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A liberdade de expressão em assembleias sociais: um direito em debate
O recente julgamento do processo nº 1096756-45.2023.8.26.0100 pela 30ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) apresenta uma importante reafirmação da liberdade de manifestação de pensamento no contexto societário.
O caso analisado envolvia a impugnação da candidatura de um participante ao conselho de uma empresa, fundamentada em informações de domínio público sobre o impedimento do candidato, relacionadas a uma falência anterior. A impugnação resultou em uma ação judicial, na qual o candidato alega ter sofrido danos morais em decorrência do questionamento feito em assembleia.
A sentença proferida pelo tribunal, ao julgar improcedente o pedido de indenização, destacou a importância da liberdade de expressão no ambiente empresarial, em especial quando o debate se dá em torno de questões relevantes à administração e à governança de uma empresa, reforçando a proteção ao direito de expressão em ambientes empresariais, onde debates sobre qualificação e a idoneidade de candidatos a cargos administrativos são naturais e necessários.
Manifestação foi respeitosa e não causou dano moral
O ponto central do julgamento foi a necessidade de ponderar o direito à liberdade de manifestação, protegido pela Constituição, e o direito à honra e imagem do candidato envolvido.
No caso em questão, a juíza Priscilla Bittar Neves Netto, da 30ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, concluiu que a manifestação feita durante a assembleia foi objetiva, respeitosa e baseada em fatos verídicos e de conhecimento público, sendo legítimo que os sócios questionassem a qualificação de seus pares, principalmente em função de fatos que poderiam impactar a condução dos negócios da sociedade.
Essa decisão é um marco importante na definição dos limites da liberdade de expressão no contexto societário, em que a troca de informações e o questionamento dos sócios constituem direitos básicos e fundamentais para a boa governança. Ao se basear em premissas verdadeiras, a manifestação, ainda que contrária aos interesses de um candidato, não pode ser considerada ofensiva ou difamatória. A sentença reforçou que, no ambiente empresarial, a transparência e o debate são essenciais para a tomada de decisões bem informadas e para a preservação dos interesses da sociedade.
A decisão ainda reconheceu que a simples discordância de um candidato ou sócio em relação a um questionamento levantado em assembleia não é suficiente para configurar dano moral. O direito à liberdade de expressão, quando exercido dentro dos limites legais, deve prevalecer, especialmente em situações em que a manifestação visa proteger os interesses da empresa e dos demais sócios.
Âmbito societário requer discussões francas
O reconhecimento da legitimidade de manifestações baseadas em fatos concretos e públicos contribui para a construção de um ambiente corporativo mais transparente e democrático, em que as deliberações sobre a gestão da empresa podem ser feitas de maneira aberta, sem receio de represálias judiciais.
Esse caso é emblemático porque realça a importância da liberdade de expressão no ambiente corporativo, principalmente em assembleias, oportunidade em que questões sensíveis, como a eleição de conselheiros e administradores, são discutidas.
A decisão também possui um impacto preventivo, ao deixar claro que o ambiente societário demanda discussões francas e fundamentadas. Nesse sentido, a sentença protege não apenas a liberdade de expressão individual, mas também a governança empresarial, que se beneficia de um espaço aberto para questionamentos e análises rigorosas dos candidatos a cargos de liderança.
Em um contexto empresarial cada vez mais complexo e litigioso, o julgamento proferido pela 30ª Vara Cível do TJ-SP estabelece um importante precedente para evitar a censura e incentivar a participação ativa de todos os sócios nas deliberações. As implicações dessa decisão repercutirão no mundo corporativo, onde a transparência e a troca de opiniões são fundamentais para a longevidade e o sucesso das organizações.
Dessa forma, a sentença proferida no processo nº 1096756-45.2023.8.26.0100 representa um avanço significativo na proteção ao direito de livre expressão em assembleias societárias, servindo como norte para futuras discussões que envolvam a intersecção entre liberdade de pensamento e responsabilidade jurídica no ambiente empresarial.
Lucas Sampaio Santos
é advogado do Abe Advogados