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Fora do país, Ramagem apresentou à Câmara notas em postos de gasolina no Rio no mesmo horário de votações

27 de novembro, 2025

Pedidos de reembolso sugerem que verba parlamentar foi utilizada por terceiros para abastecimento de veículos, o que é proibido pelo regimento

Por Bernardo Mello
— Rio de Janeiro

Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Mesmo após ter fugido do país em setembro, de acordo com investigação da Polícia Federal, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) pediu reembolso à Câmara dos Deputados de gastos em postos de gasolina no Rio. Em ao menos três ocasiões, os abastecimentos ocorreram no horário em que Ramagem participava, de forma remota, de votações na Câmara. Os registros sugerem que as despesas, embora feitas em nome de Ramagem, foram praticadas por terceiros, o que não é permitido pelo regimento da Casa.

A Câmara autoriza o reembolso de algumas despesas realizadas por assessores, como passagens aéreas e hospedagens, mas o uso de combustível só pode ser ressarcido quando ocorre pelo próprio deputado. Desde a data em que a PF afirma que Ramagem já não estava mais no país, o deputado solicitou reembolso de R$ 4,7 mil em abastecimento no Rio, segundo dados atualizados pela Câmara até o início de novembro.

Levantamento do GLOBO identificou notas emitidas em setembro e outubro, todas no CPF de Ramagem, enquanto ocorriam votações como a da PEC da Blindagem. Segundo a colunista Malu Gaspar, investigação da PF aponta que Ramagem deixou o Brasil entre os dias 9 e 10 de setembro, uma semana antes desta votação.

Na ocasião, em sessão que se estendeu até o fim da noite do dia 16, a Câmara aprovou uma proposta que buscava dificultar a abertura de investigações contra parlamentares, com voto favorável de Ramagem. O deputado já havia votado, entre 16h29 e 18h13, contra dois requerimentos apresentados pela bancada do PSOL com o objetivo de retirar a PEC de pauta.

Nesse meio-tempo, às 17h, houve um registro de abastecimento em posto na Barra da Tijuca, Zona Sudoeste do Rio, com nota fiscal em nome de Ramagem. A nota, apresentada à Câmara, pedia o reembolso de R$ 250 em gasolina comum.

Nota de abastecimento apresentada por Ramagem, com seu CPF, aponta abastecimento em posto de gasolina no Rio durante votação da PEC da Blindagem — Foto: Reprodução

Nota de abastecimento apresentada por Ramagem, com seu CPF, aponta abastecimento em posto de gasolina no Rio durante votação da PEC da Blindagem — Foto: Reprodução

Dois dias depois, em entrevista à rádio Auriverde – e já fora do Brasil, segundo a investigação da PF –, Ramagem admitiu que a PEC poderia “proteger” parlamentares do Centrão de “questões que estão acontecendo”, mas argumentou que “da mesma forma vai proteger a direita que está sendo acusada por crime de opinião”.

Em outubro, o deputado voltou a registrar despesas em seu nome enquanto votava na Câmara. No dia 14, ele apoiou emenda apresentada pela colega de partido, Chris Tonietto (PL-RJ), a um projeto sobre medidas para a primeira infância, para incluir uma menção de que a vida começa “desde a gestação”.

A emenda, uma tentativa simbólica de ampliar restrições ao direito ao aborto legal, foi aprovada com voto de Ramagem entre 20h45 e 21h, segundo os registros da Câmara. Às 20h35, o deputado registrou um abastecimento em posto de gasolina no Recreio dos Bandeirantes, no Rio.

Já no dia 22 de outubro, Ramagem registrou voto favorável a um requerimento para a criação da “bancada cristã” na Câmara. A votação ocorreu entre 18h20 e 18h32. Posteriormente, o deputado pediu reembolso à Câmara de um abastecimento na Barra da Tijuca, às 18h daquele dia, de acordo com a nota fiscal.

– Havendo indício de que o combustível não foi usado pelo próprio parlamentar ou para fins privados, a Câmara pode glosar o gasto e não efetuar o reembolso. Caso já tenha sido pago, é possível exigir devolução e, em casos mais graves, encaminhar os fatos à Corregedoria e ao Conselho de Ética – explicou a advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP.

Procurado, o gabinete de Ramagem não retornou os contatos do GLOBO.

O deputado vinha participando remotamente de sessões e votações desde o dia 9 de setembro, quando apresentou atestados médicos à Câmara. A Mesa Diretora informou, porém, que ele não pediu autorização para exercer o mandato fora do país. Nesta terça-feira, ao apontar o trânsito em julgado – isto é, quando não cabem mais recursos – da condenação de Ramagem na trama golpista, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a perda de mandato do deputado.

Os últimos registros de Ramagem em Brasília ocorreram no dia 9 de setembro, data em que apresentou os atestados à Câmara. Naquele dia, ele participou da sessão de instalação da comissão especial que analisa a PEC da Segurança Pública, proposta pelo governo Lula. Ramagem discursou que a Câmara iria “ter muito trabalho” para modificar o texto, e acusou o governo federal de querer “concentrar poderes em si próprio”.

– Segurança não é responsabilidade de um único ente. Ainda mais um governo federal que tem tanta agenda de benevolência com o crime e com criminosos – disse Ramagem.

No mesmo dia, Ramagem apresentou à Câmara um pedido de reembolso de abastecimento em um posto de gasolina em Brasília. Foi a última despesa desse tipo registrada por Ramagem na capital federal.

O gabinete de Ramagem também registrou, em outubro, o aluguel de um Toyota Corolla blindado, com verba parlamentar. O aluguel custou R$ 4,9 mil ao gabinete naquele mês. O veículo, alugado em uma empresa que fica na Barra da Tijuca, no Rio, ficou à disposição de Ramagem entre os dias 7 e 20 de outubro, embora o deputado já tivesse deixado o país nesse período.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/11/27/fora-do-pais-ramagem-apresentou-a-camara-notas-em-postos-de-gasolina-no-rio-no-mesmo-horario-de-votacoes.ghtml

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