PORTFÓLIO
A história da falsa holding que sumiu do mapa com milhões dos investidores
E-Investidor conversou com vítimas e teve acesso a mais de 40 processos abertos contra a Plan B Holding; procurada, a empresa não respondeu
Luíza Lanza
Amanda tinha acabado de passar por um divórcio e queria organizar melhor as contas nesta nova fase da vida. Marcela havia saído do trabalho e, com o dinheiro que recebeu do acordo, decidiu que era a hora de começar a investir. Lara até já conhecia o mercado de capitais, mas recebeu de uma amiga a indicação de um produto de investimento que prometia um bom retorno. Todas elas investiram com a Plan B Holding entre 2022 e 2023 e perderam tudo.
Inscrita sob o CNPJ 40.839.423/0001-14, a empresa era voltada para o planejamento financeiro e patrimoniale captava dinheiro de investidores em um contrato de sociedade para aplicar em empreendimentos imobiliários, um fundo voltado ao investimento em uma fazenda de gado e algumas aplicações off shore.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, tem mais de 40 processos judiciais abertos entre 2023 e 2024 contra a Plan B. O E-Investidor tentou contato com a empresa e com Rodolpho Barbosa de Almeida, responsável pela companhia e acusado por crimes de estelionato, a partir dos canais de comunicação disponíveis no site da empresa, que saiu do ar no início deste mês, e pelo escritório de advocacia que representa Rodolpho e a Plan B, por telefone e e-mail. Todas as tentativas sem sucesso. A reportagem também falou com Karolyna Barroso Alves, a consultora financeira responsável por indicar a empresa para alguns clientes, e que diz ter sido lesada pela operação.
A operação da Plan B
As histórias descritas nas petições judiciais, as quais o E-Investidor teve acesso, são muito parecidas com as de Amanda, Marcela e Lara – nomes fictícios utilizados a pedido das vítimas. Somados, os valores presentes nas ações ultrapassam a cifra do milhão.
O investimento era realizado a partir de um Instrumento Particular de Constituição de Sociedade em Conta de Participação (“SCP”), uma forma de associação entre duas ou mais pessoas para realizar um projeto. Na prática, um investidor aporta capital em uma empresa em condição de “sócio”, mas sem participar da administração do negócio.
O SCP com a Plan B tinha como objetivo investir nos outros braços da holding: a Plan B Agrotech, a R2 Pharma Distribuidora de Medicamentos, a Plan B Empreendimentos Imobiliários e a Plan B Empréstimos. Os termos do contrato determinavam que o prazo do investimento seria de 6 meses, podendo ser renovado caso fosse a vontade do investidor. A liquidação levaria 45 dias corridos, mas os lucros deveriam pingar mensalmente na conta, acompanhados por um aplicativo da empresa.
A promessa era que um aporte de R$ 10 mil em um fundo de renda fixa daria um retorno de R$ 11,8 mil em seis meses, o equivalente a 18% de rentabilidade acumulada, conforme indicado neste e-mail enviado pela companhia a uma das vítimas:
Simulação de um “fundo de renda fixa”, enviado pela Plan B a investidores por email.
Em termos de comparação, o retorno do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) nos últimos seis meses deste ano foi de 5,18%, mesmo com a taxa Selic na casa dos dos dígitos. Isso significa que uma aplicação de R$ 10 mil em um fundo de renda fixa conservador ofereceria um retorno de R$ 518,34 no período, menos de um terço do prometido pela Plan B.
Segundo os relatos, a aplicação funcionava no início, mas as coisas começaram a desandar ao final de 2022. A Plan B primeiro parou de pagar o rendimento, depois começou a enviar comunicados informando que não seria possível devolver os valores investidos.
Em 17 de março de 2023, a companhia informou que executaria um processo de auditoria durante 20 dias para “apresentar aos seus sócios investidores os relatórios financeiros da empresa com um respaldo jurídico e contábil de modo que todos sócios investidores saibam como está a alocação de cada recurso e o porquê de algumas questões sobre a falta de liquidez da empresa“. Nesse período, o aplicativo seria desativado.
