a ação penal procedente nos cinco crimes.
A defesa de Bolsonaro sugeriu, na manhã de ontem, que aguardaria o voto de Fux para avaliar a possibilidade de pedir prisão domiciliar para o ex-presidente ao fim do processo. Bolsonaro, no entanto, já está preso nesse regime, devido a outro inquérito, que apura obstrução de Justiça envolvendo a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), seu filho, nos Estados Unidos. De acordo com Bottino, o voto de Fux tampouco altera a possibilidade imediata de Bolsonaro ser libertado ou de enfrentar outro regime de prisão.
— Não altera, porque ele não está preso por causa de condenação nesse processo (da trama golpista) — lembrou Bottino.
Caso seja condenado na ação do golpe, Bolsonaro vai para a prisão?
Depende, entre outros fatores, do tamanho da sentença. Se a condenação for de até quatro anos, o regime inicial de cumprimento da pena é aberto. Nesse caso, o condenado é obrigado a recolhimento noturno, normalmente na própria casa. É algo similar ao que Bolsonaro esteve submetido em julho, quando o STF impôs medidas cautelares no inquérito que apura obstrução de justiça; depois ele foi posto em prisão domiciliar por descumprir essas medidas.
Se a condenação total for de quatro a oito anos, o regime aplicado é o semiaberto, em que o condenado precisa dormir na prisão. Quando as penas ultrapassam oito anos, o regime inicial é o fechado.
O voto de Fux, ao absolver Bolsonaro de todos os crimes, não interfere em um eventual regime prisional do ex-presidente. Isso porque o entendimento de Fux só terá chance de prosperar caso outros ministros também votem pela absolvição. Se houver maioria pela condenação, o regime será definido pelas penas impostas por esses ministros.
Caso Bolsonaro seja preso, cabe ao STF determinar o local de cumprimento da pena. Por ser ex-presidente, ele pode ser destinado a uma sala na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, a um batalhão da Polícia Militar ou a uma unidade das Forças Armadas. O Exército dispõe, no Distrito Federal, de 20 salas do Estado-Maior aptas a receber eventuais condenados na trama golpista, grupo que inclui militares da reserva e da ativa.
O voto de Fux altera o cálculo das penas?
Segundo os juristas, caso haja maioria na Primeira Turma pelas condenações, os votos absolutórios de Fux não interferem no cálculo das penas. Especialista em Direito Penal, a advogada Beatriz Alaia Colin observa que uma possível forma de definição das sentenças, em caso de divergência entre os ministros, é pelo “voto médio” — ou seja, a duração intermediária nas sentenças propostas. Porém, o voto pela absolvição não entra nesse cálculo.
— O voto do ministro Fux não integra qualquer cálculo de pena. Se não houver maioria pela absolvição, ele ficará vencido, e a pena final será fixada exclusivamente com base nos parâmetros dos ministros que votarem pela condenação — afirmou Colin.
Sem entrar ainda na definição da pena, Dino sinalizou que pretende estabelecer condenações menores para os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e para o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem. Moraes, por sua vez, sugeriu uma sentença maior para Bolsonaro do que para os demais réus, por entender que o ex-presidente teve papel de liderança nos fatos investigados.
Algum réu está absolvido após o voto de Fux?
Não. Embora o ministro tenha votado para absolver Bolsonaro, já há dois votos — de Moraes e Dino — pela condenação. Uma eventual absolvição integral depende de os dois ministros restantes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, acompanharem o entendimento de Fux.
Quais são os próximos passos do julgamento?
Pela previsão da Primeira Turma, estão marcadas sessões para hoje e amanhã. Após o encerramento do voto do ministro Luiz Fux, que tomou toda a sessão de ontem, faltam expôs suas posições a ministra Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que presidente a sessão.
Em seguida, caso haja maioria pela condenação de um ou mais réus do núcleo cruciam da trama golpista, os ministros discutirão o tamanho das penas.