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Governo Lula: esperança de democratização do seguro?
Vitor Boaventura, Advogado, Mestre em Regulação pela London School of Economics and Political Science (Reino Unido), sócio de ETAD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD)
No Brasil, o ano é 2023. Vitoriosa a democracia após a escolha soberana do povo brasileiro. Embora o presidente eleito Lula não tenha ainda subido a rampa do Planalto, todas as atenções se voltam ao que será o seu futuro governo, suas políticas econômicas e sociais.
No setor de seguros e resseguros abre-se uma janela de esperança de democratização, sobretudo na supervisão da atividade seguradora. A compreensão do significado da esperança, como bem lembrou Lula em seu pronunciamento à COP 27, no Egito, nesta quarta-feira (16/11), ecoa a lição de Paulo Freire segundo a qual mais que substantivo, a esperança melhor se expressa quando, mais do que esperar pelo bom porvir, o realizamos na prática. Daí a sua proposta por esperançar o futuro, por meio da ação política.
O que se espera do futuro governo para o setor de seguros não pode ser menos do que um choque de democracia. Desde a regulação econômica do seguro, passando pela revisão dos canais de distribuição e, sobretudo, o processo de construção das normas que regulam a atividade seguradora, há muito a ser feito. Outro aspecto fundamental é ampliar a transparência, forjar uma nova ética corporativa, que efetivamente abrace a pauta da representatividade, da inclusão, e seja capaz de articular os objetivos financeiros, muitas vezes de curto prazo, com objetivos de longo prazo e perenes, como a preservação ambiental.
Apesar dos dados demográficos sobre o setor de seguros e resseguros no Brasil serem incipientes, basta ver algumas fotos de eventos do setor para se verificar a baixa participação de negros mulheres, maiorias sub-representadas, e de minorias.
Na regulação da atividade seguradora são também grandes os desafios do novo governo. Na sua primeira gestão, Lula conduziu a quebra do monopólio do resseguro e a liberalização do mercado ressegurador. No entanto, não dedicou a mesma atenção à revisão dos procedimentos de tomada de decisão e construção normativa pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). É chegado o momento de discutir não a independência da autarquia – uma armadilha para a sua definitiva captura regulatória pelo mercado – mas, sobretudo, avaliar criticamente a sua função institucional, os seus processos, e a projetar-lhe um futuro compatível com o horizonte programático da Constituição Cidadã e os anseios do povo brasileiro manifestados na sua escolha nas urnas quando do exercício da cidadania.
A Susep terá que assimilar a necessidade de democratizar o setor de seguros no Brasil, e isto significa que a supervisão da atividade seguradora não se bastará mais com o equilíbrio macroprudencial. Será necessário fomentar uma nova ética no setor de seguros, comprometida com o desenvolvimento econômico e social, com o combate às desigualdades. A inclusão de novos consumidores ao mercado de seguros, oferecendo-lhes produtos adequados às suas necessidades e com o preço justo será outro desafio a ser enfrentado.
O comprometimento do presidente Lula com a agenda de adaptação e mitigação à crise climática coloca o seguro no centro do debate. O seguro pode contribuir e muito para essa agenda, sendo uma eficiente ferramenta de política disponível para incentivar a governança climática de empresas, entes públicos e indivíduos.
Por esses motivos, a regulação econômica do setor terá que acrescentar novas funções àquelas já existentes da manutenção da solvência, do equilíbrio do sistema financeiro, da proteção dos direitos dos consumidores e consumidoras. Será necessário que se pensem programas de inclusão e formação de profissionais mais amplos, o levantamento de dados demográficos confiáveis sobre o setor, além da supervisão de aspectos da operação do seguro antes não verificados em detalhe (verificação de critérios ambientais da política de subscrição de riscos, monitoramento e acompanhamento do risco pelo segurador durante a execução do contrato, e dados sobre os investimentos institucionais).
A revisão dos canais de distribuição de seguros é outra seara relevante e imprescindível para a realização do objetivo de democratizar o acesso aos produtos de seguros no país. Experiências regulatórias como a sandbox devem ser submetidas a um processo de avaliação pós-implementação, e novas formas de acesso ao mercado, assim como a formatação de novos produtos devem estar na pauta.
A opacidade da Susep na construção normativa, considerada por este escriba autoritária, é um dos aspectos mais sensíveis para a democratização do setor de seguros no país. Nesse momento de redemocratização, não há mais espaço para que decisões relevantes de política de seguros, inclusive aquelas relacionadas com a gestão dos seguros obrigatórios (como o DPVAT), sejam tomadas de maneira obscura, arbitrária, e sob a suspeita de estarem a ser tomadas com desvio de finalidade. É preciso que a Susep assuma primeiramente para si a agenda da democratização para, então, ser capaz de institucionalmente estabelecer uma nova ética para o setor de seguros.
Nessa toada, será necessário reafirmar o princípio da transparência, e aplicá-lo firmemente. Garantir a revelação e a acessibilidade e inteligibilidade dos dados sobre as remunerações dos executivos das empresas, inclusive o pagamento de bônus e demais benefícios, deve ser a regra pétrea. Sim, salários astronômicos e remunerações obscenas pagas em tempos de profunda crise social e econômica deverão estar sujeitas ao escrutínio público. É o que se espera de uma república democrática e constitucional de respeito como a brasileira.
No âmbito dessa articulação da regulação financeira com a regulação ambiental e a defesa do direito dos consumidores, é de se pensar uma aproximação com a abordagem e os preceitos da regulação sobre os serviços públicos essenciais. O olhar da Susep com relação aos consumidores poderia aprimorar-se para que sejam considerados pela Superintendência não como consumidores, mas enquanto usuários de um sistema essencial de cobertura de riscos e socialização de perdas. Não há mais tempo para aguardar novos ventos de esperança. A hora é de esperançar!