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Conflitos por aluguel e prazos dominam disputas jurídicas entre lojistas e shoppings
Outro ponto de litígio bastante comum são as mudanças no posicionamento das marcas nos empreendimentos
Foto: Meta IA
Por PH de Noronha, Para o Valor — São Paulo
31/07/2025 05h02 Atualizado há 3 horas
A grande maioria dos litígios entre lojistas e shopping centers está relacionada aos contratos de locação das lojas, mais especificamente nas ações de renovação e de revisão de valores contratuais. No caso das franquias, Natan Baril, diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF), observa que esses conflitos representam 70% dos litígios das franqueadas com os shoppings onde atuam.
Em geral, os contratos têm prazos de cinco anos ou mais. De acordo com a Lei do Inquilinato (nº 8.245/91), o lojista deve entrar com o pedido de renovação entre doze e seis meses antes do fim do contrato. Se perder esse prazo, as coisas podem se complicar, pois a tendência é de o shopping endurecer a negociação, podendo acabar na Justiça.
No caso da ação revisional, quando o lojista ou o próprio shopping pede uma revisão dos valores de aluguel, o prazo conta a partir de três anos (para contratos de cinco anos ou mais). A revisão é requerida quando o equilíbrio econômico do negócio foi afetado, o que pode acontecer por vários motivos.
“Na pandemia, quando os shoppings ficaram vazios e as lojas ficaram sem vender por meses, os contratos de todos os nossos clientes tiveram que ser renegociados, pois o equilíbrio financeiro foi radicalmente afetado”, conta o advogado Rodrigo Palácios, sócio da área de direito imobiliário do escritório Viseu Advogados.
O presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings (Ablos), Mauro Francis, confirma que a renovação e a revisão contratual concentram a maioria dos conflitos na Justiça. Ele explica que as revisionais enfrentam maior resistência dos shoppings, mas têm amparo na Lei do Inquilinato: é um direito do lojista pleitear a revisão, que será decidida com ajuda de perícia judicial. Por outro lado, Francis vê um aumento grande nas ações renovatórias depois da pandemia. “Nossa orientação é para que o lojista sempre busque a renovação amigável, mas temos visto os shoppings fazendo um jogo cada vez mais duro.”
Camila Benedett, coordenadora do direito imobiliário na Viseu Advogados, destaca que é comum os lojistas perderem o prazo da renovatória. “Muitos deixam para resolver no final do contrato, e aí fica mais difícil, acabam à mercê da decisão do shopping de querer ou não continuar com o lojista. Os comerciantes independentes, muitas vezes, sequer leem o contrato ou não entendem o que está escrito. O ideal seria que, desde o começo, o lojista contasse com a ajuda de um advogado especializado em comércio.”
Segundo o presidente da Ablos, o comércio está passando por um cenário incertezas devido à concorrência do e-commerce, às taxas de juros altas e, principalmente, por conta das bets. “Os sites de apostas se tornaram um grande concorrente dos lojistas. Essas empresas tiraram dos consumidores brasileiros cerca de R$ 30 bilhões apenas nos primeiros meses de 2025. Isso afeta o equilíbrio econômico de todo mundo e força o lojista a renegociar os valores contratuais”, contextualiza.
Natan Baril chama a atenção para outras questões muito comuns entre empreendimentos e lojistas independentes. Uma são as luvas não previstas. É praxe dos shoppings cobrar luvas na assinatura do contrato. Porém, quando o lojista tenta passar o negócio para outro, mantendo a marca, muitos shoppings resolvem cobrar novamente as luvas, com cifras que podem chegar a dez vezes o valor do aluguel. A saída é questionar na Justiça.
Outro ponto de litígio bastante comum são as mudanças decididas pelo shopping no posicionamento de seu mix de marcas e que costumam pegar os lojistas de surpresa. Por exemplo, colocar novas marcas, inclusive concorrentes, no mesmo corredor da loja, modificar o fluxo de consumidores, trocando, por exemplo, o local da praça de alimentação e até mesmo mudar o lojista de corredor ou andar. “É comum o lojista não ter cláusula de exclusividade no contrato, ou então essa cláusula é frágil e mal redigida. A judicialização acaba sendo a saída”, acrescenta.
O diretor jurídico da ABF recomenda expressamente que todo lojista faça um controle rígido de seu negócio. “É importante construir um dossiê contratual desde o início, com todas as comunicações com o shopping, e-mails, atas, notificações e mudanças ocorridas. Deve incluir também a performance da loja, demonstrativos de resultados, faturamento, fluxo e o impacto das ações do shopping. Além disso, evitar informalidades: aditivos, inovações, modificações, tudo deve ser registrado em papel, nada de acordos de boca.”