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Eleitores insatisfeitos com o resultado das eleições podem obstruir as rodovias do país?

3 de novembro, 2022

Marcela Tolosa Sampaio,  Advogada do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados. Integrante da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP e membra do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM.

No último dia 30 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Jair Messias Bolsonaro e foi eleito, pela terceira vez, presidente do Brasil. Em consequência do resultado eleitoral, grupos de caminhoneiros e outros apoiadores do atual presidente começaram a fechar rodovias do País.

De acordo com relatório da Polícia Rodoviária Federal, os eleitores frustrados bloquearam parcial ou totalmente rodovias de 25 estados e do Distrito Federal. Alguns pedem intervenção militar, outros alegam fraude nas eleições presidenciais e a maioria afirma não aceitar o resultado das urnas.

A frustração com a derrota do candidato do PL é legítima, faz parte do ambiente democrático, contudo, ao transmutá-la em bloqueios de rodovias e discursos de subversão da ordem constitucional, os manifestantes estão sujeitos a terem seus direitos fundamentais restringidos. Isso, pois, “[a]inda que haja um claro direito prima facie a realizar reuniões em todos esses locais, isso não significa que haverá sempre um direito definitivo de fazê-lo” [1].

O direito de reunião, consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XVI, não é absoluto. Seus limites são impostos pelos demais direitos e garantias previstos no texto constitucional, como por exemplo, o de livre locomoção, insculpido no artigo 5º, inciso VX.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, inclusive, assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, mas afirma que seu exercício está “sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas” (Art. 15, Decreto 678/1992).

Alexandre de Moraes, em meio às manifestações de 2013, nas quais se pleiteava a diminuição do valor das passagens de ônibus e metrô em São Paulo, também promovendo o bloqueio de vias públicas, reafirmou a posição há muito já consolidada na Corte de Cúpula de que inexistirem direitos soberanos. Hoje ministro do STF e um dos principais alvos dos apoiadores do presidente em derradeiro exercício afirmou: “os movimentos reivindicatórios de grupos socialmente organizados ou não, por meio de reuniões e passeatas, não podem obstar o exercício, por parte do restante da sociedade, dos demais direitos fundamentais” [2].

Isso significa, portanto, que os manifestantes têm o direito de externalizarem suas insatisfações, ainda que estas não sejam capazes de alterar o soberano resultado das urnas, no entanto, não podem fazê-lo bloqueando rodovias nacionais por tempo indeterminado, pois, ao assim agirem, prejudicam milhares de brasileiros, seja impedindo o exercício do direito de ir e vir, seja retardando o transporte rodoviário de alimentos, combustíveis e insumos em geral.

Não por outro motivo, os juízes federais do Rio de Janeiro[3], Rio Grande do Sul[4] e Mato Grosso do Sul[5] proibiram os bloqueios de rodovias federais por apoiadores do atual presidente. Além disso, o ministro Alexandre de Morais também ordenou a liberação imediata das estradas paralisadas por manifestantes[6].

Em atendimento às decisões liminares, as forças públicas estão promovendo a desobstrução das rodovias e, ao contrário do que muitos manifestantes estão bradando por aí, tal ato está longe de representar censura. Conforme muito bem ponderou o presidente do TSE, frente a esta situação, se faz necessário harmonizar os direitos de reunião e livre locomoção “de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em atrito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas e buscando o bem-estar de uma sociedade democrática”[7].

Em outras palavras, o desbloqueio das rodovias não representa censura alguma, pois, os eleitores frustrados não estão proibidos de demonstrarem descontentamento com o presidente eleito, apenas lhes foi determinado que se manifestem da mesma maneira como sempre exigiram que os movimentos de esquerda fizessem: de forma ordeira, pacífica e sem impedir o livre trânsito dos demais brasileiros.

Notas

[1] SILVA, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Edusp, 2021, p. 184.

[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-jun-14/justica-comentada-passeatas-sao-legitimas-respeitar-democracia

[3] Processo nº 5002093-68.2022.4.02.5113.

[4] Processo nº 5057308-28.2022.4.04.7100.

[5] Processo nº 5009074-44.2022.4.03.6000.

[6] ADPF 519.

[7] Voto do e. Min. Alexandre de Moraes na ADPF 519.

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/eleitores-insatisfeitos-com-o-resultado-das-eleicoes-podem-obstruir-as-rodovias-do-pais/

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