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Explosão de fogos no Tatuapé: quem paga a conta? Entenda a responsabilidade de locatário, proprietário e vizinhos
Com danos a casas, comércios e patrimônio público, advogados apontam quem responde civilmente pela explosão no bairro da zona leste
Isabelle Miranda
Vitrines e fachadas de comércios foram danificadas, imóveis vizinhos tiveram janelas estilhaçadas e ao menos um trecho de calçada e mobiliário urbano também sofreu avarias. –
Uma explosão de fogos de artifício que atingiu parte do bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, na noite desta quinta-feira (14), provocou a morte de uma pessoa, deixou um extenso rastro de prejuízos materiais e abriu uma discussão inevitável sobre responsabilidade civil.
O incidente danificou imóveis residenciais e comerciais, atingiu veículos estacionados na região e provocou estragos em equipamentos do patrimônio público.
Agora, resta a pergunta: quem paga a conta? O proprietário do imóvel onde o material estava armazenado? Os vizinhos que tiveram prejuízos? O poder público? Ou todos eles, dependendo do caso?
A resposta passa por regras de direito civil, critérios de responsabilidade por uso anormal da propriedade e pela existência (ou não) de seguro contratado pelas partes envolvidas.
O que aconteceu em Tatuapé
Segundo informações preliminares do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, a explosão ocorreu em um imóvel onde havia armazenamento irregular de fogos de artifício.
A força do impacto provocou o desabamento parcial da estrutura e lançou destroços a diversos metros de distância.
Vitrines e fachadas de comércios foram danificadas, imóveis vizinhos tiveram janelas estilhaçadas e ao menos um trecho de calçada e mobiliário urbano também sofreu avarias. Moradores relataram tremores e barulho intenso, e equipes de perícia trabalham para confirmar a origem exata do material explosivo e a extensão dos danos.
Doze dos imóveis foram totalmente interditados e outros 11 foram interditados de forma parcial. De acordo com a Defesa Civil, a casa mais distante do ponto da explosão fica a 150 metros do endereço. Carros também foram danificados pela explosão.
Houve uma morte e outras dez pessoas ficaram feridas. Segundo investigações conduzidas pela Polícia Civil, a vítima fatal seria Adir de Oliveira Mariano, de 46 anos, que estava na residência no momento da explosão e está desaparecido desde então.
Adir tinha duas ocorrências pela polícia por soltar balões, que é uma prática proibida no Brasil. Os familiares e vizinhos disseram que não sabiam que o homem guardava fogos.
Quem é responsabilizado?
Para o professor Gustavo Haical, advogado e docente de Direito Civil da FGV/SP, a resposta jurídica é clara: o locatário e proprietário são responsáveis, com base nas regras de direito de vizinhança e no conceito de uso anormal da propriedade.
“Pelas regras de direito de vizinhança, a responsabilidade é do locatário e também do proprietário/locador, diante do uso anormal do imóvel”, explica Haical, sócio da Ernesto Tzirulnik Advocacia.
O armazenamento de explosivos em área residencial viola os limites de segurança e caracteriza atividade de risco, o que fundamenta a responsabilização civil.
A advogada Renata Mangueira de Souza, sócia do escritório Gasparini, Barbosa e Freire e especialista em processo civil, reforça essa leitura: “Na relação entre locatário e proprietário, a responsabilidade pelos danos é do locatário. Inclusive, muitos contratos exigem seguro para cobrir danos materiais e qualquer prejuízo durante a vigência da locação.”
Ela acrescenta que, mesmo assim, o proprietário não está isento quando o dano atinge terceiros. Segundo ela, o proprietário responde civilmente pelos danos causados aos vizinhos pelo uso indevido do imóvel, pois trata-se de uma área residencial, que não poderia ser utilizada para guardar fogos de artifício sem autorização.
Como fica a questão do seguro?
Em acidentes desse tipo, o primeiro passo é verificar se havia apólice contratada pelo locatário ou pelo proprietário. A ausência de seguro transfere integralmente para as partes responsáveis o ônus das indenizações.
Mangueira lembra que, no Brasil, a contratação de seguro para bens e imóveis ainda é exceção, e não regra: “Não é uma cultura da sociedade brasileira ter seguro para seus bens. Isso agrava o cenário de responsabilização.”
Quais processos podem ser movidos?
A explosão abre caminho para ações de responsabilidade civil movidas por vítimas diretas e indiretas. “No âmbito do direito privado, cabe ação de responsabilidade civil pelos danos materiais e pessoais decorrentes da explosão”, diz Haical.
Essas ações podem envolver:
- Reparação material (estrutura, veículos, bens danificados);
- Danos morais;
- Possível cumulatividade de pedidos, dependendo da gravidade e extensão do prejuízo.
Mangueira destaca que as ações serão analisadas pela Justiça cível, que determinará a condenação e fixará o valor dos danos devidos a cada vítima.
O cálculo de danos morais segue a tabela do STJ, que orienta valores para casos de risco, lesão e abalo psicológico.
E os danos aos imóveis vizinhos?
A responsabilidade é compartilhada entre o proprietário e o locatário. “O locatário e o proprietário respondem pelo uso anormal da propriedade, já que houve depósito de explosivos em local inadequado”, afirma Haical.
Mangueira complementa dizendo que o proprietário também responde civilmente pelos danos causados às vítimas, tanto materiais quanto morais.
O ponto sensível, e que pode dificultar a efetividade das indenizações, é a existência de patrimônio das partes responsáveis.
“A questão é saber se o proprietário terá patrimônio para responder pelas indenizações”, diz a advogada.
Com a combinação de danos estruturais, prejuízos em série e ausência de seguro, o caso do Tatuapé tende a resultar em ações civis, envolvendo moradores, comerciantes e o poder público.
Isabelle Miranda
Jornalista com especialização em Gestão de Mídias Digitais. Atua como repórter nos portais de notícias Money Times e Seu Dinheiro.





