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Cotistas obtêm bloqueio de milhões de fundo de investimento na Justiça

12 de março, 2024

Após perderem capital injetado em produto de renda fixa por suposta má gestão, investidores tentam reaver dinheiro no Judiciário

Por Marcela Villar — De São Paulo

Cotistas do fundo de investimento Infinity, atual Vanquish, têm conseguido na Justiça bloquear e reaver o investimento após perder 85% do capital injetado por má gestão do fundo, segundo documentos do processo e condenação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no fim do ano passado. Ao todo, considerando mais de 20 decisões judiciais, os bloqueios superam R$ 10 milhões.

Tem chamado a atenção de especialistas que, na maioria das decisões judiciais sobre este caso, além da determinação de bloqueio contra o fundo, há ainda a responsabilização solidária da administradora, da corretora e até do banco que oferecia o produto para a carteira do cliente, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem jurisprudência para aplicar o CDC nesses casos de investidores contra instituições financeiras, por meio da Súmula nº 297.

O fundo Infinity era de renda fixa, tinha liquidez diária e era categorizado como de perfil conservador, o que indica baixo risco para operadores do mercado, com promessa de retorno muito acima do CDI. Em 7 de fevereiro de 2023, fechou para resgate e não permitiu saques mesmo de quem solicitou reaver o investimento antes desta data. Após uma mudança no regulamento, permitiu resgate após 75 dias, mas não devolveu os valores aos cotistas.

A Infinity Asset, gestora dos fundos Infinity, e seu diretor responsável foram condenados pela CVM com multa de mais de R$ 6 milhões, no total, no fim do ano passado, por “não agir com lealdade em relação aos interesses dos cotistas”. O diretor, de acordo com a CVM, está impedido de atuar na administração de companhias abertas por 60 meses, assim como a Infinity de prestar serviço de administração de carteira de valores mobiliários por igual período.

No fim de 2022, o Infinity também perdeu o selo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), espécie de chancela emitida pela agência que atesta a governança dos fundos, que contam com regras específicas. Depois disso, uma enxurrada de processos foi movida pelos investidores na Justiça.

Em mais de 20 decisões judiciais – sentenças e liminares de 1º ou 2º grau, espalhadas nas Justiças de São Paulo, Distrito Federal e Goiás – magistrados têm firmado entendimento a favor dos investidores. Eles têm aplicado o CDC ao identificar uma “cadeia de consumo” em que todos são corresponsáveis pelas perdas dos cotistas.

Só o advogado Walter Cunha, sócio do escritório Walter Cunha Advogados, atua em mais de 18 ações judiciais contra o fundo e outros responsáveis. Ele já conseguiu cinco sentenças favoráveis.

Ao todo, Cunha bloqueou cerca de R$ 7 milhões em favor de clientes. Os valores das causas em que atua variam de R$ 100 mil a R$ 1,2 milhão. Porém, ainda há recurso das instituições financeiras e a liberação do montante depende de decisão definitiva. “Em assembleia observamos um número expressivo de cotistas pessoas físicas e muitos deles com pouco conhecimento em mercado de financeiro e de capitais, o que emerge indícios que várias foram vitimadas pela gestão temerária do fundo”, afirma ele.

Recentemente, o desembargador Fernando Braga Viggiano, da 3ª Câmara Cível Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), condenou o Banco Modal, do Grupo XP, o Modal Dtvm Ltda e a Rji Corretora De Títulos e Valores Mobiliários a reaver os R$ 2,4 milhões a investidores, caso o montante não seja integralmente encontrado na conta do fundo Vanquish Pipa.

“As circunstâncias dos autos evidenciam, ao menos nesse momento inaugural, a probabilidade do direito e o perigo de dano grave ou de difícil reparação, de modo a ser recomendável a medida liminar pleiteada, para que se garanta os direitos dos agravantes até a discussão meritória exaustiva” (processo nº: 5089655-73.2024.8.09.0051).