Até agosto do último ano, a empresa seguiu enviando comunicados vagos, adiando o prazo de apuração das “causas que afetaram suas operações e seu fluxo de caixa“. Se algum investidor questionava e pedia o resgate dos valores, a companhia dizia que “muitos de vocês solicitam um prazo mais específico para a resolução do problema, mas é impossível prever com exatidão. Por exemplo, um determinado ativo que estimamos negociar em 30 dias pode atrasar, prolongando a negociação por até 120 dias. Infelizmente, essas questões fazem parte do negócio.”
Mas a comunicação logo parou. Os dois canais de atendimento disponibilizados pela companhia, um e-mail e um número de whatsapp, que pertence a uma outra pessoa, não respondiam. As vítimas relatam que nunca tiveram um retorno das mensagens enviadas via celular. A reportagem também tentou contato pelos dois canais; ambos sem resposta.
O endereço no bairro de Pinheiros, na capital paulista, também não pertence mais ao escritório. Trata-se do edifício comercial Ahead, na região da Faria Lima. Por telefone, funcionários informaram que a Plan B já não atua mais ali “há muito tempo”.
Nem Amanda, nem Marcela e nem Lara conseguiram contato com a companhia ou com seu dono e seguem até hoje sem reaver os valores investidos. Dentre os processos judiciais disponíveis no site do TJSP, há alguns em que a Justiça já julgou o pedido como procedente; ou seja, a vítima ganhou a ação. Mas, segundo advogados, mesmo nestes casos ainda não houve quem conseguisse restabelecer os valores perdidos.
Além da perda financeira, o trauma
“Sou super desorganizada com as finanças e, assim que me separei, contratei uma consultora financeira para me ajudar a guardar dinheiro. Quando ela me indicou esse investimento com a Plan B, tudo estava ok e não tinha motivo para achar que ela ia me colocar numa enrascada”, conta Amanda, que tinha investido R$ 10 mil na empresa.
Sem muito domínio sobre o mercado de investimentos, ela confiou nas indicações que recebia de Karolyna Barroso Alves, a consultora que contratou e é um ponto em comum entre as vítimas ouvidas pela reportagem. Marcela, que perdeu cerca de R$ 50 mil com o golpe, também era cliente da Karol.
“Eu sou mais conservadora, mas o investimento parecia legal. Fiz um primeiro aporte e acompanhava o rendimento no aplicativo todos os meses”, conta. “Depois começaram os problemas, com o aplicativo sem funcionar.” Marcela até pensou em entrar com um processo judicial para tentar reaver o valor perdido, mas desistiu após ser desaconselhada pelo seu advogado. “Como o Rodolpho sumiu e tirou tudo do nome dele, se eu não ganhar o processo, ganho uma dívida”, explica.
O advogado de uma das vítimas disse ao E-Investidor que além da dificuldade de contato com a empresa e Rodolpho, o dono da Plan B não tem bens registrados no próprio nome. Ou seja, mesmo nos processos que caminharam na Justiça, não tem sido possível cumprir a sentença e exigir o pagamento dos valores pleiteados.
Mas Lara não desistiu. Ela tem um processo aberto contra a Plan B para reaver os R$ 300 mil que investiu nas diferentes empresas da holding. “É um golpe sofisticado, com contrato e tudo. Foi quase um assalto dentro da minha própria casa”, conta.
Para além das perdas financeiras, o golpe da Plan B ainda impactou a forma como ela se relaciona com o dinheiro. “Agora eu sou uma pessoa completamente travada para qualquer movimentação. Sempre que o corretor do banco me indica uma oportunidade eu digo não. Quase coloquei tudo debaixo do colchão”.
Nenhuma das três, apesar de terem conhecido a Plan B pela indicação da consultora financeira, acreditam que ela era aliada da operação de alguma forma. E Karolyna, que hoje trabalha com dicas de finanças com o marido, também alega ser mais uma vítima da Plan B.
