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IBDS comemora a vitória da lei de contrato de seguro, mas acompanha com lupa as discussões da revisão do Código Civil

17 de outubro, 2025

Evento do IBDS celebra 25 anos da entidade e a consolidação de um marco legal moderno para o setor

por Denise Bueno

O auditório do MASP e o Teatro Municipal, em São Paulo, são palco nesta semana de um momento simbólico para o mercado de seguros e para o direito brasileiro. O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) celebra seus 25 anos de fundação, entre os dias 16 e 18, com a sensação de ter concluído um ciclo histórico: a aprovação da nova Lei de Contrato de Seguro (Lei nº 15.040/2024), resultado de quase duas décadas de debates, estudos e negociações no Congresso Nacional e com entidades representativas do setor, como a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), justamente aquelas que, no passado, estiveram entre as que mais resistiram à proposta.

“Persistimos. E chegou a vitória. É uma lei moderna, sólida e construída com base no diálogo e na boa-fé”, afirmou Ernesto Tzirulnik, presidente do IBDS, em seu discurso de abertura. Ele lembrou o papel fundamental de entidades como CNseg, Fenacor, IRB(Re), o grupo espanhol Mapfre e resseguradores internacionais que “visitaram cada senador para mostrar que era possível conviver com uma lei de seguros no Brasil, apesar de muitos verem isso como um problema”.

Após longas conversas e defesas, a aprovação da lei foi unânime na Câmara e no Senado e sancionada sem vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Promulgada em dezembro passado, a lei entra em vigor em dezembro de 2025, com pequenos ajustes ainda aguardados na regulamentação a ser anunciada pela Susep, especialmente no que diz respeito ao resseguro. “É uma legislação que traz, entre outros pontos, a consolidação das normas do setor, maior interação e crescimento da tecnologia, no sentido de atender às necessidades do consumidor e da sociedade brasileira”, disse Oliveira em recente evento realizado em Brasília.

Tzirulnik citou a frase “o mundo vai ver uma flor impossível do chão”, trecho da música Sonho Impossível, de Chico Buarque e Ruy Guerra. A letra sintetiza a ideia de superação e esperança, sugerindo que a conquista daquilo que parecia inalcançável é uma vitória coletiva. A imagem da “flor impossível” brotando do chão representava a própria decoração do evento, realizada com um refino totalmente aderente à sustentabilidade.

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, autor do Projeto de Lei nº 3.555/2004, que deu origem à nova norma, classificou o resultado como “um exemplo raro de convergência institucional no país”. “Tivemos apoio de forças políticas divergentes, de esquerda e de direita, de juristas, empresários e reguladores. Foi uma vitória da técnica sobre a ideologia”, disse.

Para o jurista Fábio Ulhoa Coelho, professor titular da PUC-SP, o avanço da lei reflete o embate natural entre grupos de interesse. “Toda boa lei suprime privilégios de alguns em benefício da coletividade. E a sociologia mostra que os prejudicados se mobilizam muito mais do que a imensidão dos beneficiados”, observou.

O superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, reforçou o caráter civilizatório da conquista. “Trata-se de uma proposta de país, que olha para o futuro sem desprezar o passado. A lei, que é fruto de um imenso fruto de diálogos, traz segurança jurídica e prepara o Brasil para uma economia mais sofisticada, baseada em confiança e transparência. É um instrumento de desenvolvimento nacional, um pedacinho do futuro do nosso mercado, que certamente aumentará a confiança e o fluxo de negócios ao proteger a sociedade brasileira.”

Em mensagem enviada ao evento, e secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, ressaltou a importância macroeconômica do novo marco. “Seguimos empenhados em equilibrar as contas públicas, eliminar privilégios e preservar gastos sociais eficientes. Nenhuma lei aprovada neste governo representa tão bem o espírito das reformas microeconômicas quanto a nova Lei de Contrato de Seguro. Nosso mercado convivia com um arcabouço ultrapassado que impedia seu desenvolvimento”.

Um marco em meio à incerteza política

A professora e jurista Judith Martins-Costa, homenageada juntamente com o fotógrafo Sebastião Salgado no primeiro dia do evento, foi um dos nomes mais aplaudidos. “Nada sabia sobre seguros quando fui chamada por Ernesto, em 2002, para pensar uma lei. O que me encantou foi o processo: democrático, refletido, de escuta mútua. Este projeto nos educou. É uma lei que pensa no país, feita para o país”, afirmou.

O texto em discussão tenta reintroduzir regras gerais de seguros dentro do novo Código Civil, o que, na prática, pode esvaziar a eficácia da nova lei, aprovada após 21 anos de tramitação. “A política é imprevisível. Neste governo, que sancionou a lei, o risco é pequeno. Mas, se houver troca de governo, não se pode descartar movimentos de revisão. Política é algo instável em nosso país”, comentou um dos participantes em condição de anonimato.

