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Ela descobriu foto íntima no celular: o que define importunação sexual?
Ludimila Honorato
De Universa, em São Paulo
(Foto: Freepik)
Em abril deste ano, Thalissa* foi vítima de importunação sexual, mas sem estar presente no momento do ato. Ela tinha acabado de chegar ao trabalho e foi conferir o celular. “A câmera estava aberta e quando entrei na última foto, era a parte íntima de um cara”, contou a Universa. Era uma foto que ela desconhecia.
O único lugar aonde tinha ido antes de aquela imagem aparecer foi a academia que costumava frequentar. Mais cedo, ela havia deixado o celular dentro da bolsa, guardada no armário, enquanto treinava.
De volta ao estabelecimento após o susto, Thalissa pediu para ver as imagens da câmera de segurança que fica na área dos armários, em ambiente comum. O acesso só foi concedido após ela apresentar o boletim de ocorrência, registrado no dia seguinte ao ocorrido. No documento, consta a importunação sexual como crime consumado.
Nas imagens, a que Universa teve acesso, um homem mexe no armário onde estão seus pertences por volta de 7h30, enquanto olha para os lados com frequência. Depois, encosta numa grade próxima e fica mexendo no celular, observando o movimento das pessoas.
Thalissa chega cerca de cinco minutos depois, guarda a bolsa, vai ao banheiro e depois desce para a área de treinos. O homem permanece no mesmo lugar até o espaço ficar momentaneamente vazio. Nessa hora, ele vai até o armário de Thalissa, mexe na bolsa dela e segue para o vestiário masculino de mãos vazias.
Em poucos segundos, ele aparece na porta, observa o movimento, retorna para dentro do vestiário e depois sai para abrir novamente a bolsa dela. Ele pega o celular da mulher e volta para perto da grade, aparentemente mexendo no aparelho. Em seguida, entra no vestiário e sai após três minutos, devolvendo o celular na bolsa de Thalissa.
“Na minha bolsa tinha dinheiro, notebook, e ele não pegou nada, só o celular e tirou foto”, disse. Ela entrou com uma representação contra o homem, que é manifestar o interesse em processá-lo, mas ainda aguarda decisão sobre se haverá investigação.
Ela trocou de academia e disse ter ficado com medo. “Os policiais me orientaram a andar sempre com a cópia do boletim de ocorrência”, afirma.
O que é importunação sexual
Segundo o Código Penal, é “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena é de reclusão de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave.
A advogada Jenifer Moraes, mestre em direito penal pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), diz que o crime não exige que o ato tenha sido praticado presencialmente, ou seja, pode ocorrer em meio digital.
“Se numa chamada de vídeo, uma pessoa pratica ato libidinoso contra alguém sem que essa vítima permita a situação, não existe óbice (impedimento) para configuração de importunação sexual”.
Jenifer Moraes, advogada
“Alguns autores interpretam que a palavra ‘contra’ só pode ocorrer se for na presença física. Mas se pode praticar atos contra vítimas no âmbito virtual”, afirma.
Para a advogada criminalista Ana Beatriz Krasovic, o Código Penal “inovou” ao colocar o constrangimento da vítima como um valor protegido por lei. “Por mais que não tenha sido presencialmente, pegar o telefone, tirar uma foto que vai deixar a pessoa constrangida e ter prazer no fato de que a pessoa vai ver já é pacificado em alguns tribunais de Justiça”, diz.
“A responsabilidade é dele, independente do meio e de como foi praticado. A vítima tomou ciência depois, ficou constrangida e atingiu o objetivo”.
Ana Beatriz Krasovic, advogada criminalista
Linha tênue
Segundo Moraes, um desafio no caso de Thalissa é comprovar a natureza do crime. “Para caracterizar, precisa que o agente tenha cometido ato libidinoso que cause nele uma satisfação sexual. O ato de tirar foto foi para perturbar, causar temor, irritação ou provocar satisfação sexual?”, questiona. “É uma questão muito delicada de se comprovar.”
Outro desafio é provar que a foto seja da parte íntima do homem que aparece nas imagens. “Imaginando que exista inquérito policial, só essas informações não esclarecem de quem é o órgão genital. Se não for dele, poderia ser outro crime, que é tirar foto de alguém sem consentimento e permitir que essa imagem circule”, explica. Nesse caso, entraria outra discussão: a constitucionalidade do crime de ato obsceno.
Mas ela afirma que, ainda que não haja crime, existe ilicitude civil. “A vítima pode pedir indenização, mas não necessariamente vai ter pena criminal.”
Na avaliação de Krasovic, existe o mínimo de informações necessárias para iniciar uma investigação, por ao menos haver imagens de uma pessoa pegando o celular de outra e a foto. “Para esse tipo de crime, quando fala do ato contra a dignidade, a palavra da vítima tem muita relevância”, diz.
*O nome foi trocado para preservar a identidade
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2025/08/09/importunacao-sexual-virtual.htm