Formada em engenharia civil, ela começou a trabalhar como consultora financeira em 2018 em uma consultoria amplamente conhecida por oferecer treinamentos e formação própria para novos profissionais no mercado financeiro. Rodolpho Barbosa de Almeida também trabalhava lá, antes de fundar a própria holding.
Em 2019, já trabalhando como consultora autônoma, Karol começou a fazer a ponte entre alguns clientes e a Plan B, que, à época, fazia apenas operações ligadas a câmbio. Ela tinha um contrato de prestação de serviço com a empresa e recebia uma remuneração pelos valores investidos com base em sua indicação.
Foi só ao final de 2022, que ela começou a perceber problemas na Plan B. O esposo, Liander Reis, vivia em Roraima e se mudou para São Paulo após o casamento, e recebeu um convite para trabalhar na empresa. “O Rodolpho fez essa proposta porque precisava de uma pessoa para cuidar da parte financeira e administrativa. Foi quando começamos a ficar a par dos negócios”, conta ela.
Quando tiveram acesso às contas da Plan B pela primeira vez, ela diz ter suspeitado que alguma coisa estava errada com a empresa. A consultora não repassou as suspeitas aos clientes que já tinham investido na companhia, mas diz ter parado de recomendar o investimento. Poucos meses depois, no início de 2023, a empresa bloqueou todos os valores.
Karol conta que também perdeu dinheiro com o golpe – não só investido por ela e Liander, e por familiares próximos que haviam confiado na Plan B por indicação dela, mas também a renda que tinha como consultora financeira. “Fomos lesados em mais de R$ 1 milhão, além dos clientes que perdemos.”
Até então, ela e o marido tentavam uma forma de resolver as coisas e reaver o prejuízo de “forma amigável”, pois ainda tinham contato com Rodolpho e seu advogado. Como Liander tem os extratos das movimentações da holding, ela diz que eles têm procurado orientação jurídica para abrir um processo contra a Plan B por crimes financeiros. Por enquanto, o casal ainda não tomou nenhuma medida concreta.
Por ter ligação com a Plan B e ser, em muitos dos casos, a pessoa que indicou o investimento, Karol também é citada em alguns dos processos em aberto no TJSP; nos que já tiveram parecer favorável da Justiça, ela não é mencionada.
Há ainda um boletim de ocorrência registrado em agosto de 2023 na Secretaria de Estado da Segurança Pública da Polícia Civil de SP contra ela e Rodolpho pelo crime de estelionato. “Ano passado, quando estava acontecendo tudo isso, eu tinha medo de parecer cúmplice, mas não tenho mais. Estou recebendo processos, mas é como se a pessoa estivesse processando um caixa de supermercado por um problema do supermercado”, diz.
Como se proteger de golpes financeiros
Investir em uma empresa falsa ou em um produto financeiro irregular traz não só consequências financeiras, mas também traumas emocionais e até mesmo problemas na Justiça. Para evitar ao máximo todo esse transtorno, existem algumas formas de se certificar quanto à segurança de um investimento antes de realizar o aporte.
- De olho nas empresas
O primeiro passo é pesquisar sobre a empresa que está oferecendo aquele serviço. Para atuar no mercado de capitais brasileiro, a corretora ou instituição financeira precisa estar registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e no Banco Central. É possível fazer uma busca pela Razão Social (nome) ou CPF/CNPJ do responsável da empresa no Cadastro Geral de Regulados, disponível no Portal CVM. Este é o site: https://sistemas.cvm.gov.br/?CadGeral.
À reportagem, a CVM informou ainda que mantém um canal aberto para orientação de investidores, sempre que necessário. Não encontrou a empresa do Cadastro ou ainda quer checar alguma informação? É possível entrar em contato direto com a autarquia para solicitar ajuda neste canal.
“Não havendo essa informação na CVM, já é um grande sinal de que a empresa não é segura”, diz Rodrigo Azevedo, economista, planejador financeiro e sócio-fundador da GT Capital. “Sempre recomendo a consulta do profissional que está o abordando e dos sócios responsáveis pela empresa. Uma pesquisa rápida através de sites de busca ou mesmo Linkedin podem evitar o cliente de iniciar relacionamento com um profissional sem experiência ou com histórico de fraudes no mercado financeiro.”