Para as seguradoras, o risco não é apenas jurídico, mas também financeiro: a adaptação à nova legislação exige investimentos milionários em sistemas, contratos e treinamento, que podem se tornar inúteis caso o Código Civil — em vigor desde 2002 e atualmente em processo de revisão, com a proposta de atualização de mais de 900 artigos e inclusão de 300 novos dispositivos — volte a prevalecer.

Apesar da celebração pelo teor da lei e pelo processo de aprovação, há no ar um tom de atenção. “A lei foi gestada por anos, submetida ao contraditório e ao teste parlamentar. Utiliza a linguagem jurídica com precisão e equilíbrio. É o oposto da proposta de seguros que hoje tenta alterar o Código Civil — redigida às pressas, em linguagem coloquial e sem o Brasil como pano de fundo”, afirmou Judith.

Recorrendo ao escritor português José Saramago, ela destacou a necessidade de garantir a efetividade da norma: “Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça.” Judith então comentou: “os sinos estão tocando. Comemoremos como devemos comemorar esta lei. Louvemos o esforço descomunal do IBDS desde 2001 para dar ao Brasil uma regulamentação voltada à realidade social e aos ditames constitucionais. Peço perdão pela disrupção ao comentar o risco do Código Civil. Os sinos existem. Eles soam. Ouçamos o som dos sinos. Comemoremos, mas não nos esqueçamos dos dotes que estão a soar”.

Nos bastidores, conversas com fontes que estavam na plateia — formada por advogados, magistrados, reguladores, executivos e acadêmicos — transmitiam a impressão de que a luta não terminou. A vitória legislativa foi conquistada, mas a batalha pela eficácia e pela sobrevivência política da nova lei está apenas começando. Há incômodo com o que virá da redação do novo Código Civil, relatado por Rodrigo Pacheco, que tem reiterado à imprensa que “o novo Código Civil será resultado de uma construção coletiva”.

Como presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional de 2021 até 2025, Pacheco teve papel decisivo na aprovação da Lei 15.040, garantindo sua unanimidade. Todos concordam que o apoio do governo Lula foi crucial. Caso haja mudança de governo nas eleições de 2026, há um pequeno risco quanto ao futuro tratamento do tema “seguro” no Código Civil — ainda sem prazo definido, mas certamente sujeito a um longo processo, semelhante ao percorrido pela lei proposta por Tzirulnik.

Outro ponto levantado durante o intervalo do almoço foi a judicialização. Há temor de que, com a entrada em vigor da lei, surjam disputas judiciais envolvendo pedidos de indenização relativos a contratos anteriores à validade da 15.040. Um cenário de desconfiança entre os players seria um contrassenso à própria essência do contrato de seguro — a boa-fé. Durante a Conseguro 2025, em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou que a nova lei de seguros só deverá ser aplicada a contratos celebrados após sua entrada em vigor.

“Foram 21 anos de luta sem trégua”, relembrou Tzirulnik. “Nesse período, o projeto foi examinado, debatido e aperfeiçoado com a colaboração de inúmeros juristas e profissionais do mercado, brasileiros e estrangeiros. Cabe-nos agora produzir doutrina responsável e construtiva, assim como estimular jurisprudência cuidadosa, ambas livres de atecnia e de subordinação a interesses econômicos — vícios que o IBDS tanto batalhou para corrigir durante o último quarto de século. O importante é que a lei e sua futura regulamentação infralegal melhorarão substancialmente as relações contratuais securitárias no país e conduzirão a um mercado maior e melhor protegido.”

Agenda

O evento também celebrou os 40 anos do escritório ETAD – Ernesto Tzirulnik Advocacia, reconhecido por seu apreço à cultura e pela sofisticação de suas iniciativas. Nesta edição, o projeto cultural “Ceará 202” foi apresentado em 16 de outubro, com show da banda Nave Mãe, legado do compositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal, falecido em setembro.

Na noite seguinte, 17 de outubro, haverá um coquetel no Teatro Cultura Artística, seguido de apresentação de Renato Braz, Andreas e Iohan Kisser, Toninho Ferragutti, Ulisses Rocha, Nelson Ayres, Salomão Soares, Hércules Gomes, Neymar Dias e João Camarero, curador musical da noite. O encerramento, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçará a dimensão institucional da aprovação da Lei 15.040, culminando em um show de Paulinho da Viola — artistas que, segundo a organização, “simbolizam um Brasil que, entre avanços e riscos, tenta equilibrar técnica, política e cultura na construção de seu futuro jurídico”.

https://www.sonhoseguro.com.br/2025/10/ibds-comemora-a-vitoria-da-lei-de-contrato-de-seguro-mas-acompanha-com-lupa-as-discussoes-da-revisao-do-codigo-civil/

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