PORTFÓLIO
Candidatos barrados custaram R$ 26 milhões em 2020, e gasto deve ser maior na eleição de outubro
Despesa foi feita com políticos considerados inaptos, entre registros indeferidos, cassações e outros motivos na última disputa municipal; tendência é que despesas mais do que dobrem este ano
Por Samuel Lima
A adoção do financiamento público das campanhas, a ausência de uma regra mais rigorosa para a distribuição interna dos partidos e o prazo curto de análise dos registros pela Justiça Eleitoral possibilitam o desperdício de milhões de reais a cada nova eleição. Parte dos recursos é usada pelas legendas para bancar candidaturas inviáveis nas urnas e que, durante a campanha ou somente após o resultado ser declarado, tiveram a participação vetada na Justiça.
Dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tabelados pelo Estadão mostram que candidatos considerados inaptos receberam R$ 27,5 milhões dos fundos eleitoral e partidário nas eleições de 2020. O número considera apenas repasses diretos nas contas dos candidatos. Do montante, só R$ 1,4 milhão foi devolvido aos partidos ou redirecionado a outros concorrentes, o que permite estimar que essas campanhas inócuas consumiram efetivamente algo em torno de R$ 26 milhões somente naquele ano.
O prejuízo aos cofres públicos deve ser ainda maior nas eleições de 2024, na medida em que o fundo eleitoral atinge a cifra de R$ 4,9 bilhões, mais do que o dobro dos R$ 2 bilhões liberados há quatro anos. Com mais dinheiro em caixa, aumentam as chances de um valor maior de recursos parar na conta de candidatos indeferidos, cassados e que abandonam a campanha no meio do caminho.
A maior parte dos recursos contabilizados se refere a políticos que foram impedidos de concorrer no momento da análise dos registros de candidatura pela Justiça Eleitoral. O problema é que os processos costumam levar tempo e os candidatos podem adentrar o período de campanha até uma sentença definitiva do TSE eliminá-los da disputa. Nesse meio tempo, nada impede que eles recebam e gastem dinheiro público para pedir votos.
Especialistas ouvidos pelo Estadão atribuem esse problema ao fato de os registros de candidatura ocorrerem imediatamente antes do início da campanha eleitoral, o que torna impossível que os problemas sejam identificados a tempo de evitar que os políticos recebam e apliquem recursos do fundo eleitoral e partidário e apareçam na propaganda eleitoral em rádio e televisão, que também gera custos ao poder público (veja mais abaixo).
Deputado federal Adail Filho (Republicanos-AM) gastou R$ 690 mil de fundo eleitoral e teve o registro indeferido nas eleições para prefeitura de Coari, em 2020 Foto: Douglas Gomes/Divulgação/Liderança do Republicanos na Câmara
O caso mais extremo ocorreu em Coari, município de 70 mil habitantes do Amazonas.Adail Filho, concorrendo pelo Progressistas, gastou R$ 690 mil na sua tentativa de reeleição na cidade. Foram R$ 352 mil apenas com material gráfico de campanha, como adesivos e “santinhos”, além de R$ 175 mil para colocar militantes na rua e distribuir os panfletos, segundo a prestação de contas.
Adail recebeu pouco mais de 22 mil votos (59%). Nos primeiros dias de dezembro daquele ano, porém, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) decidiu, por unanimidade, indeferir o seu registro, anulando o resultado. O motivo era que seu pai, Adail Pinheiro, eleito em 2012, teve o mandato cassado dois anos depois pela Lei da Ficha Limpa. Como Adail Filho governou a prefeitura entre 2016 e 2020, a Justiça entendeu que o mesmo núcleo familiar assumiria um terceiro mandato consecutivo em Coari, o que é vedado pela legislação.
O hoje deputado federal argumentou, por meio de seu advogado, que a candidatura foi “baseada numa interpretação absolutamente razoável e de boa-fé da legislação eleitoral”, porque o mandato do pai havia sido interrompido. Ele também ressaltou que obteve decisão favorável em primeira instância e estava resguardado por uma consulta ao juízo. “À época do dispêndio das despesas de campanha, o deputado não teria como adivinhar que a Justiça Eleitoral adotaria entendimento diferente daqueles formalmente existentes no período da eleição.”
Por conta da quantidade de votos anulados, a eleição em Coari precisou ser refeita no ano seguinte. O pleito foi vencido por Keitton Pinheiro, primo de Adail que era seu vice na chapa de 2020. Neste ano, o clã planeja o retorno de Adail Pinheiro, pai do deputado, atualmente filiado ao Republicanos, ao comando da prefeitura da cidade do Amazonas. Ele tem em seu histórico condenações por desvio de recursos públicos e envolvimento uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes.