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Cautelas no momento da demissão, em tempos digitais

11 de março, 2024

Alexandre Fragoso Silvestre 

Há alguns dias viralizou uma postagem no TikTok de uma brasileira que disse estar sendo demitida por ausência de fit cultural.

Este tema nos remete a outros que são muito importantes no momento do desligamento de um empregado, as quais incluem cautelas extremamente relevantes ao longo do contrato de trabalho e citaremos algumas.

Com a pandemia decorrente da Covid-19, que assolou o mundo em 2020, o uso da tecnologia para reuniões remotas foi sensivelmente massificado, o home-office tomou uma proporção até então não praticada no universo corporativo e, nesta onda, as videochamadas também se tornaram um meio para o empregador comunicar o empregado sobre o término do contrato de trabalho.

O término da relação empregatícia é, normalmente, um momento delicado, sensível e, desta forma, merece atenção especial.

Uma delas é: sempre que possível, torne este momento o mais humanizado possível. Demitir um empregado por telegrama, por exemplo, pode abrir precedente para um processo trabalhista movido pelo trabalhador contra o empregador. Demitir por telefone, em determinadas circunstâncias, também pode ensejar processos trabalhistas.

Portanto, na medida do possível, é altamente recomendável que o processo de demissão ocorra de maneira presencial.

Vale destacar que durante a dispensa sem justa causa o empregador não precisa apresentar os motivos da demissão – trata-se de decisão unilateral do empregador. No entanto, no dia a dia, muitas empresas preferem justificar as razões do desligamento. Ocorre que, como no caso do TikTok citado no início do texto, essa justificativa abriu espaço para uma série de críticas ao empregador que ficou, de certa forma, vulnerável e exposto a uma situação, em alguma medida, desconfortável.

Pois bem, deste episódio, extraem-se, no mínimo, duas lições:

1ª – se o empregador não está seguro e protegido em relação ao motivo que apresentará durante a dispensa, se isso não está validado com o departamento jurídico, compliance ou ESG, evite;

2ª – evite também demissão por videoconferência, isso permite a gravação, a qual poderá ser utilizada contra o empregador em um eventual processo trabalhista.

Outro tema relacionado com o vídeo que se tornou parte de rodas de conversa foi o termo fit cultural, o qual pode ser conceituado como a relação, maior ou menor, de proximidade entre os valores, propósito e a cultura da companhia com os do trabalhador. Mas independentemente de haver ou não a questão de fit cultural, é muito importante que seja alinhado, preferencialmente por escrito, quais são as atribuições, tarefas, responsabilidade e competências do empregado, o que ele deverá fazer e entregar para o empregador. Ou seja, fazendo isso adequadamente no momento da contratação, dificilmente haverá problema, como no caso do vídeo, em pedir que o empregado transfira, gratuitamente, o conteúdo que criou para o empregador utilizar como bem entender – bastaria, como dito, que houvesse sido combinado previamente através de um contrato de cessão de direitos autorais, de transferência de propriedade intelectual. Não havendo estes contratos e ajustes prévios, abre-se margem para desentendimentos, quebra de expectativas e desalinhamento, como no caso aqui mencionado, que resultou na exposição do empregador.

É óbvio que o diálogo e a comunicação são extremamente importantes nas relações interpessoais. Neste sentido, ainda que houvesse a necessidade de alteração do contrato de trabalho, implicando assim numa mudança ou um aumento nas atribuições se comparado com aquele ajuste anterior, bastaria um acordo entre as partes, preservando-se o equilíbrio entre entregáveis (pelo trabalhador) e contraprestação (remuneração adequada pelo empregador), e desde que não ocorresse prejuízos ao trabalhador. Mediante um aditivo contratual e aumento salarial, poderia ter sido evitado este desgaste entre empregado e empregador, o qual, em certa medida, é recorrente encontrar nos processos trabalhistas, sob a alegação de danos decorrentes de acúmulo ou desvio de função.

Além disso, reuniões de feedback bem estruturadas poderiam contribuir e evitar que a relação entre empregado e empregador se encerrasse da forma como aconteceu no cenário citado.

Outro tema relevante é a questão da gravação da conversa. Ainda que não ocorra o desligamento por videoconferência e seja presencial, é importante verificar se não está sendo gravada a conversa pois, se estiver, este material poderá ser utilizado como prova em eventual processo. Portanto, uma prática que vem se tornando cada vez mais frequente é a proibição do uso de telefones em reuniões estratégicas, com temas sensíveis. Os aparelhos poderão ficar em locais próprios para isso, ou com alguma pessoa responsável pelos celulares, a qual, inclusive, em uma emergência, poderá acionar o proprietário do telefone que recebeu uma determina chamada. Outro argumento favorável à proibição do uso de celulares ligados em reuniões estratégicas, com temas ou informações sensíveis ou sigilosas, é que os aparelhos celulares estão sempre “ouvindo” o que está sendo tratado nas salas de reuniões e, até então, pouco sabemos como essa informação será tratada.

Em resumo, vale redobrar a atenção durante e no término da relação de emprego, privilegiando o respeito à dignidade do trabalhador, equilibrando-se sempre o binômio capital e trabalho.

Sócio do departamento trabalhista do escritório Briganti Advogados

https://www.jornaldocomercio.com/opiniao/2024/03/1144614-cautelas-no-momento-da-demissao-em-tempos-digitais.html

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