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‘Carewashing’: como empresas projetam uma imagem ilusória de cuidados com os funcionários

13 de novembro, 2024

Apesar de benefícios corporativos e kits de boas-vindas, muitas companhias mantêm jornada de trabalho extenuante e ambiente estressante

Por Ana Flávia Pilar
— São Paulo

Cada vez mais os feeds de redes sociais, sobretudo no LinkedIn, aparecem inundados de fotos de novos funcionários exibindo brindes como bolsas, canecas e kits de boas-vindas com a marca da empresa. Outros colaboradores compartilham chocolates e presentes recebidos em datas comemorativas. Mas, apesar da mensagem de cuidado que buscam passar, muitas dessas empresas mantêm um ambiente de trabalho tóxico.

Essa prática originou o termo “carewashing” (termo em inglês que pode ser traduzido como uma falsa preocupação com cuidados), que vem sendo utilizado para denunciar companhias que fazem uma forma de “propaganda enganosa” ao transmitir uma imagem de responsabilidade e empatia, sem adotar medidas que realmente valorizem seus colaboradores.

O pesquisador Joaquim Santin, especializado em psicologia clínica organizacional, explica que o “carewashing” pegou carona na pandemia, quando as pessoas viveram um momento de grande estresse.

Estudo recente publicado na Harvard Business Review diz que, depois da crise sanitária, os funcionários experimentaram níveis recordes de esgotamento, sendo atraídos por organizações com culturas que apoiam o bem-estar no trabalho — o que ajuda a explicar o aumento no número de pessoas caindo nessas “pegadinhas”.

Santin menciona até mesmo o crescimento das vagas conhecidas como “CLT Premium”, de empresas que oferecem vantagens como terapia, academia e vales, mas mantêm um ambiente de trabalho ruim, com assédio, salários baixos e metas que forçam as pessoas a trabalharem até 12 horas ao dia.

A consultora de comunicação e relações públicas Amanda Ataide, de 31 anos, foi convidada para ocupar uma vaga em setembro. A proposta era interessante: reestruturar um dos times da companhia, com autonomia para contratar quem quisesse.

Tanto no anúncio da vaga quanto nas redes sociais, a empresa dizia ter como meta se tornar uma referência em ESG, mas a realidade do ambiente de trabalho não condizia com esse discurso.

— Nem tive oportunidade de montar minha equipe. Em 12 dias, eles voltaram atrás e disseram que não tinham como me pagar. Mandaram embora todo mundo que tinha contrato junto comigo. E essa empresa queria ser uma referência em ESG, mas vivia o contrário.

Durante o Setembro Amarelo, após uma demissão em massa, foi realizada uma chamada on-line com uma psicóloga para uma palestra sobre a importância da saúde mental e a necessidade de momentos de descompressão.

Mas o ambiente de trabalho, diz Amanda, era formado por pequenas baias, com pouco espaço. Havia uma pequena cozinha de apoio com capacidade para duas pessoas, e quem levava marmita precisava comer em pé.

Uma estudante, que conversou com o GLOBO anonimamente, viveu algo semelhante durante seu primeiro estágio em 2021. A vaga prometia salário elevado, home office e vantagens interessantes, como auxílio para internet residencial.

Além disso, conta, a empresa parecia realmente valorizar o funcionário, até mesmo pelas comodidades no local de trabalho. Foi em dois encontros presenciais e disse que as salas eram confortáveis, consideradas “chiques”.

— Pontuei os conhecimentos que eu tinha e os que não tinha e me falaram que eu era perfeita para a vaga. O que eu não soubesse, poderiam me ensinar. Mas, na hora que as demandas surgiam e eu não sabia conduzir, mandavam eu me virar. Quando questionei isso, fui informada que ninguém tinha tempo para me ensinar e que eu tinha que já saber isso.

Segundo ela, houve muitos casos de assédio moral durante os três meses de experiência no cargo.

— Minha superior não tinha problema em me humilhar nas reuniões. Ela me comparava com o outro estagiário na frente de outras pessoas da empresa, me colocando muito para baixo. Ela marcou uma reunião quando eu estava afastada de Covid e me demitiu.

Jacqueline Resch, professora do MBA de Recursos Humanos da Escola de Negócios da PUC Rio, diz que o “carewashing” é como uma maquiagem. Algumas empresas, por exemplo, oferecem aulas de yoga, mas o colaborador sequer consegue usar essas vantagens por trabalhar demais.

— É como se a empresa criasse mecanismos para desestressar, mas seu ambiente é estressante. A pessoa é seduzida por uma proposta que não existe — conta.

Esses casos aumentaram por conta das redes sociais, avalia Jacqueline, e de plataformas como o Glassdoor, em que os funcionários relatam problemas similares. Para a professora, empresas que praticam o “carewashing”, além de não conseguirem reter talentos, estimulam um clima de trabalho ruim, afastando outros profissionais.

Segundo Priscila Soeiro Moreira, advogada trabalhista do Abe Advogados, a CLT protege os empregados contra mudanças unilaterais nas condições de trabalho acordadas no momento da contratação. Em casos extremos, onde o ambiente de trabalho é insustentável, o empregado pode solicitar a rescisão indireta do contrato.

— A rescisão indireta é semelhante à demissão por justa causa, mas, nesse caso, é o empregador que comete uma falta grave. Isso precisa ser formalizado por meio de um processo judicial. Quando o juiz reconhece a rescisão indireta, o empregado tem direito a todas as verbas rescisórias que receberia em uma dispensa sem justa causa.

Além disso, um ambiente de trabalho tóxico pode ser caracterizado como assédio moral, e o empregado pode buscar reparação por danos morais (e até mesmo materiais) causados.

(Foto: Agência Brasil)

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/11/13/carewashing-como-empresas-projetam-uma-imagem-ilusoria-de-cuidados-com-os-funcionarios.ghtml

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