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IR dos mais ricos pode ser questionado na Justiça, dizem advogados
João José Oliveira
A proposta do governo de taxar lucros dos mais ricos para compensar a perda de arrecadação com a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês tem lacunas e pode ser questionada na Justiça se o Senado aprovar o projeto da forma como passou na Câmara, segundo especialistas em tributação.
O que aconteceu
Dúvidas sobre alíquotas, prazos e deduções preocupam tributaristas. O PL (Projeto de Lei) nº 1087/2025 aprovado na Câmara determina que o Imposto de Renda mínimo a ser pago por empresários depende de uma soma da sua tributação como pessoa física com a tributação das suas pessoas jurídicas. O texto, no entanto, deixa dúvidas sobre prazos e alíquotas que vão valer para cada contribuinte em determinadas situações, segundo advogados ouvidos pelo UOL.
Cálculo de redutor é principal fonte de incerteza. Pelo projeto, a soma da tributação da pessoa jurídica e de seu proprietário (pessoa física) não poderá superar 34% do lucro, nos casos das empresas não financeiras, ou 45% no caso das empresas financeiras. Se uma loja, por exemplo, já recolheu 30% de IR ao governo ao longo do ano, o IR mínimo do proprietário não poderá ir além de 4% para não furar o teto.
Há dúvidas sobre empresa que usa lucro presumido. Com a nova regra, donos de empresas que declaram lucro presumido em lugar do lucro contábil devem pagar mais IR do que se adotassem a outra fórmula. “Para empresa que trabalha com lucro presumido, a alíquota costuma ficar abaixo de 34%, o que vai gerar um redutor menor para o empresário”, diz Rafael Balanin, advogado tributarista do Gasparini, Barbosa e Freire Advogados.
Projeto taxa algumas fontes, mas isenta outras. O projeto aprovado na Câmara determina o pagamento de um imposto mínimo para indivíduos com renda superior a R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil por mês, em média), o que inclui por exemplo determinadas aplicações financeiras e o pagamento de dividendos, mas deixou diversos itens de fora da lista de rendimentos tributáveis:
- Ganhos de capital na venda de imóvel
- Doação em adiantamento da legítima ou herança
- Rendimentos obtidos com caderneta de poupança
- Indenização por acidente de trabalho, danos materiais ou morais
- Rendimentos isentos de IRPF se o contribuinte ou pensionista tiver doenças listadas na legislação
- Rendimentos de títulos com alíquota zero, casos de CRAs, CRIs, LCAs e LCIs
- Fiagros e FIIs desde que tenha mais de 100 cotistas
- Atividade rural declarada pela pessoa física
- Emolumentos cobrados por cartórios
“O fato de haver alguns itens isentos e outros, mesmo similares, serem tributados pode levantar uma discussão na Justiça”
– Roberta de Amorim Dutra, consultora jurídica da QIP-Queiroz Investimentos e Participações
Isonomia para recolhimento de dividendos também pode ser questionada. Segundo a especialista em tributação da QIP, o tratamento dado aos dividendos de uma mesma empresa também pode ser motivo de ações judiciais. Se um sócio receber R$ 51 mil em dividendos em um mês, ele terá uma dedução na fonte de 10%, enquanto outro que receba R$ 49 mil no mesmo período ficará isento.
Datas geram dúvidas sobre isenção de dividendos de 2025. O texto do projeto do governo isenta de IR os dividendos do exercício de 2025 que sejam pagos nos anos seguintes, desde que a companhia avise, até 31 de dezembro deste ano, que vai distribuir lucro e sob quais condições. O problema, dizem especialistas, é que as companhias só fecham os balanços no decorrer o primeiro trimestre. Esse descasamento de datas deve gerar questionamentos.
“A regra torna mais complexa a distribuição de lucros e pode gerar distorções, levando companhias a concentrarem o pagamento de dividendos porque elas terão que deliberar como serão pagos os proventos de todo o ano antes de ter o balanço fechado.”
– Edmundo Eichenberg, sócio da área tributária do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados
Perdas acumuladas na pandemia também podem impactar IR do empresário. O prejuízo apurado por empresas durante a pandemia de Covid-19 pôde ser usado para abater pagamento de IR nos anos seguintes. Mas se a empresa reduzir o lucro e pagar IR abaixo de 34% por causa desse benefício, o dono do negócio terá menos a descontar do próprio IR.
Risco de dupla tributação fora do Brasil. O residente ou domiciliado no exterior que receber lucros e dividendos terá uma retenção de 10% no momento do pagamento, independentemente do valor. Mas, se não houver um acordo bilateral que evite isso, a pessoa também pode ser novamente taxada no país onde recebeu essa quantia.
A tributação em 10% sobre dividendos para não residentes pode esbarrar em tratados assinados pelo Brasil sobre dividendos em dois territórios. Vai ser preciso considerar caso a caso.
– Mateus Campos, sócio da BVA – Barreto Veiga Advogados
IR mensal e anual
Dividendos terão IR retido na fonte mensalmente. De acordo com o texto aprovado na Câmara dos Deputados e que está no Senado, quem recebe mais de R$ 50 mil no mês em dividendos de uma mesma empresa terá uma retenção de IR de 10%.
Tributação definitiva é calculada na declaração de ajuste anual. Se a pessoa escapar da retenção por receber esses dividendos de fontes diferentes, ou com valores interiores a R$ 50 mil em vários meses, terá de fazer o pagamento do valor devido no momento da declaração anual do IR, seguindo uma alíquota progressiva que começa do zero em R$ 600 mil por ano e vai até 10% para rendas que ultrapassem R$ 1,2 milhão por ano.
Valor também poderá ser restituído posteriormente. Se o contribuinte sofrer retenções ao receber mais de R$ 50 mil em dividendos de uma fonte, mas não apresentar renda superior a R$ 600 mil no ano, fica isento do imposto mínimo e poderá receber de volta o dinheiro que ficou retido, após fazer a declaração de ajuste anual.
Cobrança acima de R$ 50 mil mensais deve atingir 0,13% dos contribuintes. Segundo o ministério da Fazenda, cerca de 140 mil pessoas que atualmente recolhem em média 2,54% de Imposto de Renda poderão passar a pagar mais com a nova medida.
Tributação começa em 2026. O texto já foi aprovado na Câmara e está tramitando para o Senado. Se aprovado, segue para sanção do presidente Lula (PT) e valerá para o exercício de 2026, cuja declaração será apresentada em 2027.