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Governo Lula quer regras para greve de servidor público

23 de dezembro, 2025

Governo Lula quer regras para greve de servidor público

Projeto que será encaminhado ao Congresso vai prever fatia que não pode paralisar e regulamentar direito à negociação salarial

Por Ruan Amorim — De Brasília

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende encaminhar nos primeiros meses de 2026 ao Congresso Nacional um projeto de lei que estabelece regras para a realização de greve no serviço público, assim como regulamenta o direito à negociação salarial e das relações de trabalho.

A proposta estabelecerá um contingente mínimo de trabalhadores que não podem paralisar, a fim de garantir a continuidade dos chamados serviços essenciais. Também prevê que o direito de negociação seja anual, salvo em situações em que já exista acordo com prazo de vigência maior.

O objetivo das mudanças é responder a uma demanda antiga do funcionalismo e avançar na formalização das regras que orientam a relação entre o Estado e seus servidores, especialmente quanto à legalidade e aos limites da realização de greves.

Elaborada de forma conjunta pelo Executivo e por entidades representativas dos servidores, a proposta foi construída pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). O grupo é coordenado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e é igualmente dividido entre ministérios como Casa Civil e Trabalho e Emprego, de um lado, e centrais sindicais, do outro.

Em entrevista ao Valor, o secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), José Lopez Feijóo, afirma que, nos acordos de vigência maior do que um ano, os termos acertados permanecerão válidos até o fim do período estabelecido. A regra evitará que o tema volte à mesa de negociação antes do encerramento do acordo.

“Nós discutimos e assinamos acordos salariais até o fim de 2026. Agora, apenas em 2027 se retoma a negociação sobre essa questão salarial, porque até 2026 está concluído. Então, este tema não pode mais vir para a mesa.”

A proposta também definirá um contingente mínimo de trabalhadores que não podem paralisar para garantir os serviços essenciais, como o funcionamento de hospitais. No caso da área de saúde, será de pelo menos 50%. Segundo Feijóo, atividades como o atendimento de emergência e o fornecimento de medicamentos não poderão ser interrompidas.

O texto também vedará a paralisação das Forças Armadas e das forças de segurança, mas abrirá a possibilidade de negociação, que não existe neste momento. Atualmente, as carreiras policiais brasileiras já são proibidas de fazer greve pela natureza do serviço essencial que prestam à sociedade.

“Não podem fazer greve, mas têm direito à negociação garantida. Então, solução para as coisas terão. Mas não é legal que a polícia armada vá para a rua fazer greve. No mundo não se admite isso”, explica Feijóo.

O projeto trará regras mais detalhadas para o serviço público federal, mas também estabelecerá diretrizes que poderão ser adotadas por governos estaduais e prefeituras. Nesses casos, caberá a Estados e municípios fazer a regulamentação.

A medida será apresentada para solucionar uma lacuna deixada pela Constituição de 1988, que reconheceu o direito de organização sindical do funcionalismo, mas que, segundo Feijóo, não assegurou o direito à negociação coletiva – o que também impacta a regulamentação das greves no setor.

“O resultado é que muitas das greves que a gente assiste no funcionalismo, principalmente em Estados e municípios, são greves para forçar a negociação. Não são greves porque estava negociando, teve um impasse, correlação de forças”, explica.

Além disso, a Constituição de 1988 assegura o direito de greve aos servidores públicos, mas condiciona o seu exercício à regulamentação em lei específica, o que nunca ocorreu.

“Servidor não sabe se aquela greve que está promovendo vai ser julgada legal ou não”
Marcos Jorge

Diante disso, o Brasil aprovou e ratificou, em 2010, a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com o secretário, o direito à negociação no serviço público já está previsto nas diretrizes do tratado, do qual o país é signatário, mas que nunca foi regulamentado. Por isso, afirma, a proposta do governo buscará colocar em prática as diretrizes da convenção.

O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, avalia que a proposta poderá não agradar a uma parcela expressiva dos servidores. A principal divergência, esclarece, serão os percentuais obrigatórios de trabalhadores que não poderão parar em cada área e a definição das atividades essenciais.

“Esses serão impasses que a gente terá que resolver, mas, à medida que [o texto] for encaminhado para o Congresso, a gente poderá fazer alguns debates e aprimorar a redação no que for possível”, diz.

O setor privado, de acordo com Marques, também poderá fazer pressão contra o projeto, devido ao receio de greves em áreas reguladas, o que poderá gerar a paralisação de alguns setores.

“Por exemplo, a fiscalização agropecuária. Se fiscais federais da agropecuária param, não há inspeção sanitária dos produtos importados pelo Brasil, e isso pode desencadear a paralisação de toda uma cadeia produtiva. Então, claro que o mercado está interessado em restringir ao máximo o direito [à greve]”, explica.

O presidente do Fonacate diz, também, que a proposta será fundamental para estabelecer data-base para as negociações e greves, o que não é assegurado atualmente e gera incertezas para o funcionalismo. “Tem que saber quando é que a negociação começa, qual é o roteiro que precisa cumprido por ambas as partes, a partir da apresentação de uma proposta, e quanto tempo o governo tem para dar uma resposta.”

Atualmente, as greves do funcionalismo são realizadas com base em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que garante, em casos específicos, a aplicação da lei de greve do setor privado.

No entanto, como a norma foi concebida para relações trabalhistas privadas, sua aplicação ao serviço público é parcial, explica Marcos Jorge, advogado, mestre em direito administrativo e coordenador jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados.

“O servidor não sabe se aquela greve que ele está promovendo vai ser julgada legal ou não. Traz incerteza para o servidor.”

A falta de regulamentação da greve abre brechas para descontos salariais e processos disciplinares para os servidores, ações que ocorrem quando a greve é julgada ilegal. Do lado do Estado, a omissão legislativa em torno desse direito leva à judicialização.

“Então, tem que ajuizar uma ação, mostrando ali que existe uma greve irregular. Geralmente, há decisões, ou dos tribunais de Justiça ou da Justiça do Trabalho, quando é o caso, e elas podem ser contraditórias, em prejuízo do Estado”, afirma o advogado.

Com a regulamentação, Marcos Jorge diz que a relação instável e conflitiva entre servidor, sindicato e administração pública, na hora da negociação dos direitos trabalhistas, se organizará. “Teremos maior racionalidade administrativa, pois essas greves, esses direitos pleiteados, podem passar a ser discutidos com base em limites fiscais”, diz.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/12/23/governo-lula-quer-regras-para-greve-de-servidor-publico.ghtml

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