A advogada Juliana Maria Raffo, coordenadora da área cível e de contratos do Briganti Advogados, que atuou neste processo, defende que a relação é de consumo. “Quando tem pessoas físicas de um lado e, do outro, instituições financeiras, se aplica o Código de Defesa do Consumidor”. Na cadeia de consumo, diz, a RJI deve responder por não administrar adequadamente os recursos e não fiscalizar a gestora dos Fundos Infinity. Já a Infinity Asset por má gestão desses fundos.

“Já se sabia ou já se deveria saber das práticas da gestora do fundo”
— Carlos A. Vasconcelos

O Banco Modal, por sua vez, onde os clientes dela têm conta e foi quem sugeriu o investimento no Infinity, deve responder pelo prejuízo por ter ofertado o produto, segundo a advogada. “Como participante do mercado financeiro, o banco deveria ter alertado o cliente que o fundo era problemático, que tinha problemas com o órgão regulador”, afirma. Ela acrescenta que os investidores buscam reaver só o montante aplicado e não o que teriam de retorno.

Para o advogado Carlos Alberto Vasconcelos, do escritório Trouw Fraga Advogados, que representa um grupo de 15 cotistas em vários Estados, um investimento frustrado por si só gera indenização. Porém, neste caso, diz ele, havia uma cadeia de instituições que deveriam ter observado regras de compliance. “Já se sabia ou já se deveria saber as práticas da gestora do fundo e que já havia a perda do selo da Anbima”.

O advogado lembra que, mesmo as pessoas tendo injetado milhões no produto, a regulação da CVM considera investidor profissional quem faz aportes acima de R$ 10 milhões. “Não tinham farto conhecimento do mercado e acreditaram que o fundo teria baixíssimo risco”, diz. Ele defende a aplicação do CDC.

Já para o advogado Romeu Amaral, sócio do Allaw Advogados, o gestor do fundo de investimento e o administrador são prestadores de serviço do fundo e não dos cotistas. “Não há compra e venda de um bem ou serviço, há aquisição de uma cota de um fundo de investimento. É uma transação regulada pelo Código Civil”, afirma.

Em nota, a RJI, atual administradora do fundo, disse que as operações mencionadas ocorreram “muito antes de a RJI assumir a administração dos fundos” e que “não foi informada pela gestora [Infinity] ou pelo antigo administrador [Planner] que havia um questionamento da CVM quanto à regularidade daquelas operações”.

Ainda segundo ela, alguns dos processos judiciais movidos por cotistas são irregulares, como disse a CVM, já que eventuais condenações “acabam sendo arcadas pelo patrimônio da coletividade de investidores”. Um incidente de resolução de demandas repetitivas no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) foi instaurado para uniformizar a jurisprudência a esse respeito.

A corretora Ativa diz que “é mera intermediária em operações e que não pode ser responsabilizada pelos atos praticados pelos gestores ou administradores dos fundos ora em causa”. “Lembramos que a RJI, administradora do fundo, divulgou recentemente fato relevante a informar que parte da desvalorização das cotas do fundo é atribuída às ações judiciais de cotistas”, conclui.

Já a Anbima disse que a penalidade aplicada à Vanquish está sob discussão judicial. Ela explicou ainda que não cabe à entidade impedir uma empresa de comercializar produtos. “Nosso papel é assegurar que o distribuidor cumpra as regras de suitability, de diligência na contratação de terceiros e de transparência. Perdas decorrentes de má atuação dos prestadores de serviços têm que ser apuradas para verificar a responsabilidade inerente de cada um”.

Procurado pelo Valor, o Banco Modal, da XP, não quis comentar. O fundo Infinity e o Vanquish não retornaram até o fechamento da edição.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/03/12/cotistas-obtem-bloqueio-de-milhoes-de-fundo-de-investimento-na-justica.ghtml

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