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Dedutibilidade dos royalties sobre sementes no agronegócio
Dedutibilidade dos royalties sobre sementes no agronegócio
É recomendado que as empresas do setor revisem seus procedimentos atuais e os tratamentos dados no passado em relação a eventual tributação dos royalties sobre sementes
Por Murilo Adib Massad Boriero
O agronegócio desempenha um papel crucial na economia global, tendo ainda maior relevância no Brasil, destacando-se como um dos principais motores econômicos do país e contribuindo de forma substancial para o PIB nacional e as exportações.
No Brasil, a própria Constituição Federal prevê como competência do Estado a fomentação da produção agropecuária, inclusive mencionando que a política agrícola deve ser planejada e executada considerando os instrumentos fiscais e o incentivo à pesquisa e à tecnologia.
Nesse contexto, destacamos os royalties sobre sementes, que são um mecanismo de incentivo para inovação tecnológica, na medida em que são a remuneração para transferência de tecnologia e consequente ganho de produtividade, competitividade, eficiência e escala, estimulando a pesquisa e a adoção de novas tecnologias que mantêm o Brasil competitivo no cenário internacional do agronegócio.
A biotecnologia, por exemplo, tem permitido o desenvolvimento de variedades de sementes mais resistentes a pragas e doenças, além de adaptação às diferentes condições climáticas do vasto território brasileiro, o que tem sido fundamental para o aumento da produtividade e a redução dos custos de produção. Desse modo, os royalties estão intrinsicamente relacionados na cadeia produtiva do setor e representam um custo elevado para as empresas.
No entanto, apesar das considerações acima, até pouco tempo atrás, o posicionamento da Receita Federal era de limitar a dedutibilidade dos custos com royalties sobre as sementes a 1% da receita do produto vendido, gerando diversas autuações e fazendo com que os contribuintes despendessem anos e grandes investimentos em assessoria jurídica para instaurar discussões administrativas ou até mesmo judiciais. Como veremos adiante, essa postura ia totalmente contra os preceitos de fomento e a legislação aplicável, onerando injustificavelmente o setor no Brasil.
Apesar do entendimento equivocado das autoridades fiscais e nesse cenário incerto, com a intenção de mitigar essas discussões, foi editada a Lei nº 14.689 no dia 20 de setembro de 2023, incluindo o parágrafo 3º no artigo 11 da Lei nº 9.249/1995, o qual reconheceu que, para a pessoa jurídica que atua na multiplicação de sementes, não são aplicáveis os limites impostos para dedutibilidades da despesa com os royalties a empresas não ligadas, assim como dispensou o registro do contrato no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
A natureza jurídica dessa alteração legislativa é interpretativa, o que significa que possui efeitos retroativos e, portanto, possibilita que os contribuintes possam recuperar todos os valores tributados decorrentes da inclusão indevida na base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos últimos cinco anos.
Em relação aos contribuintes que sofreram lançamentos de ofício e possuem discussões administrativas ou judiciais sobre o tema, deverão ter seus direitos resguardados com a aplicação da norma. Nessa linha, recentemente o Carf julgou o acórdão nº 1401-006.950, primeiro até então conhecido sobre o tema. Embora, para a CSLL não tenha aplicado o mesmo entendimento, o que, ao nosso ver, é incorreto por uma determinação infralegal, se reconheceu a dedutibilidade dos royalties para o IRPJ com base na alteração mencionada acima.
Há que se destacar outra alteração legislativa, a Lei nº 14.596/23, que revogou com efeitos a partir de 1º de janeiro deste ano, os dispositivos que continham limitações específicas relacionadas à dedutibilidade dos royalties, de modo que a análise atualmente deve ser feita conforme a regra geral, ou seja, devendo a despesa ser necessária, normal e usual à manutenção da fonte produtiva, assim como disposto no artigo 362 do Regulamento do Imposto de Renda.
De forma complementar, a referida lei ainda prevê que não são dedutíveis apenas os royalties pagos a partes relacionadas quando a sua dedução resultar em dupla não tributação nas respectivas hipóteses: (i) o mesmo valor seja tratado como dedutível para outra parte relacionada; (ii) o valor deduzido no Brasil não seja tratado como rendimento tributável do beneficiário na legislação de sua jurisdição; ou (iii) os valores sejam destinados a financiar, direta ou indiretamente, despesas dedutíveis de partes relacionadas nas situações anteriores.
Em conclusão, a recente evolução legislativa no Brasil reconhecendo a importância e a legitimidade dos royalties no agronegócio, é um passo crucial para a continuidade de crescimento e desenvolvimento tecnológico no setor. As mudanças nas leis tributárias, especialmente as que tratam da dedutibilidade dos royalties, corrigem distorções passadas e criam um ambiente mais favorável para o investimento e de segurança jurídica, sendo essencial para garantir a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado global.
Portanto, é recomendado que as empresas do setor revisem seus procedimentos atuais e os tratamentos dados no passado em relação a eventual tributação dos royalties sobre sementes, para que possam interromper a incidência do IRPJ e da CSLL, assim como, recuperar valores tributados indevidamente nos últimos cinco anos. Não obstante, recomenda-se também a avaliação do tratamento atual dos royalties de outras naturezas pagos no mercado interno, uma vez que com as revogações dos limites para dedução, a partir de 2024 basta que a despesa seja necessária para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz o rendimento.
Murilo Adib Massad Boriero é advogado associado do escritório Briganti Advogados.