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Decisão do TJRJ sobre Ambipar abre debate sobre foro em recuperação judicial
Especialistas afirmam que, ao reconhecer competência do Rio, o TJRJ adotou interpretação distinta da posição majoritária do STJ sobre ‘estabelecimento principal’
Beatriz Gimenez
Foto: Divulgação Ambipar
A 3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro aceitou, na última sexta-feira (3/10), o pedido de recuperação judicial (RJ) do Grupo Ambipar. O deferimento ocorreu após a 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) decidir pela competência da justiça fluminense para processar e julgar a ação.
A decisão monocrática proferida pelo desembargador Mauro Pereira Martins, rejeita os argumentos apresentados pelos bancos credores, que defendem foro da cidade de São Paulo como competente. E, de acordo com especialistas ouvidos pelo JOTA, vai na contramão do posicionamento majoritário adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela doutrina brasileira.
Conflito de competência no Caso Ambipar
A Ambipar defende que a empresa “Ambipar Response Environmental Consulting Offshore S/A”, localizada na cidade do Rio de Janeiro, é a sede do grupo com maior concentração combinada de negócios e de operação.
A alegação se baseia no artigo 3º da Lei 11.101/2005: “É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a RJ ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.” Segundo a companhia, o “principal estabelecimento” mencionado no artigo 3º da Lei de Recuperação e Falência (LRF) é o local onde há a maior concentração de negócios e de operações da empresa devedora.
Segundo a empresa, a offshore do grupo registra o maior volume de negócios e possui a margem de lucro mais expressiva, em comparação aos demais estabelecimentos. A petição inicial aponta que ela concentra, em média, 18,4% do lucro líquido, contra 12,3% de São Paulo e -8,4% de Nova Odessa. A empresa também alega que o Rio de Janeiro possui o maior faturamento, de R$ 303,2 milhões, contra R$ 69,4 milhões em São Paulo e R$ 1,6 milhão em Nova Odessa.
Já os credores, sobretudo as instituições financeiras, apresentaram impugnação de declínio de competência do juízo do Rio de Janeiro. Dentre eles, estão o Deutsche Bank S.A, Banco BTG Pactual Chile, Banestes S/A – Banco Do Estado Do Espírito Santo, e outros. A Caixa Econômica Federal (CEF), em especial, levantou três argumentos principais:
- Centro Decisório: O centro decisório da empresa está em São Paulo. A holding principal — Ambipar Participações e Empreendimentos S.A — e as demais holdings estão situadas no estado. Além disso, os oito membros da administração e do conselho fiscal, incluindo os responsáveis pela relação com investidores, estão em São Paulo. As reuniões do Conselho de Administração e as Assembleias de acionistas também acontecem em São Paulo.
- Volume de Negócios e Contratações: O maior volume de Negócios e Contratações ocorre em São Paulo. A maior parte das sedes do Grupo — 50 estabelecimentos — está em São Paulo, contra apenas 4 na Capital do Rio de Janeiro. Igualmente, os principais contratos (Escrituras de Emissão de Debêntures, Loan Agreements) foram firmados em São Paulo, elegendo o Foro da Comarca de São Paulo para a solução de disputas.
- Centro Operacional: O Complexo de Nova Odessa, em São Paulo, é o centro operacional. Lá estão reunidas as principais áreas da Ambipar, com centenas de funcionários, e grande volume de ativos e veículos em plena atividade.
A Ambipar também apresentou, no processo, uma planilha de notas fiscais que indicam o alto faturamento da empresa Dracares. Esta empresa se refere à autora Ambipar Response Dracares Apoio Marítimo e Portuário S.A., sediada em São Francisco do Sul, no estado de Santa Catarina.
O seu faturamento, de aproximadamente R$ 60 milhões, superaria em muito os demais estabelecimentos do grupo, inclusive a offshore do Rio, que fatura em torno de R$ 5,2 milhões. Nesse caso, seria contrariada a lógica de viés econômico que equipara o estabelecimento principal àquele com maior número de operações e faturamento.
Porém, restou entendido que o Rio de Janeiro seria a sede das empresas tomadoras dos serviços prestados pela Dracares, e por isso, seria incongruente considerar que o local do principal estabelecimento do grupo corresponda ao da sede de um de seus clientes.
Apesar disso, o juízo de 1º grau entendeu que o processo ainda carecia de provas. Assim, pediu por esclarecimentos fáticos para definir a competência e postergou a decisão sobre o processamento da RJ. Foram concedidos cinco dias para que a parte autora complementasse informações acerca da competência.
A Ambipar apresentou agravo de instrumento para contestar os fundamentos desta decisão, incluindo o da competência da sede offshore do Rio de Janeiro para deferir e processar a RJ.
Na sequência, a 21ª Câmara de Direito Privado do TJRJ acolheu o pedido da companhia e reconheceu a competência do foro fluminense para seguir a demanda. O desembargador Mauro Pereira Martins, em decisão monocrática, concluiu que:
“o Grupo Ambipar, em que pese possua atuação em diversos países, com grande volume de atividades no Estado de São Paulo, concentra gestão e concretização de maior volume de negócios na Capital Fluminense, fator determinante da competência para o juízo da RJ, consoante se extrai da seguinte tabela com dados relacionados aos negócios relacionados a suas atividades.”
O magistrado complementou dizendo que o maior volume de negócios impacta diretamente no faturamento, na receita operacional e na margem de lucro. E concluiu que a offshore do Rio de Janeiro apresenta resultados significativamente mais elevados em relação ao desempenho verificado no Estado de São Paulo, conforme os dados informados pelo grupo.
