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Apagão em SP: da poda de árvores à previsão de riscos, quem é responsável por cada aspecto da crise de energia
De acordo com a concessionária Enel, 430 mil imóveis ainda estão no escuro na Grande SP; responsabilização do problema virou ‘jogo de empurra’ nos últimos dias
Por Mariana Rosário
— São Paulo
Ainda nas primeiras horas de apagão na cidade de São Paulo, fruto da crise de abastecimento de energia deflagrada com um temporal na noite de sexta-feira, a busca por culpados para milhares de cidadão no escuro tem mobilizado campanhas eleitorais na capital paulista, além do governo estadual e até a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Especialistas ouvidos pelo GLOBO, porém, explicam que cada aspecto da crise dedica-se a uma área específica de atuação de diversas esferas da gestão pública.
Uma parte importante da gestão da atual crise recai sobre a Enel, concessionária responsável pelo oferecimento da energia na região afetada.
— A Enel, sem dúvida, tem a responsabilidade pela qualidade do serviços prestados de fornecimento de energia, e de retomada do serviço em caso de eventos de interrupção. Isto é estabelecido pela lei e pelo contrato. E existem metas e índices claros estabelecidos, como por exemplo para a duração das interrupções de fornecimento e frequência com que essas interrupções ocorrem — explica Daniela Gomes Afonso, head de Energia do Souza Okawa Advogados. — Especialmente depois dos eventos ocorridos em novembro do ano passado, a empresa não pode se desonerar de responsabilidade pela qualidade do serviço prestado, e por dar respostas aos consumidores, com previsão clara e precisa de quando os serviços serão restabelecidos.
Nessa dinâmica, a Aneel fica responsável por fiscalizar (e determinar eventuais penalidades) ao serviço prestado pela Enel, o que inclui a apuração do que levou ao apagão prolongado em diversas partes da Grande São Paulo. A agência é vinculada ao Ministério das Minas e Energia e, desse modo, o representa no contrato de concessão estabelecido entre a União e a Enel.
— A Aneel, como agência reguladora do setor, representa a União nesse polo contratual, mas, pra além disso, ela é competente por regular e fiscalizar o serviço público de distribuição — diz Valéria de Souza Rosa sócia do escritório LCFC Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Energia (IBDE). — Ela é técnica e independente.
Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados, portanto, explica que crises como a que São Paulo vive nesse momento precisam ser remediadas por diversas instâncias de gestão.
— Uma vez instalado o apagão, a Enel deve mapear os pontos de falha na distribuição elétrica, como postes caídos ou cabos rompidos, e providenciar a reparação. Quando a queda de árvores é o causador do problema, a prefeitura deve ser acionada para remover o obstáculo, permitindo à concessionária realizar o reparo da rede. O governo estadual e a Defesa Civil podem intervir em casos de desastres de maior escala, coordenando a resposta e prestando suporte logístico — pondera.
Desse modo, a poda e prevenção de queda de árvores (o que pode ser causador da interrupção do serviço) precisa ser coordenado entre a Enel e a prefeitura. Isso porque os fios de onde ocorrerá o serviço em questão precisam ser desenergizados antes do serviço ocorrer. Nem o município nem estados, porém, fazem parte do contrato de concessão, nem tem interferência sobre ele. O papel da prefeitura, vale dizer, se concentra mais na parte de zeladoria das árvores, em parceria com a concessionária.
Roberto Pereira D’Araújo, do Instituo Ilumina, explica que essa divisão de responsabilidades e papéis torna-se difícil de realizar com a ausência de comitês regionais (que envolvam tanto a fornecedora de energia quanto o município) que tenham o foco de fiscalizar como está a infraestrutura de distribuição em áreas geográficas restritas, permitindo assim que se note com rapidez envolvendo árvores e postes.
— Quando foram construídas as usinas hidrelétricas no Brasil existia o que se chamava de comitês de bacia. Tudo era discutido ali. Transporte essa ideia para uma cidade, e chegamos à conclusão de que é preciso criar comitês de bairro. Claro, isso é influenciado pelo volume de funcionários na empresa (e na prefeitura). Mas hoje quando árvore muito alta, com a raiz destruindo a calçada cai em cima dos fios, fica difícil separar (cada responsabilidade). É preciso que a Enel participe com as prefeituras para avaliar onde deve ocorrer a poda ou não — afirma. — Para mim é muito difícil separar coisas inseparáveis.