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A recuperação judicial como estratégia gerencial
De proteção contra falência a estratégia de gestão, recuperação judicial ganha novo papel no Brasil
Por Natasha Giffoni
Cada vez mais frequentes são as notícias de empresas de pequeno, médio e, principalmente, de grande porte se socorrendo da recuperação judicial. Nos últimos anos, aliás, o país viu empresas referências em seus setores sendo contempladas por esse instituto jurídico. De acordo com dados da Serasa Experian, o Brasil registrou, em 2024, um total de 2.273 pedidos de recuperação judicial feitos. Foi o maior índice já registrado desde o início da série histórica em 2014 – um aumento de 61,8% em relação a 2023.
Não há como negar que a recuperação judicial é uma estratégia legítima para empresas que buscam renegociar suas dívidas, a fim de afastar uma possível e iminente falência, possibilitando, assim, a continuidade de suas atividades, manutenção dos empregos e preservação da função social da empresa.
Foi esse, na realidade, o principal objetivo do legislador: entregar aos empresários uma forma segura de reestruturar a empresa, de renegociar dívidas com os seus credores, de suspender as execuções ajuizadas contra o devedor, de inviabilizar a constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, de implementar um plano de adimplemento dos débitos, e, desta forma, buscar reequilibrar suas contas, com o aval e acompanhamento judicial.
O art. 6º da Lei 11.101/05 expressamente concede ao devedor um período de suspensão das cobranças, conhecido como stay period. Trata-se de um prazo de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, dando ao empresário a oportunidade renegociar dívidas, ajustando e/ou melhorando seu fluxo de caixa, valendo-se de uma estratégia negocial para aquisição de mais prazo no adimplemento dos seus débitos.
Entretanto, que vem sendo cada mais debatido é que basta o acompanhamento de um único dia de julgamento em uma das Câmaras Empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Sendo assim, discussões éticas a parte, empresas estão se valendo da recuperação judicial como estratégia negocial, sem que necessariamente exista uma crise financeira efetiva e real.
Nos casos que se somam nas Câmaras do Tribunal mais movimentado do país, são diuturnamente julgados pedidos de recuperação judicial apresentados por empresas com o único objetivo, segundo o entendimento dos julgadores, de renegociar dívidas extraconcursais, muitas das vezes envolvendo, por exemplo, alienações fiduciárias. Nessas situações, as dívidas incluídas na recuperação judicial são consideravelmente menores do que as excluídas do procedimento, mas que, nem por isso, deixam de ser renegociadas.
Sob outro ponto de vista, há também recursos evolvendo grandes conglomerados econômicos que, aproveitando-se da iminente conversão da recuperação judicial em falência de uma empresa menor de seu setor, adquiriram ativos dessas pessoas jurídicas a preços mais baixos, ganhando mais força e mais presença em seus mercados.
Seja como for, é certo que a crescente adoção da recuperação judicial como estratégia gerencial evidencia uma mudança na cultura empresarial, que passa a encarar a crise não como um fim, mas como uma oportunidade de reestruturação e, a depender da posição que ocupa na relação, de maiores ganhos. Do ponto de vista jurídico, essa tendência demanda uma maior eficiência na tramitação dos processos, bem como uma atuação mais colaborativa entre empresas, credores e o Poder Judiciário.
Economicamente, o aumento de pedidos pode indicar uma maior maturidade na utilização de instrumentos jurídicos para a gestão de crises, contribuindo para a preservação de empregos e para a estabilidade do mercado. Contudo, também levanta questões sobre o uso estratégico excessivo ou inadequado da recuperação judicial, o que pode gerar distorções e impactos negativos na concorrência e na saúde financeira do sistema.
Não por outra razão que se mostra cada vez mais importante que essa ferramenta seja utilizada de forma responsável e adequada, garantindo que sua aplicação contribua para a saúde do mercado, a preservação de empregos e a sustentabilidade das empresas – algo que, a exemplo do que se vê no Tribunal de Justiça de São Paulo, vem sendo fortemente preservado pelo Judiciário. Assim, a recuperação judicial deixa de ser apenas uma medida de proteção jurídica e passa a ser uma estratégia gerencial inteligente, alinhada aos princípios de gestão de risco e de valor a longo prazo.
Natasha Giffoni Ferreira, sócia do escritório Volk & Giffoni Ferreira Advogados
https://monitormercantil.com.br/a-recuperacao-judicial-como-estrategia-gerencial/