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Eleições 2024: como figurinhas de WhatsApp e fake news complicam o direito de resposta
Justiça já recebeu cerca de 50 pedidos de direito de resposta – mais de 60% deles são casos que envolvem redes sociais
Carolina Unzelte
Entre os cerca de 44 mil habitantes da cidade de Itararé (SP), uma nova figurinha de Whatsapp começou a circular em julho: uma imagem de Fernando Henrique da Silva (PL-SP), candidato à prefeitura, vinha acompanhada da frase “odeio viado”. No Instagram e no Facebook, onde soma cerca de 50 mil seguidores, o político postou um vídeo em que acusava seu adversário, João Jorge Fadel Filho (PP-SP), de estar por trás do infame sticker.
“E quero deixar aqui ó, sobre figurinhas, ‘odeio viado’, que o Alemão, fotógrafo, coordenador de campanha do pré-candidato João Fadel, tá soltando por aí. Além de ser um crime, né? […] não vamos entrar num caso, vamos entrar na situação a qual você, Alemão, infelizmente foi infeliz de fazer isso aí. Estou indo agora, né, para lavrar um boletim de ocorrência para você responder por esse crime que você fez com essa figurinha espalhando no Whatsapp para todos”, dizia nas redes.
Mas, no final, quem entrou na Justiça e pediu direito de resposta às falas de Silva foi Fadel. Sua petição inicial foi indeferida na primeira instância – quando o juiz Jocimar Dal Chiavon apontou inépcia no documento, uma vez que ele não vinha acompanhado do texto de resposta pretendido por Fadel. No Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, a ação foi julgada improcedente em 26 de agosto, mas a juíza Maria Cláudia Bedotti refutou a ideia de Chiavon: “certo é que não se divisa a inépcia da petição inicial pelo fato de a exordial não ter vindo acompanhada do texto do pretendido direito de resposta. Isso porque a necessidade de que o pedido venha instruído com o texto da resposta restringe-se à hipótese em que a ofensa é veiculada em órgão da imprensa escrita, inexistindo previsão legal nesse sentido em relação a conteúdos divulgados na internet, como é o caso dos autos”.
Caso Fadel tivesse tido sucesso, como deveria ser sua réplica a Silva? E caso fosse Silva quem conseguisse o direito de resposta pelo caso da figurinha – sua resposta seria outro sticker? Como saber o alcance que a imagem teve no Whatsapp, para fazer com que o mesmo público tivesse acesso ao que Silva tem a dizer?
Apesar de ter incorporado previsões sobre o direito de resposta eleitoral na internet em 2009 e em 2017, a legislação brasileira é desafiada pelas nuances dos meios de comunicação digital e pela persistente polarização política, que incentiva discursos cada vez mais agressivos. Até a última quarta-feira (11/9), a Justiça Eleitoral havia recebido 52 pedidos de direito de resposta – 33 deles são casos que envolvem redes sociais, segundo levantamento do JOTA.
O direito de resposta é assegurado “a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”, de acordo com a Lei 9504, de 1997. “Um processo judicial de pedido de direito de resposta não tem uma fórmula matemática”, diz Alexandre Rollo, professor da pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP. “Tudo depende do caso concreto, e todo e qualquer direito de resposta leva também em consideração a liberdade de expressão, considerando que afirmações mais agudas, ásperas, fazem parte das regras do jogo da disputa eleitoral”.
A legislação também estabelece uma série de regras para garantir que a resposta tenha as mesmas características de tempo ou tamanho da ofensa, além de ser veiculada nas mesmas plataformas para atingir, teoricamente, o mesmo público que a afronta. Essa nem sempre é uma tarefa fácil nas redes sociais. No caso da internet, a lei prevê que “o usuário ofensor deverá divulgar a resposta do ofendido em até quarenta e oito horas após sua entrega em mídia física, e deverá empregar nesta divulgação o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado […] o mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa”. Além disso, a resposta ficará online por pelo menos o dobro do tempo que a ofensa ficou no ar.
