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Judicialização de acidentes aéreos

22 de agosto, 2024

Segundo Leonardo Peres Leite, nem todos os acidentes aéreos ocorridos no Brasil podem ser judicializados no exterior.

Por Jorge Priori

Conversamos sobre a judicialização de acidentes aéreos com Leonardo Peres Leite, sócio no escritório MV Costa Advogados. Leonardo é especializado em responsabilidade civil, contratos e relações de consumo e possui experiência na condução de litígios de alta complexidade.

Quando acontece um acidente aéreo, como o ocorrido recentemente com o voo da Voepass, o que vale mais a pena? Acionar a companhia aérea no Brasil ou no exterior?

No caso de um acidente aéreo, você tem que partir do princípio de onde ocorreu o acidente. Basicamente, essa é a regra de início para que se defina onde a ação será julgada.

Quando ocorre um acidente desse porte, com a morte de várias pessoas e com repercussão mundial, normalmente, se criam teorias e mecanismos para se buscar o melhor. No passado, muito se discutiu esse tipo de ação fora do Brasil por dois motivos. O primeiro era a celeridade do judiciário de fora, e o segundo era por conta dos valores das indenizações, especialmente nos Estados Unidos, cujos valores costumam ser mais pesados que no Brasil.

O ponto é que para que se possa colocar uma ação nos Estados Unidos, você precisa ter o envolvimento de alguém que esteja lá. Por exemplo, o fabricante ou a seguradora do avião estão nos Estados Unidos? Se ninguém estiver nos Estados Unidos, não faz sentido mover esse tipo de ação na justiça americana. Se isso for feito, o juiz americano vai dizer que não há motivo algum para que essa ação seja julgada nos Estados Unidos, e sim no país onde ocorreu o acidente, ou no país do fabricante do avião ou no país da companhia aérea.

No caso da queda do avião da Chapecoense* (nov/2016), esse acidente não aconteceu no Brasil, e sim na Colômbia, mas há uma ação correndo nos Estados Unidos. Isso porque a seguradora responsável pela apólice do avião e a empresa responsável pela aeronave estão nos Estados Unidos. Inclusive, além dessa ação, há uma ação pública no Brasil, sendo que ambas ainda não foram julgadas. A previsão é de que a ação nos Estados Unidos seja julgada em 2025.

No caso do acidente da TAM no Aeroporto de Congonhas (jul/2007), quando o avião pousou, teve problemas para frear e se chocou contra um edifício, todas as ações estão correndo no Brasil, pois a companhia aérea era brasileira e não houve uma indicação de que o acidente tenha sido causado pelo avião (A320-233, fabricado pela Airbus, cuja sede fica na França). Neste caso, a conclusão foi de que houve uma falha operacional.

No caso de Vinhedo, a companhia aérea está no Brasil, o avião foi fabricado na Europa (ATR-72 500, fabricado pela ATR, cuja sede fica na França), e a empresa que fez o leasing para a companhia aérea brasileira também está na Europa. No caso deste acidente, pelo menos com o que se sabe até hoje, não há um caminho para se ajuizar uma ação nos Estados Unidos.

Não é porque nos Estados Unidos as indenizações são milionárias e a justiça tem a tendência de caminhar mais rápido que o país vai se tornar um foro mundial para o julgamento desse tipo de ação. Inclusive, o Judiciário americano já está observando com atenção esse tipo de movimentação e rejeitando muitas ações.

Dependendo dos resultados das perícias, que são várias, pode-se chegar ao entendimento de que o problema foi na aeronave. Se isso acontecer, pode-se estudar a hipótese de se mover uma ação contra a fabricante na França, mas é preciso saber se a justiça francesa aceita esse tipo de ação.

Um ponto importante é que as ações fora do Brasil têm uma certa dificuldade de prosperarem justamente porque o acidente aconteceu no Brasil, o que faz com que as investigações estejam aqui. Quando se move uma ação em outro país, fica difícil para que o juiz desse país tenha acesso às provas que estão no Brasil. É por isso que é interessante que esse tipo de ação corra aqui.

Se uma companhia aérea tem uma apólice de seguro que cobre esse tipo de evento, por que esse problema sempre acaba na justiça?

