PORTFÓLIO
Para eleitoralistas, ordem de busca e apreensão na casa de Moro foi legítima
Por Karen Couto
Após ter o seu material de campanha ao Senado recolhido em razão de um mandado de busca e apreensão, além de ser obrigado a remover de suas redes sociais publicações consideradas irregulares, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) afirmou ser vítima de perseguição política por parte do Partido dos Trabalhadores — a federação da qual o PT faz parte foi a autora da ação que resultou na decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.
Em suas redes sociais, Moro disse que “o PT mostrou a ‘democracia’ que pretende instaurar no país, promovendo uma diligência abusiva em minha residência e sensacionalismo na divulgação do caso” e que “o responsável por um esquema de corrupção de bilhões de reais na Petrobras pode ser candidato sem ser incomodado. Agora muito cuidado com os perigosos santinhos e o tamanho da letra dos nomes dos suplentes do seu adversário. O PT não me intimidará, nunca conseguiu”.
Eis, então, que o destino pregou uma peça em Sergio Moro: alçado à fama nacional graças às ordens de busca e apreensão e condução coercitiva abusivas e sensacionalistas que distribuiu nos tempos em que era o comandante informal da autodenominada força-tarefa da “lava jato”, Moro agora se diz vítima… de uma ordem de busca de apreensão abusiva e sensacionalista.
Em sua decisão, o TRE-PR argumentou que o material de campanha de Moro tem desconformidade entre os tamanhos das fontes do nome do candidato a senador e dos seus suplentes. Segundo o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, a justificativa não se sustenta. No entanto, especialistas em Direito Eleitoral consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmam que a ordem de busca e apreensão no apartamento de Moro (que funciona como seu comitê eleitoral) foi legítima.
De acordo com Fernando Neisser, sócio do escritório Neisser e Bernardelli Advocacia e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, a decisão foi correta. “A lei impõe que em toda propaganda de candidatos ao Senado Federal conste a indicação dos suplentes, em fonte de tamanho não inferior a 30% daquela usada para o titular.”
Neisser destaca também que, “embora a regra pareça um detalhe, é de suma importância que a população tenha clareza sobre quem está elegendo junto com o titular, até por não serem poucos os casos de suplentes que assumem o mandato pelos mais diversos motivos. Se o candidato indicou sua residência como sede da campanha no momento do registro, era apenas lá que poderia se dar a medida de busca e apreensão”.
O sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados e especialista em Direito Público e Eleitoral Cristiano Vilela concorda que a decisão do TRE-PR foi acertada. “O pedido encaminhado pelo Partido dos Trabalhadores demonstrou a irregularidade de materiais de campanha elaborados pelo candidato Sergio Moro, motivo pelo qual, como de costume, ensejou o deferimento da realização de busca e apreensão no endereço informado à Justiça Eleitoral”.
Quanto ao fato de a diligência ter ocorrido na casa do candidato, Vilela destaca que “o ex-juiz informou à Justiça Eleitoral seu endereço residencial, razão pela qual teve sua residência como alvo da busca e apreensão”. Assim, a queixa do candidato sobre esse aspecto não tem fundamento. “O candidato Sergio Moro saiu à imprensa afirmando sofrer ataque do PT à sua candidatura. Esse discurso, entretanto, não condiz com a realidade, vez que a realização desse tipo de medida durante o processo eleitoral é bastante comum.”
“A decisão judicial foi absolutamente técnica e condizente com a legislação”, nas palavras de Renato Ribeiro de Almeida, advogado especializado em Direito Eleitoral na banca Ribeiro de Almeida & Advogados Associados. “É absurda a alegação de perseguição judicial. O que ocorre, na verdade, é o fato de que a propaganda eleitoral do candidato ao Senado não estava de acordo com a legislação eleitoral. Sendo assim, a Federação Brasil da Esperança, sob a liderança do advogado Luiz Peccinin, nada mais fez do que acionar a Justiça Eleitoral para que a lei fosse cumprida.” Segundo Almeida, “o ex-juiz poderia assumir o erro e adotar outro comportamento que não o de se dizer perseguido pela Justiça, comportamento, aliás, que sempre criticou quando exerceu a magistratura”.
Outro especialista em Direito Eleitoral, Marcellus Ferreira Pinto, também sustenta que a decisão foi correta. “Ficou comprovada a desconformidade do material de campanha objeto da medida de busca e apreensão. A lei eleitoral estabelece, de forma objetiva, as regras de conteúdo e forma da propaganda eleitoral, sendo legítima a atuação da Justiça Eleitoral para coibir ilegalidades.” O advogado ressalta que, em razão de Moro ter sido magistrado por muitos anos no Paraná, a crítica ao Judiciário é um tanto descabida. “Quanto ao argumento do candidato Sergio Moro no sentido de que houve abuso, vale a pena lembrar que ele está sendo tutelado pelo mesmo sistema normatizador que ele próprio criou e alimentou.”
Exagero de conduta
Embora considere que a decisão do TRE-PR tenha acertos, o especialista em Direito Eleitoral Irapuã Santana afirma que ela contém excessos. “Embora o artigo 36, §4º, da Lei das Eleições estabeleça a proporção dos tamanhos das fontes dos materiais de campanha, não há qualquer definição sobre a penalidade a ser aplicada no caso de descumprimento. Nesse sentido, caberia ao magistrado analisar, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o desfecho mais adequado.”
Para ele, uma medida menos drástica poderia ter sido tomada no caso. “Nesse sentido, não se afigura, ao meu ver, a retirada de uma infinidade de santinhos, gerando um prejuízo relevante do ponto de vista pecuniário. No que tange à adequação das mídias sociais às regras eleitorais, não há nada a ser retocado. Entretanto, há outro ponto que precisa ser refletido, com base na necessidade de haver uma regra que discipline o tamanho de fonte de uma propaganda eleitoral. Seria ela justificada dentro de uma perspectiva da limitação da liberdade?! Não é possível apontar uma harmonia com tal direito fundamental.”
Para casos como o de Moro, Santana sugere a possibilidade de imposição de multa ao candidato. “Se, ao invés da apreensão dos materiais da campanha, houvesse a imposição de uma obrigação de não mais fabricá-las em desconformidade com a legislação eleitoral, sob pena de multa, mas permitindo a circulação daquilo que já foi impresso, penso que seria uma solução média que equilibraria o respeito às regras eleitorais e o desperdício de dinheiro público, proveniente do Fundo Eleitoral.”
A advogada Marina Moraes concorda que o material produzido pelo candidato ao Senado estava irregular, mas ela também viu a decisão como exagerada. “Eu considero que a medida tomada pelo TRE-PR foi excessiva. Desde já parabenizando o brilhante trabalho da banca de advogados que conseguiu a decisão, penso que medidas menos drásticas poderiam ter surtido efeito, por exemplo, determinando-se o depósito do material em juízo e cominando a aplicação de multa em caso de permanecer a veiculação.”
Karen Couto é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2022
https://www.conjur.com.br/2022-set-04/eleitoralistas-busca-apreensao-casa-moro-foi-legitima