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STJ julgará responsabilidade de fundos por perdas de cotistas

7 de novembro, 2025

STJ julgará responsabilidade de fundos por perdas de cotistas

A gestora de fundos Infinity Asset oferecia, além de renda fixa, operações com derivativos; desvalorização das cotas foi de quase 85%

Por Luiza Calegari — De São Paulo

Natália O. e Souza: “Há necessidade de maior diligência e transparência por parte das instituições”

(Foto: Divulgação)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar, pela primeira vez, se fundos de investimento podem ser responsabilizados por perdas financeiras de cotistas. Está em debate a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em processos em que investidores buscam ressarcimento pelas perdas com o fundo Infinity.

O processo será julgado na terça-feira pela 3ª Turma. O caso é de uma investidora que aportou R$ 100 mil no Infinity, que tinha sido divulgado como um fundo de pagamento D+0 (imediato) e recomendado para perfil conservador (REsp 2230861).

Fundada por David Jesus Gil Fernandez, a gestora Infinity Asset fazia operações com derivativos acima do limite para fundos de renda fixa, assumindo riscos além do permitido por sua classificação. No fim de 2022, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) retirou a certificação da gestora, o que culminou na primeira leva de saques. Em fevereiro de 2023, o fundo foi fechado por iliquidez dos ativos. A desvalorização das cotas foi de quase 85%.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga a possibilidade de fraude por parte de David Fernandez. A gestão anterior do Infinity também é alvo de investigação criminal na Justiça Federal de São Paulo por iniciativa dos fundos sucessores, Forte, Coral e Pipa, que estimam que cerca de seis mil investidores tenham sido prejudicados (processo nº 5009764-78.2023.4.03.6181). As carteiras hoje estão sob responsabilidade da Arm Capital, especializada em ativos estressados.

No processo que chegou ao STJ, o juiz de primeira instância condenou, solidariamente, o Vanquish Pipa (o primeiro sucessor do Infinity), a Modal (distribuidora que hoje pertence à XP) e a RJI Corretora a ressarcir a autora em R$ 100 mil mais correção monetária e juros de 1% ao mês.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), com base em jurisprudência do STJ. O REsp nº 1785802 diz que “o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor)”.

Para a 5ª Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do TJGO, ficou demonstrada a “má gestão do fundo e o inequívoco prejuízo causado aos pequenos investidores”, que não são detentores “de informações privilegiadas que permitem a antecipação de movimentos diante de gestões temerárias, ineficientes e mesmo fraudulentas”.

A decisão do TJGO não é isolada. A gestão atual dos fundos tem conhecimento de mais de 140 ações ajuizadas por cotistas. Em boa parte dos casos, o entendimento dos tribunais tem sido pela responsabilização solidária dos fundos, corretoras e distribuidoras.

Ao menos outros três processos já chegaram ao STJ, tanto na 3ª quanto na 4ª Turmas, mas ainda não têm julgamento marcado. Um deles, com origem no TJSP, ordenou o bloqueio de R$ 50 mil em favor de um investidor. Considerou que tanto a corretora quanto a distribuidora e o fundo são partes legítimas do processo, pois “integram sem dúvida a cadeia de consumo e a relação jurídica em debate” (AREsp 3032230).

O TJDFT também entendeu que o CDC se aplica à situação, e que “a administradora e a gestora da carteira de investimentos compõem a cadeia de consumo e têm responsabilidade objetiva e solidária pelos prejuízos causados aos cotistas, caso tenham concorrido para a causa do dano” (AREsp 3025467).

O terceiro caso também é proveniente do TJGO. O investidor pediu o resgate de R$ 1,7 milhão um dia antes do fechamento do fundo e do aumento do prazo de resgate para 75 dias, em fevereiro de 2023.

Segundo a 4ª Turma Julgadora da 10ª Câmara Cível, “a subcontratação de gestor de carteiras ou de agente custodiante pelo administrador de fundo de investimento perfaz uma cadeia de consumo, de modo que há responsabilidade solidária de todos os fornecedores de que dela participam” (AREsp 3018488).

Natália Olivência e Souza, do Abe Advogados, defendeu o investidor nesse processo e afirma que a distribuidora dos títulos fez uma campanha publicitária dos fundos Infinity quando já havia investigação concluída apontando o descumprimento de normas de autorregulação pela Infinity Asset, que resultou em seu descadastramento pela Anbima.

“Esse fato reforça a necessidade de maior diligência e transparência por parte das instituições envolvidas, inclusive por parte da instituição financeira, cujo dever perante o investidor é de informação e transparência”, diz.

Os defensores dos fundos, por sua vez, esperam que o STJ exclua os ativos financeiros da condenação porque eventual obrigação de ressarcir investidores que tenham recorrido à Justiça só prejudicaria os demais cotistas que investiram no produto.

O advogado Felipe Demori Claudino defende os fundos no STJ. Ele afirma que o Brasil está sempre atrás dos demais países nas discussões sobre o mercado de capitais. Diz que nos mercados maduros há entendimento pacificado de que os fundos não podem ser responsabilizados. “Se tiver um resultado negativo, vai ser um desastre para a indústria de fundos. Qualquer investidor vai poder processar qualquer fundo por perdas financeiras”, afirma.

Os fundos citam o Ofício 126 da CVM, de dezembro de 2023, em que a entidade não comenta a regularidade da proposição de ações judiciais, mas explica que “todos os ativos do fundo pertencem a todos os cotistas nas proporções respectivas das participações por eles detidas”.

Assim, “o ajuizamento de uma ação contra um fundo de investimento representa em última instância uma demanda contra os próprios cotistas do fundo, na medida em que são eles, por via de impactos sofridos no valor das cotas por eles detidas, que arcam com quaisquer despesas, inclusive de natureza ressarcitória, devidas pelo fundo”.

Amin Murad, sócio-fundador da Arm Capital, hoje responsável pela gestão dos fundos, defende que o precedente pode impactar todo o mercado de capitais. “Condenar um fundo a ressarcir um cotista por perdas da carteira é equivalente a condenar os demais cotistas a uma nova perda, criando um precedente perigoso para a indústria de fundos.”

Procurada pelo Valor, a XP não quis comentar. Nos processos, alega não ser responsável pela gestão dos fundos, mas mera intermediária. A RJI também nega a responsabilidade pela gestão dos fundos. Diz que decisões judiciais têm absolvido a empresa com base nisso e, nos processos, que as perdas são inerentes aos riscos do mercado financeiro.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/11/07/stj-julgara-responsabilidade-de-fundos-por-perdas-de-cotistas.ghtml

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