PORTFÓLIO

A MP 1303 e a tributação de investimentos
A MP 1303 traz mudanças significativas na tributação de rendimentos e afeta investidores e ativos financeiros
Por Júlio César Soares
(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
A MP 1.303/2025 estabelece novas regras para a tributação de rendimentos de investimentos como ações, fundos, derivativos e criptoativos, além de determinar alíquotas de IR para diferentes tipos de investidores, como pessoas físicas, jurídicas e investidores estrangeiros. A MP foi concebida como alternativa ao aumento do IOF por decreto — caminho juridicamente possível, mas politicamente desgastante — e tenta reorganizar a tributação de aplicações financeiras e de ativos virtuais com uma lógica mais uniforme e previsível. A MP passou nessa terça pela Comissão Mista do Congresso e precisa ser apreciada hoje em ambas as casas do legislativo.
O coração da MP é a criação de uma alíquota única de 17,5% de IR para a maioria das aplicações financeiras, a partir de 2026 — medida vendida como simplificação e isonomia entre prazos e produtos. No Congresso, há previsão de aumento do IR sobre Juros sobre Capital Próprio, embora haja sinalização de calibragem, além de CSLL mínima de 15% para fintechs. Em paralelo, houve recuo relevante: LCI, LCA, LIG, CRI/CRA e debêntures incentivadas permanecem isentas, após forte resistência do agro e de setores de infraestrutura. No bloco de “receitas de curto prazo”, havia previsão de aumento da carga sobre bets, afastada pela previsão de um regime especial de regularização para ativos e recursos não declarados, sobretudo ligados a apostas e a ativos virtuais.
Por que o governo insiste? A MP preenche espaço de arrecadação já embutido nas contas: nas estimativas divulgadas, R$ 10,6 bilhões em 2025 e R$ 18,3 bilhões em 2026 — valores que, mesmo sujeitos a “encolhimento”, seguem relevantes para a meta do próximo ano. Se a MP cair, a perda potencial somada em 2025–2026 pode se aproximar de R$ 35 bilhões, a depender do que se preserva ou se substitui. Do ponto de vista do Orçamento, 2026 foi proposto com meta de superávit primário de 0,25% do PIB (R$ 34,3 bilhões); a IFI do Senado, porém, vê um cenário apertado e calcula esforço adicional para alcançar a meta, com diferenças relevantes de premissas macroeconômicas em relação ao governo. Em termos simples: cada bilhão conta.
Há ainda um incentivo institucional: sob o arcabouço fiscal, o crescimento real das despesas primárias no ano seguinte depende do desempenho fiscal do ano corrente. Se o resultado fica abaixo, a regra aperta. Em outras palavras, falhar em 2026 reduz o espaço de gasto em 2027. Isso explica a urgência política de “selar” parte das receitas agora, ainda que com concessões.
Se a MP não passar, o governo tem três trilhas imediatas. A primeira é administrativa: apertar a execução via decreto de programação orçamentária e financeira, impondo limitação de empenho nas despesas discricionárias para proteger as obrigações constitucionais, como saúde e educação, e as despesas obrigatórias (previdência, pessoal). A Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria prática orçamentária conduzem esse movimento de ajuste quando a receita frustra a meta. A segunda é legislativa: reembalar partes da MP em PL/PLP, insistir em ajustes de benefícios tributários com maior chance de aprovação e reforçar transações tributárias e medidas de conformidade. A terceira, juridicamente possível, mas politicamente delicada, seria voltar o IOF por decreto — caminho que desencadeou a crise original e que o governo tem tentado evitar justamente com a MP.
No tabuleiro político, o mais provável é a aprovação com concessões: preserva‑se o núcleo da alíquota única de 17,5% e parte dos ajustes em JCP/CSLL/PIS‑Cofins, mantendo as isenções caras a segmentos organizados. Esse desenho reduz a potência arrecadatória inicial, mas salva uma fração dos bilhões que líderes governistas tentam resguardar. Se caducar, o custo não é só contábil: o governo entra em 2026 com menos fôlego para investimentos e programas, alimentando a narrativa de “gastar melhor x arrecadar mais”, num ano de disputa política intensa. O Congresso, por sua vez, carrega para a agenda de 2026 temas sensíveis — créditos de PIS/Cofins, JCP e conformidade de bets/ativos virtuais —, prolongando a incerteza que afeta planejamento de empresas e de investidores.
Em suma, a MP 1.303 contém aumento de impostos, mas também representa um rearranjo do tabuleiro tributário para fechar o capítulo 2026 do Orçamento, cuja coerência exigirá escolhas. Aprovar com ajustes mantém previsibilidade e um mínimo de receita nova; deixar cair significa contingenciar e recomeçar a negociação por outras vias, sob as amarras do arcabouço. Em qualquer cenário, transparência e estabilidade na tributação do mercado financeiro são condições essenciais para que o país cresça.
Júlio César Soares, Especialista em Direito Tributário, sócio da Advocacia Dias de Souza
https://monitormercantil.com.br/a-mp-1303-e-a-tributacao-de-investimentos/