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Intimação por meio do X é atípica, mas ciência da parte a torna válida

2 de setembro, 2024

Paulo Batistella
Tiago Angelo

A intimação via rede social, usada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na última quarta-feira (28/8), quando o perfil do STF no X (antigo Twitter) publicou um mandado endereçado ao empresário Elon Musk, carece de uniformização legal e, a priori, poderia ser anulada. No entanto, no caso em questão, ela se amparou no princípio da instrumentalidade das formas para ser considerada válida, já que a parte intimada se mostrou ciente do despacho.

Essa avaliação é da maioria dos advogados constitucionalistas e especialistas no Código de Processo Civil ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Na intimação, Alexandre determinou que Musk nomeasse um representante legal do X no Brasil em até 24 horas, sob pena de suspensão da rede social no país. Por descumprimento do despacho, o bloqueio da plataforma foi determinado na tarde desta sexta (30/8).

Previsão legal

Dierle Nunes, professor de Direito Processual na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Pontifícia Universidade Católica mineira (PUC-MG), destaca que não há previsão expressa da intimação por rede social.

Ele pondera, no entanto, que o artigo 196 do CPC permite ao Conselho Nacional de Justiça editar normas sobre atos processuais, o que levanta, inclusive, a discussão sobre os limites da competência do órgão. De todo modo, duas resoluções do CNJ já versaram sobre o tema: a 354/2020, editada em período crítico da pandemia da Covid-19, em que foram flexibilizados os meios de intimação e citação; e a 455/2022, que, a grosso modo, conforme diz o especialista, autoriza a intimação pela via indireta, com mensagens de texto ou por redes sociais.

“O ideal, obviamente, seria que essas questões ocorressem quando já houvesse um negócio processual das partes autorizando o uso dessas vias eletrônicas, como acontece, por exemplo, nos processos do juízo 100% digital. Mas existem essas resoluções. Então, em verdade, não há previsão legal, e, em princípio, qualquer tipo dessas intimações poderia levantar discussão sobre sua invalidade, porque não há previsão expressa”, afirmou Nunes.

Carta rogatória

A constitucionalista Vera Chemim, que entende ser inválida e ilegal a intimação do ministro, diz que a Resolução 354/2020 do CNJ permite a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, mas impõe exceção ao STF.

Ela também destaca haver precedente jurisprudencial sobre o tema da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 2.026.925, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, em que foi negado provimento à citação ou intimação da parte por via eletrônica, justamente pela ausência de fundamento legal.

A advogada explica que a intimação de Alexandre diretamente a Musk ocorreu justamente pelo fato de não haver um representante legal do X no Brasil. Na ausência dessa figura, é plausível intimar o sócio majoritário da empresa, se houver previsão no contrato social dela para isso. No entanto, a intimação deveria ocorrer, segundo Chemim, por meio de uma carta rogatória, instrumento previsto no CPC para intimar estrangeiros fora do país.

“É claro que o Moraes não fez isso porque demora muito mais, porque, como sugere o nome, a Justiça brasileira teria de escrever uma carta rogando à Justiça de outro país para intimar Musk a realizar tal procedimento.”

Ciência da parte

Já o também constitucionalista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), defende que a intimação é válida, mesmo na ausência de previsão expressa, por ter chegado à parte intimada.

“Não existe precedente, e isso não tem importância. A lei não prevê de antemão todas as hipóteses de aplicação. O Código Civil alemão de 1900 não previu nada sobre transporte aéreo. Afinal, o avião não havia sido inventado. Ou seja, intimar por Twitter, o próprio veículo do intimado, é uma interpretação por analogia”, diz Streck, lembrando que a legislação já admite a intimação com o uso de “meios eletrônicos”.

Wilton Gomes, sócio-titular do escritório Wilton Gomes Advogados, faz ponderação na mesma linha: as manifestações de Elon Musk em que ele assumiu ter ciência da intimação parecem suficientes, a despeito de o método adotado pelo ministro Alexandre de Moraes não estar previsto em lei federal e parecer atípico.

“No âmbito do processo civil, a regra é a da liberdade das formas, e, ainda que os limites a essa liberdade se encontrem na própria lei, a questão há de ser vista sob ângulo positivo, qual seja, da convalidação, desde que o ato tenha alcançado a sua finalidade, sem qualquer prejuízo à parte.”

Princípio da instrumentalidade das formas

Dierle Nunes tem entendimento semelhante. Ainda que assuma a falta de previsão legal, ele pondera que, no caso concreto, a advogada do X constituída nos autos do processo já havia sido intimada no dia 18 deste mês. Além disso, no sistema processual, deve prevalecer o princípio da instrumentalidade das formas.

“Como o ato de intimá-lo pela rede social atendeu à sua finalidade, sendo que o próprio Musk assumiu ter sido cientificado, fez repostagens sobre o ministro, isso significa que o ato nessa hipótese não tem como ser invalidado, porque a instrumentalidade das formas é a ideia de que não há um rito ou uma forma rigorosa para a prática dos atos se ele atingiu a sua finalidade, não causou prejuízo a nenhum direito fundamental e contou com a plena cientificação da parte. Todas as hipóteses se fizeram presentes no caso do Musk.”

Wilton Gomes faz raciocínio semelhante: “Ainda que haja a possibilidade de discussão da nulidade da intimação ora comentada, o caso tem contornos mais graves e, sim, devem ser considerados os princípios da comunicação dos atos processuais e do contraditório aqui aperfeiçoados em detrimento de vícios formais”.

Vera Chemim pondera, contudo, que esse entendimento deveria estar legislado. “Não há uma uniformização desse tema na legislação brasileira. Então, o Congresso teria de fazer uma lei federal ou, para variar, o STF teria de se posicionar. É claro que seria preferível a lei federal, que ocorre por meio do Congresso, que é competente para tal.”

Paulo Batistella
é repórter da revista Consultor Jurídico.

Tiago Angelo
é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

(Foto: TSE)

https://www.conjur.com.br/2024-ago-30/intimacao-por-meio-do-x-e-atipica-mas-ciencia-da-parte-a-torna-valida/

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