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CBS e IBS, em vigor a partir de 2027, viram embate entre lojistas e shoppings
Administradores de centros comerciais querem incluir cláusulas nos contratos de locação que ‘jogam’ a responsabilidade de pagamento de novos tributos para os lojistas, dizem advogados
Fátima Fernandes
(Foto: Divulgação/Multiplan)
A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que serão cobrados das empresas a partir de 2027, começam a virar disputas entre lojistas e shoppings. Como parte da reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023, esses dois tributos, estabelecidos pela Lei Complementar 214/2025, vão substituir outros cinco.
São eles o ISS (Imposto sobre Serviços), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o PIS (Programa de Integração Social), a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
A unificação na cobrança de impostos federais, estadual e municipal, de forma geral, agradou as empresas, como as administradoras de centros de compra e os donos de lojas. Mas o que está criando embate entre os dois lados são as cláusulas que os shoppings querem incluir nos contratos de locação em razão de mudanças que estão por vir no campo tributário.
Essas cláusulas, citadas em contratos que o Diário do Comércio teve acesso, explicitam que, qualquer aumento de tributo que venha a ocorrer será ‘repassado imediatamente’ ao lojista. Citam também que é de ‘responsabilidade exclusiva do locatário’ o pagamento de tributo que venha a incidir sobre o preço do aluguel e ou sobre os encargos contratualmente previstos.
Mencionam ainda que alterações na legislação que possam afetar as condições para a determinação de aluguel mínimo, o locador, no caso, o shopping, pode recalcular o valor. Shoppings tradicionais de São Paulo, como Iguatemi, Morumbi e Eldorado estão solicitando a inclusão de cláusulas, como essas citadas acima, em contratos firmados com os lojistas.
Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Block, Goettems, Hansen & Longo Advogados, diz que esse movimento dos shoppings começou no início deste ano e está se intensificando. O advogado tem assessorado vários casos entre lojistas e empresas de shoppings tradicionais que envolvem a colocação dessas cláusulas em contratos novos e ou renovações.
Há um grupo de lojistas, diz ele, que não está aceitando a imposição dessas cláusulas, preferindo renovar o contrato de locação por meio de ações renovatórias. A ação renovatória é um processo judicial que permite ao locatário de um imóvel comercial renovar compulsoriamente o contrato de aluguel mesmo que o locador não queira.
Há outro grupo, diz Cerveira, que já assinou contratos com essas cláusulas, sem perceber que elas garantem repasses imediatos de custos tributários e até aumento automático do aluguel.
“Essas cláusulas são ilegais. Os shoppings estão adaptando os contratos de modo a ‘jogar’ todo o imposto para o inquilino, sendo que cada contribuinte deve pagar o seu tributo”, afirma.
Sem sentido
Tributaristas ouvidos pelo Diário do Comércio alertam para o fato de que cláusulas como essas sequer fazem sentido, até porque a ideia da reforma tributária é não mexer em preço. Como a CBS e o IBS serão cobrados por fora, dizem eles, o que faz sentido, na verdade, é, sim, a redução de preço de serviços, produtos, locação, e não o aumento.
“Essas cláusulas causam insegurança jurídica para as duas partes e desconsideram a premissa da reforma tributária de que os novos tributos sobre o consumo, a rigor, não incidem sobre preços”, afirma Guilherme Manier, sócio do Viseu Advogados para a área tributária.
Existe também o receio, diz ele, de uma interpretação questionável dessas cláusulas, para que se imponha ao lojista um aumento de preço pautado em tributos que incidem por fora – o que seria uma contradição.
Cláusulas como essas, de acordo com Manier, ainda desconsideram o sistema split payment, sistemática de quitação automática de tributos por meio de créditos de não-cumulatividade gerados nas operações.
Funciona assim: o shopping fatura R$ 100 mil de aluguel para o lojista. Destaca no boleto esse valor e a CBS e o IBS de x por cento, por exemplo, de 14%. Quem é devedor dos dois tributos é o shopping, que emitiu a fatura. O lojista paga todo o valor, os R$ 114 mil, no exemplo, se não tiver crédito no sistema para quitar o débito.
“Em fase mais avançada, com o sistema split payment, a ideia é que o lojista pague para o shopping somente o valor líquido da locação, os R$ 100 mil. Os R$ 14 mil de CBS e IBS, no exemplo de 14% ou de R$ 14 mil, serão compensados de forma automática”, afirma.
A transação comercial entre as partes, diz Manier, está no aluguel. A incidência dos tributos é, a rigor, por fora, e uma relação com o poder público.
O governo ganha no processo, de acordo com Manier, porque a empresa que recebe a nota fiscal, uma loja, por exemplo, não terá sempre crédito suficiente para abater a fatura ou a nota que recebe. Além do fato de que esse sistema reduz o risco de sonegação fiscal.
“Quando a loja vende uma roupa, ela vai pagar CBS e IBS devidos após a compensação de seus créditos de não-cumulatividade. Nesse momento, os tributos sobre o consumo (CBS e IBS) serão suportados pelo consumidor final, encerrando-se a cadeia.”
Uma cláusula que pode fazer sentido na questão de preços em contratos de locação em razão da reforma tributária, de acordo com Manier, pode ser a que estabeleça a criação, a majoração, a redução ou a extinção de tributos desde que a legislação tributária determine ou possibilite a inclusão de tributos no preço – o que, por ora, não é o caso.
Desequilíbrio nos contratos
Rodrigo Casaes, advogado especializado em relações civis, afirma que cláusulas como as que estão sendo sugeridas e ou impostas pelos shoppings trazem desequilíbrio nos contratos. “Vou aconselhar os lojistas a não aceitarem esse tipo de cláusula em seus contratos porque trazem mais ônus do que bônus para um dos lados”, afirma.
Em geral, diz ele, os shoppings estão tentando colocar cada vez mais obrigações desfavoráveis para os lojistas – e o pior é que o Judiciário entra de forma rasa nessas discussões.
Advogados e lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio dizem que os empresários, em especial, os comerciantes, estão apreensivos com a entrada dos dois novos impostos. Fala-se que a alíquota somada dos dois tributos, CBS e IBS, será algo próximo de 28%, sendo que, no caso das locações haveria uma redução em 70%.
As empresas que estão no Simples Nacional também têm dúvidas sobre como devem recolher os dois novos tributos, e há duas opções para o recolhimento de CBS e IBS: a inclusão dos tributos em uma guia única do Simples (DAS) ou o recolhimento de forma separada, seguindo as regras do regime normal.
Essa opção de recolhimento separado permite que a empresa gere e aproveite créditos dos dois tributos sobre suas compras (insumos, energia, etc.), deduzindo-os do imposto devido sobre suas vendas. Os lojistas que estão no Simples Nacional vão permanecer nesse regime integralmente após a reforma, isto é, não vão recolher o IBS e a CBS por fora (regime híbrido), e não vão dispor de créditos tributários para compensar eventual alta de custo com aluguel.
Essa situação, de acordo com advogados, pode até resultar em uma saída de empresas do Simples para outros regimes tributários, como Lucro Presumido e Lucro Real: cabe a cada empresa fazer conta, dizem eles, e ver o que faz mais sentido no campo tributário.
A implementação da reforma tributária sobre o consumo ocorrerá de forma gradual, com a transição começando em 2026 e se estendendo até 2033. No ano que vem, nas notas emitidas estarão os valores dos dois impostos, sem necessidade de recolhimento. Será um ano para teste.