No entanto, os recortes de públicos das redes sociais nem sempre é claro – muitas vezes, para quem o conteúdo foi mostrado é uma repercussão do algoritmo de feed, que não têm funcionamento muito transparente. “Muitas vezes as plataformas resistem um pouco em apresentar [esses dados] até por entender que não tem obrigação legal, e existe um certo conflito da informação estar protegida por segredo industrial”, diz Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos em Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Além disso, assim como as figurinhas, nem todos recursos de comunicação online contam com jurisprudência consolidada. Em 2016, quando Fernando Haddad (PT-SP) concorria à reeleição na prefeitura de São Paulo, ganhou um direito de resposta a um áudio veiculado pelo canal do YouTube O Implicante.org. Apesar de postar a resposta do candidato, o canal fixou no topo de sua página a produção considerada ofensiva – uma paródia do funk “Dia de Maldade”. A campanha recorreu novamente, e o canal teve de mudar a configuração.
Há ainda o desafio sobre como essa reposta é feita. “Compreendemos que a internet funciona como essas câmaras de eco. Quando o oponente de um posta na página de outro, qual é o efeito disso?”, diz Neisser. “Será que não alimenta o ódio, a ideia de que aquilo é uma censura, uma injustiça? Talvez o direito de resposta tenha até um efeito mais negativo para o ofendido, porque pode ser como jogá-lo na cova dos leões, expô-lo de novo ao ódio de um grupo”, completa.
Respostas difíceis
Na disputa pela prefeitura Governador Valadares (MG), o candidato Renato do Samaritano (Republicanos) acusou o proprietário da página no Instagram Rede Alerta de divulgar notícias falsas sobre ele. “Funcionários do Hospital Bom Samaritano, que preferem não se identificar, revelaram que uma infestação massiva de baratas obrigou o fechamento da UTI e a suspensão imediata de todas as cirurgias desde a última sexta-feira. A população está em pânico […]. Infelizmente, um assunto que deveria ser do conhecimento de todos está sendo mantido a sete chaves por conta da campanha do Renato do Samaritano, que leva o mesmo nome do hospital.”
No caso, a Procuradoria Regional Eleitoral considerou que “a verificação da veracidade dos fatos alegados pelo recorrente […] demandaria dilação probatória, o que não pode ser admitido no rito processual do direito de resposta”. Os casos de pedido de direito de resposta tramitam com prioridade na Justiça Eleitoral, o que, na maioria dos casos, não comporta o tempo necessário para verificação de fatos e produção de provas de que se trata de fato de uma fake news.
Há também o desafio de que a resposta concedida em caso de divulgação de informações falsas chegue ao público que foi afetado pela desinformação. Além da dificuldade imposta pelo funcionamento dos algoritmos, as notícias falsas tendem a chamar muito mais atenção do que a verdade. Segundo um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), fake news se disseminam 70% mais rapidamente que dados verdadeiros. Cada post verdadeiro atinge, em média, mil pessoas; as que contém falsidades chegam a entre mil e 100 mil pessoas.
As notícias falsas são apenas uma das ferramentas usadas em campanhas eleitorais. “O direito de resposta sempre foi muito utilizado pelas campanhas, mas o número de pedidos tanto de concessões tende a crescer com esse momento político em que as coisas vão muito mais para o pessoal”, diz Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, sócia do Callado, Petrin, Paes e Cezar Advogados.
O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PTRB-SP), por exemplo, teve de dar espaço em suas redes aos adversários Guilherme Boulos (PSol-SP) e Ricardo Nunes (MDB-SP). Ele insinuou que Boulos era usuário de drogas tanto em suas redes quanto em debates televisivos, e, em vídeo online, chamou Nunes de “canalha”. “A primeira máxima da Justiça Eleitoral é que a intervenção no debate eleitoral sempre será em casos excepcionais, com intervenção mínima, mas esse contexto pode trazer mais decisões favoráveis ao direito de resposta”, diz Paes.