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Entenda o PLP 12/2024 que cria categoria para motoristas de apps
Por Bruno De Blasi | Editado por Douglas Ciriaco
Após o vazamento do projeto de lei complementar, o Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional o PLP 12/2024 nesta terça-feira (5). A pauta trata da regulamentação da atividade de motoristas da Uber, 99 e outros aplicativos, com proposta de remuneração com base no salário mínimo e recolhimento da contribuição ao INSS. O Canaltech conversou com especialistas representantes das empresas do setor e dos motoristas para criar explicar tudo sobre o tema que pode virar lei.
Como funciona a regulamentação dos motoristas de app
O PLP 12/2024 atende apenas o trabalho de motoristas de aplicativos que trabalham com carros, e não motos e demais veículos de duas rodas. Com a proposta, o governo inaugurou uma nova categoria, conhecida como “trabalhador autônomo por plataforma”, conforme foi antecipado na semana passada.
Qual vai ser a remuneração dos motoristas?
Segundo a proposta, os profissionais não contam com vínculo empregatício com as empresas e também não têm acordos de exclusividade. Todavia, algumas salvaguardas devem ser garantidas no trabalho, como a remuneração mínima fixada no salário mínimo (R$ 1.412, atualmente).
Os motoristas ainda vão receber R$ 32,90 por hora, sendo que esse valor é repartido em R$ 8,03 pelo serviço prestado e R$ 24,07 para cobrir os custos da operação (gasolina, celular, entre outros).
Apesar da ausência de vínculo empregatício, o trabalho será realizado nas bases da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), com uma jornada de 8 horas e limite de 12 horas por dia. Esses termos, porém, não impedem as empresas de oferecer outros benefícios por conta própria.
Os motoristas vão contribuir com a previdência social?
Sim. Haverá contribuição do INSS sobre a remuneração, sendo que a arrecadação será de 7,5% por parte do motorista. Esse percentual, portanto, será recolhido a partir da renda bruta que do profissional e repassado à previdência pela empresa.
Os responsáveis pelos aplicativos também vão contribuir para o INSS em cima do rendimento do motorista, dessa vez com um percentual maior, de 20%.
Haverá limite de trabalho?
Sim. O governo federal propôs um limite diário de 12 horas de conexão à plataforma por dia. Essa medida, de acordo com o projeto de lei complementar, tem como objetivo garantir a segurança e saúde do trabalhador.
Os profissionais também contam com a garantia dos direitos previdenciários, considerados na proposta como “essenciais” para assegurar a proteção social e o bem-estar dos trabalhadores ao longo de suas vidas.
A regulamentação já está valendo?
Não. A minuta já se encontra nas mãos do Poder Legislativo para apreciação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado — ou seja, as determinações podem ser alteradas ao longo das discussões. Esse processo vai levar algumas semanas para ser analisado e finalizado pelos deputados federais e senadores.
Ao encerrar essa etapa, o projeto será votado nas duas casas. Em caso de aprovação em todas as partes, a medida passará a valer em 90 dias.
Projeto de lei complementar será apreciado na Câmara dos Deputados e no Senado (Imagem: Reprodução/Governo do Distrito Federal)
O que dizem os motoristas?
A apresentação da proposta de regulamentação do governo suscitou críticas de muitos brasileiros. Em uma enquete no site da Câmara dos Deputados, 95% dos quase 19 mil participantes afirmaram que “discordam totalmente” do projeto de lei até a tarde desta quarta-feira (6).
Nos comentários, muitos levantaram pontos negativos do projeto, em geral com queixas sobre a “perda de liberdade”, críticas à taxação da previdência social (INSS) e o desbalanceamento dos valores em relação aos custos da operação.
“Como não bastasse lutar com a IA do algoritmo do app todo dia, ainda teremos que lutar contra leis burocráticas que favorecem nitidamente a Uber do que os motoristas. Queremos ter voz pelos absurdos que a empresa faz com os motoristas há anos e não ficar mais ainda à mercê dela”, apontou o cidadão identifiado como Jeferson Silva Sousa nos comentários da enquete.
“O que nós precisamos são corridas mínimas com valor de R$ 10 a R$ 15, pois as tarifas estão defasadas há oito anos! O quilômetro pago tem de ser de, no mínimo, R$ 2. Tínhamos que ter desconto na compra do nosso carro assim como os taxistas têm”, observou o comentador Helcius Leonardi Medeiros dos Santos. “Isso é o mínimo pra começar!”
