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Decisão de Dino sobre leis estrangeiras reforça ‘o óbvio’, mas é confusa, avaliam juristas
Por Lavínia Kaucz
Brasília, 19/08/2025 – A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que afastou a eficácia automática de ordens estrangeiras no Brasil foi vista por especialistas ouvidos pelo Broadcast Político como uma exposição do “óbvio” diante das sanções dos Estados Unidos. Para esses juristas, Dino apenas reforçou o que já está na Constituição: qualquer lei ou decisão de países estrangeiros precisa ser homologada pelo Judiciário brasileiro para ser aplicada em território nacional.
De acordo com a decisão proferida ontem pelo ministro, leis e ordens estrangeiras – entre elas a Lei Magnitsky, que não foi citada nominalmente na sentença – não produzem efeitos em relação a pessoas brasileiras, relações jurídicas aqui celebradas, bens aqui situados e empresas que atuam no Brasil.
No mês passado, o governo de Donald Trump aplicou a Lei Magnitsky ao ministro do STF Alexandre de Moraes. A norma, tradicionalmente imposta contra graves violadores de direitos humanos, prevê bloqueio de contas bancárias e de bens em solo americano.
Como mostrou a Broadcast, a decisão de Dino causou nova onda de dúvidas e apreensão no setor bancário, sobretudo naquelas instituições que têm operações nos Estados Unidos, e impactou as ações dos bancos na B3. Os papéis chegaram a cair mais de 4% nesta terça-feira.
A professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso avalia que a decisão do ministro é “confusa” e que não está claro por que o ministro se manifestou sobre o tema no âmbito de outro processo que não tem relação com as sanções impostas pelos EUA ao Brasil.
Maristela Basso também observa que, segundo a Constituição brasileira, ordens estrangeiras devem ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e não pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, Dino deixa brechas que sugerem que a autorização deve ser dada pelo Supremo. Em um trecho, afirma que “transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo aos postulados dessa decisão, dependem de expressa autorização desta Corte, no âmbito da presente ADPF”.
Para Basso, quando Dino diz que decisões, leis ou resoluções estrangeiras precisam passar pelo Supremo, “ele está alterando o que está escrito na Constituição”.
Renato Chiappim de Almeida, head de Direito Bancário do escritório Paschoini Advogados, observa que a decisão não dá uma ordem direta para que as instituições deixem de aplicar a Lei Magnitsky ou mantenham a prestação de serviços. “Ela estabelece um comando objetivo, no sentido de que nada que vem de qualquer Estado estrangeiro tem aplicabilidade imediata dentro do Brasil e se aplica no contexto da prestação de serviços bancários”.
Por isso, acrescenta Almeida, uma eventual responsabilização ou aplicação de penalidades administrativas às instituições financeiras não vai ocorrer “como uma medida antecipatória ou como uma consequência direta da decisão do ministro Flávio Dino”.
Na decisão, Dino afirma que “ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção” por parte de Estados estrangeiros. Não há referência direta à punição de bancos que deixarem de bloquear bens por determinação da Lei Magnitsky. Na prática, porém, qualquer cidadão brasileiro que se sentir prejudicado por imposição derivada de lei estrangeira em território nacional poderá recorrer ao Judiciário.
O dilema enfrentado por instituições financeiras já era esperado, como mostrou a Broadcast em 31 de julho, mas a decisão de Dino dá um recado claro sobre a posição do Supremo em relação ao tema.
“Esse cenário, obviamente, deixou o mercado financeiro numa situação complicada, já que os bancos que operam no território brasileiro obedecem à legislação brasileira, de modo que só podem bloquear contas, restringir movimentações ou congelar bens se houver i) ordem judicial interna, ii) determinação do Banco Central, CVM ou COAF, ou, iii) se estiver cumprindo sanções internacionais emitidas pela ONU, às quais o Brasil está submetido, por força da Carta da ONU”, comenta Luciano Ramos Volk, sócio do escritório Volk & Giffoni Ferreira Advogados.