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Emprego de meios de pagamento se espalha por transporte público
Cartões de débito e crédito e até Pix por aproximação são cada vez mais utilizados para pagar passagem em ônibus, trens e barcas
Por Gabriel Shinohara e Rafael Bitencourt — De Brasília
Quem entrar em um ônibus de Maceió vai conseguir pagar sua passagem com cartões bancários, com o cartão de transporte e por aplicativo, mas não com dinheiro em espécie. Em busca de evitar riscos para a segurança pública e aumentar as possibilidades para a população, a capital de Alagoas passou a possibilitar o pagamento com cartões de banco e excluir o dinheiro dos ônibus em 2021.
Maceió é uma das 19 cidades que já aceitam cartões de crédito e débito em suas catracas, uma tendência no setor nos últimos anos, como mostra levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). O avanço se dá em sistemas de metrô, ônibus e em barcas e pode ser ampliado até ao Pix por aproximação no futuro. Mas há ainda obstáculos que precisam ser superados para evitar, por exemplo, que a população mais pobre seja prejudicada. Outra preocupação é mitigar o risco de fraudes.
O primeiro local foi o Rio de Janeiro, que adotou o meio de pagamento no metrô em 2019 e nas barcas em 2024. Jundiaí (SP) passou a adotar em 2020, Maceió e Rio Grande (RS) em 2021 e outras quatro cidades no ano seguinte, entre elas Brasília. Em 2023 foram mais cinco, como São Paulo e Belo Horizonte. Já neste ano, a tendência se expandiu para mais seis cidades, como Santo André (SP), Foz do Iguaçu (PR) e Angra dos Reis (RJ).
“A experiência é melhor quando o cliente pode pagar com cartão bancário”
— Mareska Tiveron
O diretor de Gestão da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho, vê essa ampliação dos meios de pagamento como uma tendência natural. “Estamos no caminho certo da evolução tecnológica, da incorporação do maior número de alternativas para os meios de pagamento”.
No entanto, a modernização enfrenta alguns desafios como o investimento necessário para atualizar os sistemas de bilhetagem, o risco de fraudes e a adaptação da população para, em alguns casos, realizar o pagamento 100% digital.
O Distrito Federal aceita cartões bancários no metrô desde 2022 e está em meio ao processo de eliminar o dinheiro dos ônibus. Mas a transição para o pagamento digital, com aceitação de cartões de débito e crédito nos ônibus teve alguns percalços inclusive na Justiça.
A seccional do DF da Ordem dos Advogados do Brasil entrou com uma ação argumentando que a decisão poderia dificultar o acesso da população ao transporte público ao impossibilitar o pagamento com dinheiro. A desembargadora federal Ana Carolina Roman manteve a retirada do dinheiro nas 52 linhas que já estavam implantadas, mas condicionou a ampliação à implementação da solução de pagamento avulsa, que permitiria que pessoas sem o cartão de transporte ou bancário pagassem a tarifa com dinheiro.
O secretário de transporte e mobilidade do DF, Zeno Gonçalves, entende que a decisão ajudou a aperfeiçoar o programa. “O avulso é QR Code. Ele vai nos postos tanto do BRB [Banco de Brasília], quanto nas estações do metrô, quanto nessas credenciadas, paga e emite um bilhetinho e ele vai ter acesso ao validador [do ônibus] com aquele QR Code”, explica.
O objetivo é ampliar o uso de outros meios de pagamento, como o cartão mobilidade, e retirar o dinheiro até chegar a 100% do sistema aceitando crédito, débito, cartão mobilidade e bilhete avulso “criando mecanismos para excepcionalizar pagamento em espécie fora do ônibus”, diz.
Julio Ramos, coordenador da Comissão Especial de Transportes da Abecs, vê espaço de crescimento do mercado principalmente em grandes centros. Ele explica que, apesar do tíquete médio baixo das operações, o mercado é interessante. “Se a pessoa tiver mais uma opção segura e conveniente para pagar essas transações, ela tende a usar mais o cartão dela. O cartão dela se torna um cartão de principalidade maior”, diz.
Mareska Tiveron, sócia da área de bancário, fintechs e tecnologia do Viseu Advogados, avalia que há “enorme potencial” de crescimento do uso de cartão de crédito nesse setor. “A experiência do cliente passageiro é muito melhor quando ele pode pagar a passagem do ônibus também com o próprio cartão bancário que ele já tem e que usa para outras tantas compras no seu dia a dia.”
O uso do cartão bancário tem alguns riscos, como o chamado “online diferido”. O validador nos ônibus pode não estar conectado 100% do tempo, então a catraca libera a passagem mesmo antes de o sistema checar se há limite no crédito ou saldo na conta, para privilegiar a rapidez necessária no momento do embarque.
Nesse meio tempo, passageiros podem acabar passando sem pagar. Ramos, da Abecs, explica que nesses casos o cartão utilizado entre em uma lista restritiva e não poderá ser usado novamente em outro ônibus. Além disso, ressalta que há maneiras de contornar a situação, como implementar os “guidelines” das bandeiras corretamente e colocando algum controle sobre o uso de cartões virtuais, por exemplo.
Outro meio de pagamento que pode virar uma possibilidade no futuro é o Pix por aproximação. A modalidade deve funcionar por meio das carteiras digitais a partir de fevereiro de 2025. Procurado, o Banco Central (BC) disse que as empresas de transporte público podem procurar participantes do Pix para desenvolver soluções e que cabe ao BC disponibilizar a infraestrutura do Pix, “como já o faz”.
Bicalho ressalta que há atualmente alguns desafios para implementar o Pix, como a necessidade de conexão à internet e a realidade de um processo de pagamento mais demorado na catraca, que exige acesso ao aplicativo do banco e leitura do código. Com o Pix por aproximação “vai solucionar essa questão da velocidade da operação, principalmente nos horários de maior demanda”.
Em Maceió, o pagamento com Pix não funciona diretamente na catraca, mas está disponível para recarregar a carteira digital que pode ser utilizada nos ônibus. Sobre o Pix por aproximação, André Costa, do departamento de transportes, disse que é necessário estudar a segurança do sistema e que sempre acompanha novas possibilidades. “É comodidade para o usuário. Ele passa a utilizar uma forma de pagamento no seu dia a dia, por que não usar também para pagar o transporte?”