Brasileiros se queixam de projeto de lei que regulamenta a atividade de motoristas de apps (Imagem: Reprodução/Câmara dos Deputados)
“Catastrófica”, diz presidente da AMASP
O presidente da AMASP (Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo), Eduardo Lima de Souza, mais conhecido pela classe como Duda, taxou a regulamentação como “catastrófica”. Ao Canaltech, o representante afirmou que a proposta “joga o motorista de aplicativo nas mãos de sindicatos, nas mãos de empresa, na mão do governo e tira a autonomia do motorista”.
O profissional elencou os pontos negativos do projeto de lei. É o caso da previdência social, cuja flexibilidade para definir o recolhimento teria sido deixada de lado por um sistema único. Neste caso, o presidente da associação observa que o melhor caminho para a contribuição do INSS é o registro como microempreendedor individual (MEI). “Nós temos um CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas] específico para motoristas e aplicativos.”
Duda também chama a atenção para o fato de que há motoristas com emprego como CLT que utilizam as plataformas em paralelo. “Eles já são CLT e vão ter que contribuir esse valor absurdo em relação ao que o governo impôs, mais o que ele já paga no seu [outro] trabalho”, apontou.
Outra crítica destacada é a contribuição de 20% que será realizada pelas empresas, que pode recair sobre os motoristas através das taxas. Além disso, o representante chama a atenção para a remuneração de R$ 32,90, baixa em relação aos custos da operação.
“A contabilidade do governo e sindicatos é que o motorista vai ter uns R$ 5.600 no seu bolso em relação a esses R$ 32,90. Só para manter um veículo em operação durante 26 dias é preciso R$ 8.300”, exemplificou. Para ele, o projeto também dá “plenos poderes para as empresas pintar e bordar” em relação aos valores das corridas.
O que diz a representante das empresas?
O Canaltech também procurou a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), representante das empresas do setor, incluindo Uber e 99. Em nota enviada ao Canaltech, o grupo destacou que a proposta garante segurança jurídica para o investimento de empresas no Brasil.
As demais vantagens, segundo a entidade, giram em torno dos benefícios aos trabalhadores, como a inclusão no sistema previdenciário, a definição de ganhos mínimos e as regras de transparência.
“A inclusão dos trabalhadores na Previdência Social, que foi proposta pelas empresas associadas à Amobitec em abril de 2022 por intermédio da nossa Carta de Princípios, representa um avanço social que vai impactar 1,2 milhão de motoristas que hoje usam as plataformas digitais como intermediadoras para a prestação de serviços para seus clientes”, comenta a associação.
Os representantes do setor ainda pontuaram que a proposta “contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais” e se colocaram à disposição para auxiliar deputados e senadores para manter o diálogo durante a tramitação do projeto de lei.
“A Amobitec reafirma ainda seu compromisso de continuar participando da construção de uma nova regulamentação também para o setor de entregas, respeitando o equilíbrio entre as demandas dos trabalhadores, consumidores, governo e empresas”, conclui o comunicado.
O que diz o especialista?
Ao Canaltech, a advogada da área trabalhista da Viseu Advogados, Emylle Santana, observou que o projeto reafirma que os motoristas não são empregados, mas sim trabalhadores autônomos. Além disso, ela lembra algumas decisões do judiciário trabalhista que reconheceu os direitos dos profissionais.
“Existe no judiciário trabalhista decisões reiteradas de caráter ideológico que reconhecia o vínculo de emprego dos trabalhadores autônomos com as plataformas tecnológicas, mesmo sem a presença dos requisitos do vínculo de emprego, previstos no artigo 3º da CLT e o projeto de lei encerrará essa discussão”, explicou.
Para a advogada, os maiores destaques do projeto se encontram na obrigatoriedade da contribuição ao INSS e no reconhecimento de um valor mínimo para os serviços prestados. O projeto também traz um grande diferencial protetivo à saúde dos profissionais devido à jornada diária de até 12 horas e o reembolso das despesas.
“Ainda, os trabalhadores de aplicativo serão representados por entidade sindical da categoria profissional e a referida entidade poderá futuramente assinar acordos e convenções coletivas, prevendo inclusive outros direitos não especificados na lei”, concluiu.
(Foto: Imagem de freepik)