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Aplicabilidade e limites da cláusula de não concorrência
Critérios de validade e os desafios jurídicos em torno das cláusulas de não concorrência no Brasil
Por Roberto Seixas, Mariana Carneiro e Vinicius Melo
São frequentes as disputas levadas ao Judiciário brasileiro acerca da validade de cláusulas de não concorrência nos mais diversos âmbitos, alegando-se, em muitos casos, a abusividade da avença, seja em contratações envolvendo ajustes puramente comerciais, a exemplo de contratos empresariais, seja nas relações de trabalho, dentre outras.
De modo geral, define-se cláusula de não concorrência, também conhecida como cláusula de “non-compete”, como a disposição contratual que estabelece limitações à atuação de uma das partes relativamente a atividades concorrenciais após o término do vínculo contratual, a fim de resguardar interesses comerciais, proteger a posição de mercado da outra parte e vedar a utilização de informações confidenciais, segredos comerciais, métodos, materiais e know-how. Trata-se de uma obrigação de não fazer, com o objetivo de impedir que o término da relação contratual beneficie concorrentes.
Cabe salientar, no entanto, que a cláusula de não concorrência não encontra amparo em dispositivo de lei, de modo que sua validade e aplicabilidade são definidas por critérios estabelecidos na doutrina e em decisões judiciais que vêm consolidando a interpretação dessas cláusulas e o entendimento sobre a matéria.
Critérios de validade e limites jurídicos
Já é pacífica a orientação jurisprudencial de que a cláusula de não concorrência, ao limitar certa atividade, deve especificar, com bastante clareza, elementos como prazo de vigência, a fim de que haja um marco temporal para a proibição, a área geográfica aplicável à restrição e, evidentemente, as atividades e informações objeto da limitação.
A discussão, entretanto, torna-se mais complexa quando se questiona quais limites esse tipo de cláusula deve observar. A ampla jurisprudência entende que, para ser considerada válida, a cláusula de não concorrência deve impor restrições que observem os critérios da razoabilidade e proporcionalidade diante do caso concreto e do potencial de geração de prejuízos e desvio de clientela, sendo vedada a imposição de restrições excessivas passíveis de violar direitos, a exemplo de multas manifestamente descabidas em face da situação.
Ademais, desde que respeitados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, o Judiciário visa sempre preservar os princípios da autonomia privada e da boa-fé objetiva que regem as relações privadas, de modo a resguardar as condições livremente pactuadas, sem qualquer vício de consentimento, entre partes capazes. Por essa razão, inclusive, é de extrema relevância que a redação seja suficientemente clara para que não haja ambiguidade interpretativa ou contraditoriedade, o que prejudicaria a validade da cláusula.
Cláusulas de não concorrência em contratos comerciais como os de franquia, a título ilustrativo, quando levadas ao Judiciário para discussão, via de regra são consideradas válidas, uma vez que se considera que tanto o franqueado como o franqueador estão em condições de igualdade para a celebração da avença. É que, diferentemente dos contratos de consumo, em que se protege o consumidor (parte notadamente mais frágil da relação), no contrato de franquia, tanto o franqueado como o franqueador sujeitam-se ao risco do negócio, tendo plenas condições de livre e conscientemente pactuar os termos do contrato e determinar as condições específicas que regerão a cláusula de não concorrência.
Apesar de viger no Brasil a livre iniciativa privada, a restrição à concorrência em nosso ambiente jurídico nacional decorre da valorização da liberdade contratual dada às partes ao pactuar as regras aplicáveis ao tema, especialmente a fim de evitar condutas parasitárias que resultem no desvio de clientela. Obviamente, as limitações impostas, como mencionado, devem atender a limites de prazo, área geográfica e atividade, mediante aplicação dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade diante do caso concreto, de modo que a cláusula de não concorrência, por sua vez, não se desvie de sua função e se torne abusiva.
Cláusula de não concorrência com executivos
No âmbito do Direito do Trabalho, em que é frequente a inclusão de cláusulas de não concorrência na contratação de executivos por empresas, por exemplo, a relevância do tema é tamanha que o recente Projeto de Lei 4.803/2024 busca alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para regulamentar o tema.
O Projeto pretende estabelecer critérios objetivos de validade para as cláusulas de não concorrência, a fim de garantir maior segurança e proteção às informações confidenciais e segredos comerciais das empresas, desde que a obrigação de não concorrência observe limites bem definidos de prazo, escopo de atuação profissional e abrangência territorial, além da fixação de contraprestação financeira em favor do trabalhador.
Conforme informado pelo deputado Jonas Donizette (PSB-SP), autor da proposta, o intuito é “incorporar à legislação trabalhista conclusões já consolidadas na doutrina e na jurisprudência no sentido da validar a cláusula de não concorrência”, contudo, “desde que observadas algumas condições que garantam que não haja restrição excessiva da liberdade de trabalho”.
Fica clara, assim, a importância do estudo e regulamentação do tema em prol da segurança jurídica nas contratações, sejam elas de natureza comercial ou trabalhista, e de sua adequada interpretação e delimitação, a fim de que as cláusulas de não concorrência sejam validamente aplicadas e cumpram sua função de evitar a prejuízos e desvio de clientela, porém sem que se desviem de sua função e se tornem abusivas.
Roberto Seixas, Mariana Carneiro Lopes Muniz e Vinicius Melo Santos são sócios do escritório Lopes Muniz Advogados.
(Imagem: Freepik)
https://monitormercantil.com.br/aplicabilidade-e-limites-da-clausula-de-nao-concorrencia/