Posicionamento STJ e especialistas
Na doutrina sobre RJ e falências, prevalecem três teorias para a fixação do estabelecimento principal da devedora:
- A sede social constante do ato constitutivo/estatuto social da empresa;
- A sede administrativa do empresário, que não coincide com o domicílio da pessoa jurídica;
- A sede economicamente ativa e relevante na atividade empresarial.
O terceiro conceito é o atualmente mais utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o termo “estabelecimento principal” expresso na LRF.
Nessa ótica, a advogada da área de recuperação e falência da Valor Consultores Associados, Ana Luiza Albiero, explica que o “estabelecimento principal é aquele que contempla o maior número de contratações – fornecedores e empregados – e atividades operacionais. É também o local de onde partem as movimentações financeiras, diretrizes e ordens administrativas e, ainda, onde se concentram os ativos essenciais à atividade empresarial.” Esse seria o entendimento majoritário da doutrina e dos tribunais.
A advogada acrescenta que, ao determinar o foro competente para processar a RJ deve ser considerada “a eficiência do processo em si. Isso porque o conceito de estabelecimento mais relevante implica na facilitação de acesso aos bens e na maior participação dos atores envolvidos à demanda, considerando a realidade fática da empresa.”
Em outras palavras, não cabe ao grupo empresarial estabelecer a competência em benefício próprio, mas sim em função dos critérios concretos. Tais critérios devem considerar a concentração das operações, faturamento e governança, visando facilitar o andamento do processo em prol da coletividade dos credores.
Esse entendimento foi consolidado pelo STJ no julgamento do Agravo Interno no Conflito de Competência 186905/SP. O objetivo foi delimitar a abrangência do “estabelecimento principal”, previsto pelo artigo 3º da LRF, que deu margem a variadas interpretações. Nesse caso, o tribunal superior pacificou o tema e conceituou “estabelecimento principal” a partir do critério econômico, ou seja, da presença dos elementos de maior volume de negócios e centro de governança do grupo:
“1. Também no procedimento de RJ vigora a máxima de que a competência para o conhecimento e julgamento de pedido cautelar é do Juízo competente para conhecer e julgar o pedido principal de RJ. 2. Nos termos do art. 3o da Lei 11.101/2005, o juízo competente para o pedido de RJ é o do foro de situação do principal estabelecimento do devedor, assim considerado o local mais importante das atividades empresárias, ou seja, o de maior volume de negócios e centro de governança desses negócios.”
O precedente foi citado pelo próprio desembargador da 21ª Câmara do TJRJ, ao fundamentar sua decisão. No entanto, “o magistrado pressupôs o elemento da governança a partir da relevância operacional e econômica da offshore, desprezando a informação trazida aos autos sobre o centro decisório do grupo Ambipar estar localizado na cidade de São Paulo”, afirma Albiero. Contrariando, assim, a corrente jurisprudencial majoritária adotada pelo STJ.
Em igual sentido entende o advogado Angelo Paschoini, especialista em recuperação judicial e sócio-fundador do Paschoini Advogados. Na sua visão, a 21ª Câmara utilizou a jurisprudência do STJ de forma inadequada, pois o precedente fala em volume de negócios e operações, e em poder de governança, para eleger o principal estabelecimento.
“Apesar disso, a governança da Ambipar acontece na cidade de São Paulo, onde estão os diretores e o conselho da empresa; onde acontecem as principais operações, e, inclusive, onde estão os principais credores do grupo. Logo, se o cérebro da empresa está em um lugar, não há como deslocar a ação para outra localidade”, avalia Paschoini.
Além disso, o especialista pontua que a justiça de São Paulo é conhecida por ser mais especializada em matéria de recuperação judicial e, portanto, mais técnica. Fato que pode vir a prejudicar a estratégia processual do grupo devedor, que ganha vantagem ao conduzir uma RJ em tom apelativo.
Já a advogada especialista em insolvência, sócia da Wilhelm & Niels Advogados, Mara Denise Poffo Wilhelm, entende de forma diversa. Ela avalia que a decisão do TJRJ está alinhada com alguns precedentes do STJ, e com parte da doutrina, o quais valorizam o critério do maior volume financeiro das operações na definição da competência.
No entanto, pondera a complexidade de casos que envolvem grupos empresariais descentralizados, como do Grupo Ambipar. Para Wilhelm, nessas situações, “a fixação da competência deve levar em consideração não apenas o volume de negócios, mas também a concentração de pessoas, especialmente os funcionários, que são as partes hipossuficientes e diretamente afetadas pelo processo, além da efetiva gestão das atividades e o maior volume de relações comerciais (e, portanto, de credores)”.
Assim, a especialista defende uma análise detida do caso concreto, “embora a decisão esteja aparentemente em consonância com a jurisprudência e a doutrina”, afirma.
Resposta Ambipar
Ao JOTA, a Ambipar reiterou a argumentação jurídica proferida na decisão monocrática da 21ª Câmara do TJRJ, e reforçou: “A companhia reafirma seu compromisso com a transparência, a governança e a responsabilidade corporativa, e confia que todos os fatos serão devidamente esclarecidos no curso do processo judicial.”
Beatriz Gimenez
Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Graduada em Direito e especializada em Direito Tributário. Estudante de Jornalismo nas Faculdades Metropolitanas Unidas e pós-graduanda em Ciência Política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Antes, foi estagiária no Times Brasil CNBC. Email: beatriz.gimenez@jota.info