No site do Banco Central também é possível encontrar a lista de instituições autorizadas, reguladas ou supervisionadas pela instituição. Para pesquisar, é preciso saber o nome da empresa e o CNPJ, além do estado e município de funcionamento. Veja aqui.
Andressa Bergamo, especialista em mercado de capitais e sócia-fundadora da AVG Capital, dá outras duas dicas: feita a procura na CVM e no BC, faça uma busca na internet sobre aquela instituição para checar como é a reputação e se há, em alguma plataforma, algum tipo de reclamação ou denúncia contra aquele serviço que pretende contratar. “Sites como Reclame Aqui e redes sociais podem fornecer insights sobre a experiência de outros investidores”, pontua.
O suporte ao cliente da empresa também pode oferecer algumas pistas. “Empresas legítimas geralmente têm um suporte ao cliente eficiente. Testar o atendimento antes de contratar um serviço pode ajudar a identificar possíveis problemas”, reforça Bergamo.
Vale destacar que a Plan B não tinha registro, nem na CVM e nem no Banco Central. A página da empresa no Reclame Aqui tem 12 reclamações abertas. A mais recente foi publicada três meses atrás, enquanto a mais antiga aguarda uma resposta há dois anos. Todas falam do mesmo assunto: sumiço dos valores investidos e falta de atendimento ou retorno da empresa.
- E nos produtos de investimento
Para evitar golpes financeiros, é preciso ficar atento também ao produto de investimento oferecido. Promessas de rentabilidade muito elevada ou de retorno garantido já são motivos de alerta. A recomendação de Azevedo, da GT Capital, é manter a taxa Selic e o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) no radar.
Eles funcionam como um referencial de rentabilidade dos investimentos. Uma aplicação no Tesouro Selic, por exemplo, considerado um dos produtos de investimento de menor risco no mercado brasileiro, remunera o investidor com o mesmo retorno do CDI. Se a aplicação considerada “mais segura” tem esse retorno, qualquer coisa muito acima disso significa mais risco. “Quanto maior for essa diferença, somado ao discurso de rentabilidade garantida, mais próxima de uma fraude ou golpe essa oferta está”, ressalta Azevedo.
Em caso de dúvidas, entre em contato com associações de investidores ou instituições autorizadas para saber se aquele produto, os rendimentos e prazos oferecidos estão de acordo com a média do mercado. “Se algo parecer muito complexo ou confuso, consulte um assessor de investimentos ou outro especialista financeiro para interpretar as cláusulas mais difíceis”, diz Bergamo, da AVG.
- O que dá para ser feito
A reparação a vítimas de golpes financeiros pode ser demorada, mas é possível recorrer à Justiça. Cássio Barreto, sócio do escritório Paschoini Advogados, responsável pela área criminal empresarial, explica que usar uma empresa falsa para cometimento de ilícitos – ou seja, causar dano ou prejuízo a alguém a partir de práticas ilegais – no mercado financeiro pode configurar crime contra a economia popular e até estelionato. Neste caso, é preciso identificar as vítimas e os prejuízos sofridos de forma individual. Independentemente da imputação, é importante que a vítima noticie o crime à polícia por meio de um boletim de ocorrência.
“Esse ato é importante principalmente quando falamos de um grupo ou organização criminosa. Quanto mais denúncias chegarem à autoridade policial, maiores são as chances do reconhecimento do crime contra a economia popular e de estelionato”, explica Barreto.
Em paralelo, as vítimas de golpe também podem recorrer à justiça civil para reembolso dos valores perdidos. “É possível buscar ressarcimento na esfera cível por meio de uma execução de título judicial, no caso de haver um contrato entre as partes, ou mesmo uma ação de reparação de danos, que pode abarcar tanto danos materiais como morais”, diz o especialista.
https://einvestidor.estadao.com.br/educacao-financeira/plan-b-capital-holding-golpe-financeiro/