A legislação brasileira obriga que as companhias aéreas tenham um seguro obrigatório muito semelhante ao DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres, atual Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito, SPVAT). Esse seguro se chama RETA (Responsabilidade Civil por Danos Pessoais e Materiais). Se a companhia aérea não tiver esse seguro, ela nem recebe autorização para voar. Agora, é de bom grado que a companhia aérea também tenha uma apólice de seguro, diferente do RETA, através da qual ela regule os valores de indenização e os limites de cobertura. Ao que parece, a Voepass possui os dois seguros.

Esse tipo de problema acaba indo para a justiça exatamente por conta dos critérios definidos para que as coberturas sejam pagas. Quando uma companhia aérea contrata esse tipo de seguro, ele tem a definição dos valores que serão pagos pelos danos materiais, que são os gastos relacionados, infelizmente, ao traslado de corpo e ao funeral; pelo suporte material dos familiares, como deslocamentos, hospedagens e refeições, e pela indenização moral.

A seguradora paga a indenização em conformidade com os valores que estão pré-estabelecidos em contrato, mas os familiares que recebem a indenização, às vezes, não concordam com esse valor, pois essa é uma questão muito pessoal de cada um. Por exemplo, uma seguradora pode chegar para um casal, que perdeu um filho em um acidente aéreo, e lhes dizer que a indenização será de R$ 300 mil, mas o casal pode não concordar, alegando que a vida do seu filho vale mais que isso. É nesse ponto que começa a discussão judicial.

Em algumas situações, os familiares recebem o valor da seguradora, mas procuram o Judiciário por entenderem que o valor correto seria “x”, cabendo ao juiz a análise se o que está sendo pedido é coerente ou não e se o valor recebido da seguradora foi adequado ou não.

Também existem algumas situações em que, infelizmente, a companhia aérea não dá qualquer assistência e, simplesmente, dificulta a vida dos familiares, não reembolsando nada e não indenizando ninguém, o que faz com que os familiares tenham que ir ao judiciário.

Ou seja, dependendo das circunstâncias, os familiares podem acionar tanto a companhia aérea quanto a seguradora?

Isso depende de como cada um vai agir na história, mas, geralmente, o acionamento judicial é das duas empresas, mas em alguns casos se aciona apenas a companhia aérea. Tudo depende do entendimento do advogado que vai assessorar os familiares, mas até por conta do Código de Defesa do Consumidor, há a possibilidade de se colocar as duas empresas para responder à ação.

Se o erro foi da companhia aérea, como um erro do piloto ou um problema de manutenção, a seguradora pode se negar a pagar o seguro?

Em algumas situações, pode. Esse tipo de seguro é contratado para que as indenizações sejam pagas. Posteriormente, caso seja cabível, pode haver uma discussão entre a seguradora e a companhia aérea. Nessa discussão, a seguradora pode alegar que pagou as indenizações, mas que o problema foi da companhia aérea, o que pode gerar algum ajuste.

Em alguns casos a seguradora pode dizer à companhia aérea que não vai pagar, pois ela agravou totalmente a situação através de um problema de manutenção da aeronave ou de treinamento do piloto. Elas podem entrar em uma disputa, mas os familiares não têm nada a ver com isso, pois alguém tem que pagar.

Quando esse tipo de problema acontece no Brasil, qual é a justiça que cuida desse assunto? A Justiça Federal ou as justiças estaduais?

Geralmente, os familiares procuram as justiças estaduais de onde residem. No caso do voo da Voepass, como muitas pessoas moravam em Cascavel, o Tribunal de Justiça do Paraná deverá ser bastante acionado. A Justiça Federal possui outro grau de competência. Ela poderia ser acionada se o acidente tivesse envolvido uma aeronave federal.

Como você tem visto o preparo das 27 justiças estaduais (26 estados + Distrito Federal) para tratarem desse tipo de assunto?

Esses processos acabam demorando muito por “n” fatores, o que faz com que não se possa, necessariamente, creditar tudo na conta do Poder Judiciário. Eles envolvem muitas pessoas e há um volume enorme de documentos e de informações. Por exemplo, o inquérito tem a investigação tanto do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), quanto da polícia. Isso faz com que o juiz tenha que entender o que realmente aconteceu com muita profundidade. Além disso, você pode ter a ação individual de um familiar ou o agrupamento de vários familiares através de uma ação coletiva, o que traz um elemento de complexidade.

O avião do acidente da Chapecoense era um British Aerospace 146, fabricado pela British Aerospace, atual BAE Systems, cuja sede fica na Inglaterra.

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