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Governo não pode usar IOF como ferramenta para aumentar arrecadação, dizem tributaristas
Por Leonardo Grané
O aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) anunciado pelo Ministério da Fazenda na semana passada causou um incômodo no mercado, sobretudo a elevação do imposto sobre o crédito, que poderá aumentar o custo e o acesso a financiamentos por parte das empresas.
Advogados tributaristas ouvidos pelo Monitor do Mercado estão receosos. Em geral, eles criticam o fato do governo estar usando um imposto meramente regulatório para fins arrecadatórios.
Além disso, também falam sobre o caráter regressivo da medida, que vai pesar mais sobre as empresas menores, do Simples. No entender dos especialistas, isso pode provocar distorções problemáticas no mercado.
Richard Dotoli, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados, afirma que o aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pode acabar sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), tanto de forma direta quanto indireta.
Segundo ele, o STF costuma, na maioria das vezes, dar razão ao governo quando o assunto é IOF. Isso já aconteceu em casos anteriores, como no aumento promovido durante o governo Collor e em decisões sobre a cobrança do imposto em empréstimos entre pessoas ou empresas que não são bancos. “A tendência é o STF aceitar a decisão do Executivo, mesmo que existam argumentos contrários, dos contribuintes”, conta Dotoli.
O advogado, no entanto, chama atenção para um ponto que ainda é pouco debatido na Corte: o chamado princípio da efetividade econômica e jurídica. Em resumo, esse princípio questiona se uma lei realmente funciona na prática e se tem uma justificativa clara — principalmente quando o assunto é imposto.
Finalidade do IOF: regulação ou arrecadação?
Dotoli vê um problema no caso do IOF, que é um imposto com função principalmente regulatória (ou seja, para controlar e orientar o mercado financeiro): o governo estaria usando esse imposto com foco apenas em arrecadar mais dinheiro, o que desvirtua sua finalidade original.
“Quando olhamos para o aumento recente, não parece haver uma relação clara entre o que o governo diz querer regular e o aumento do imposto. Isso fere a ideia de efetividade econômica e jurídica do tributo”, completa.
De acordo com Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, o IOF deveria servir apenas para regular a economia — ou seja, para controlar o crédito, o câmbio ou a inflação — e não como uma forma de arrecadar mais dinheiro.
O governo prevê arrecadar R$ 61,5 bilhões com o IOF em dois anos. E para Soares, isso vai contra os princípios da reforma tributária, que promete simplificar os impostos, reduzir distorções e aliviar o peso dos tributos, principalmente para quem produz.
“Enquanto a reforma fala em progressividade e justiça tributária, o aumento do IOF vai na direção contrária, porque aumenta o custo de produzir no Brasil”, explica.
Especialista questiona a legalidade da mudança
O advogado Arthur Mendes Lobo, especialista em Direito Tributário, afirma que a justificativa do governo é aumentar a arrecadação para atingir as metas fiscais. Mas, segundo ele, essa medida levanta dúvidas sobre a legalidade da decisão.
Isso porque o IOF é um imposto que pode ser alterado diretamente pelo presidente da República, sem precisar passar pelo Congresso, conforme está previsto na Constituição. No entanto, essa possibilidade existe com uma condição: o IOF deve ser usado apenas como uma ferramenta de política econômica.
Para Lobo, usar o IOF apenas como forma de arrecadar dinheiro fere regras importantes da Constituição, como a legalidade dos tributos, a moralidade no uso do dinheiro público e o princípio da proporcionalidade — que diz que o imposto precisa fazer sentido com a finalidade que ele se propõe a cumprir.
Na prática, essa decisão pode trazer consequências negativas para a economia, segundo o advogado:
- Crédito mais caro;
- Desestímulo aos investimentos;
- Empresas menos competitivas.
Ele conclui que o país precisa de regras claras, segurança jurídica e estímulos à produção. “Impostos devem servir para desenvolver o país, não para cobrir improvisos”, afirma.
Impactos do IOF sobre pequenas e médias empresas
Soares também alerta que o impacto do aumento será mais sentido por pequenas e médias empresas, especialmente aquelas que estão no regime do Simples Nacional.
Mesmo com os microempreendedores individuais (MEIs) ficando de fora da alta, e com algum alívio para quem está no Simples, o aumento ainda representa um peso a mais. “Essas empresas já enfrentam dificuldades com o alto custo do crédito e a concorrência com a informalidade”, destaca.
Para ele, não dá para falar em modernização do sistema tributário enquanto o governo continua aumentando impostos de forma pontual e pouco transparente.
“Esse aumento do IOF reforça uma velha lógica de arrecadar mais, escondida atrás de conceitos como neutralidade e igualdade fiscal — que, na prática, não se confirmam”, conclui.
Incertezas sobre quais operações serão afetadas
Outro ponto levantado é a dúvida sobre quais operações serão afetadas. Empréstimos com valor fixo, fechados no passado, não devem ser atingidos. Mas nos empréstimos parcelados, há incerteza.
Um julgamento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicou que as novas parcelas desses empréstimos podem sofrer com o aumento do imposto.
Dotoli critica a falta de transparência do governo ao justificar o aumento, dizendo que falaram “muito em justiça fiscal e em corrigir distorções”, mas não explicaram qual será o impacto real nos setores afetados.
“Por exemplo, o agronegócio: muitas cooperativas que ajudam a financiar o setor serão atingidas pelo aumento. Quais os efeitos o governo espera nesse caso?”, questiona.