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Governo reabre programa de repatriação de recursos
Governo reabre programa de repatriação de recursos
Desta vez, será possível também regularizar rendimentos não declarados no Brasil
Por Laura Ignacio — De São Paulo
Priscila Farisco: “A vedação que se referia a políticos e parentes não existe mais” — Foto: Divulgação
Pessoas físicas e empresas têm 90 dias para aderir ao novo programa de regularização tributária do governo federal. Publicada na terça-feira, a Lei nº 14.973 reabre o prazo para a adesão ao Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT-Geral). Dessa vez, além da repatriação de bens não declarados no exterior, será possível regularizar rendimentos não declarados no Brasil. Especialistas ainda entendem que políticos e parentes passam a poder aderir ao programa.
Na prática, a norma permite que esses recursos sejam regularizados com o pagamento de 15% de Imposto de Renda e 15% de multa. Em condições normais, no caso de pessoa física, o IR poderia chegar a 27,5% e a multa, após autuação, a 75%.
A primeira edição do RERCT aconteceu no ano de 2016 e gerou arrecadação de R$ 45 bilhões. No ano seguinte, houve uma segunda rodada, que arrecadou bem menos do que o esperado. Agora, a Receita Federal não informa quanto pretende receber por meio do programa mas, como ele está mais abrangente, o mercado o considera como mais um meio de o governo federal alcançar o déficit zero.
A nova legislação só especifica mudanças na data de corte dos recursos que podem ser abrangidos pelo RERCT. Agora é 31 de dezembro de 2023. Mas, segundo a Receita Federal, detalhes virão na regulamentação da legislação.
Segundo a especialista Thaís Françoso, do escritório FF Advogados, só depois que aderiram ao programa de repatriação muitos perceberam que deixaram alguns ativos de fora, mas não podiam fazer a retificação. “Outros optaram por não aderir em 2016 por uma incerteza com o que aconteceria de fato”, afirma. Havia temor, acrescenta, principalmente em relação a eventuais consequências na esfera penal.
Thaís explica que quem não tinha declarado ativos deverá pagar só os 15% de IR sobre o seu valor atualizado, até 31 dezembro de 2023, e a multa de 15%. E quem descobriu que declarou de forma incompleta no RERCT recolherá esses mesmos percentuais sobre o valor da complementação. “Nesse caso, porém, será somada uma multa moratória de 20%”, diz.
Para ficar 100% regular, a advogada afirma que rendimentos e frutos de ativos lá fora, de 31 de dezembro de 2023 até a data da adesão ao programa, poderão ser enquadrados pela denúncia espontânea. “Assim sobre esse valor específico incidirá apenas o IR e os juros Selic, sem multa”, diz.
Contudo, muitas das questões debatidas em 2016 e 2017 devem se repetir, segundo Thaís. Por exemplo, apesar da possibilidade de repatriação de ativos em nome de terceiros lá fora, desde que se comprove a relação entre os envolvidos, se houver transferência de titularidade, poderá haver cobrança de ITCMD pelos governos estaduais.
Além disso, pessoas físicas que, após regularizarem offshore no exterior pelo RERCT, pagarem até 22,5% de Imposto de Renda sobre o valor decorrente da extinção da sociedade, por considerar esse dinheiro como “ganho de capital”, serão autuadas. Segundo a Solução de Consulta da Coordenadoria-Geral de Tributação (Cosit) da Receita nº 678, o montante restituído é “rendimento”. Portanto, o IR é o da tabela progressiva de até 27,5%.
A advogada também aponta que continua a importância de se fazer um dossiê que comprove a licitude dos valores repatriados para o caso de uma eventual fiscalização. “O ônus da prova para demonstrar que a declaração do contribuinte é falsa é da Receita Federal, mas ele pode ser fiscalizado por cinco anos”, diz.
Sobre a adesão de políticos, funcionários públicos e os respectivos parentes, a advogada Priscila Farisco, do Viseu Advogados, aponta que a nova legislação faz remissão ao RERCT de 2016, mas se refere especificamente a alguns artigos, não inteiramente à Lei 13.254, “assim é possível interpretar que a vedação que se referia a políticos e parentes não existe mais”.
Para Priscila, o RERCT será útil especialmente para essas pessoas e para quem precisar complementar a repatriação. “O sistema não permitia a declaração de ativos no RERCT, por exemplo, por pessoas em processo de malha fina, quando o programa foi aberto pela primeira vez”, afirma.
Outro ativo que poderá ser declarado agora, diz Priscila, são criptomoedas. “A transferência para exchange no exterior não pede declaração dos ativos no país da pessoa física”, afirma ela, acrescentando que, em relação a outros ativos, isso mudou. “Bancos e fiduciários passaram a exigir a declaração de ativos no país de origem”, afirma. Segundo ela, isso acontece porque vários países celebraram acordos de troca de informações, especialmente para evitar a entrada de dinheiro de tráfico ou terrorismo, após a tragédia de 11 de setembro.
Já Caio Morato, advogado tributarista do Rayes & Fagundes Advogados Associados, destaca a possibilidade de regularização de rendimentos resultantes de operações realizadas no Brasil, como empréstimos com juros, venda de imóveis, de embarcações ou aeronaves e aquisição de cotas de fundos de investimento, sem declaração à Receita Federal. “O RERCT permite que a pessoa física recolha o IR sobre esses rendimentos com alíquota de 15% mais multa de 15%, em vez de alíquota de 27,5% de IR mais 75% de multa, no caso de autuação”, diz.
O ideal, afirma Morato, é já começar a passar um pente fino nas operações, calcular o IR e a multa e reservar o dinheiro, mas esperar a regulamentação da Receita, “ o que deve ser publicado logo porque o prazo para adesão ao programa está correndo desde a publicação da lei”.
Uma grande preocupação dos contribuintes em relação ao RERCT, em 2016, eram os reflexos penais. Era a primeira vez que o Brasil aceitava a ideia de regularização isentando as pessoas de possíveis crimes que dissessem respeito a omissão de valores, evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. “Isso aconteceu porque a lei anterior nasceu em um momento em que diversos Estados, logo após a crise econômica de 2007, acabaram aceitando o processo de transparência fiscal internacional para se saber onde cada nação tinha nacionais com dinheiro”, diz Renato Silveira, advogado e professor de direito penal da USP.
Segundo Silveira, a nova lei estabelece um novo regime de regularização tributária com o benefício da anistia criminal. Contudo, agora, sem as travas que existiam antes, como a limitação a políticos ou funcionários públicos. “Tem uma certa lógica a dispensa dessas travas porque hoje existe uma preocupação fundamental arrecadatória”, afirma. “O que não impede que isso seja questionado por algum órgão”, acrescenta.
De acordo com o professor, se não houver provas de que o dinheiro é de origem ilícita, políticos e servidores públicos poderão agora aproveitar o RERCT. Porém, para ele, o cuidado da fiscalização deverá ser redobrado. “Por parte dos contribuintes, uma avaliação tributária-criminal daria maior garantia para a regularidade do que é declarado.”