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Do Marco Legal à Cooperação Internacional: o novo momento do Brasil na segurança digital

3 de novembro, 2025

Por Antonielle Freitas

Nos últimos meses, o Senado Federal intensificou o debate sobre a construção de uma estrutura sólida de cibersegurança nacional. Duas iniciativas recentes se destacam nessa agenda: o Projeto de Lei nº 4.752/2025, que institui o Marco Legal da Cibersegurança, e o Projeto de Decreto Legislativo nº 342/2024, que ratifica o Acordo Brasil–Itália sobre Proteção Mútua de Informações Classificadas.

Em conjunto, esses movimentos representam não apenas a modernização das políticas públicas voltadas ao ambiente digital, mas também a consolidação do Brasil como ator relevante nas discussões globais sobre segurança e soberania digital.

  1. O desafio da cibersegurança e a resposta do Estado

A crescente dependência tecnológica e a transformação digital da administração pública ampliaram significativamente a superfície de ataque cibernético. Vazamentos de dados, interrupções de serviços e fraudes digitais afetam diretamente o funcionamento do Estado e a confiança dos cidadãos nas instituições.

Segundo diversos relatórios nacionais e internacionais, o Brasil está entre os países que mais sofrem tentativas de ataques e fraudes virtuais , evidenciando a urgência em estruturar mecanismos permanentes de segurança.

O Marco Legal da Cibersegurança, proposto pelo senador Esperidião Amin e outros parlamentares, surge como resposta a esse cenário. O texto estabelece objetivos claros: fortalecer a resiliência digital dos órgãos públicos, garantir a coordenação nacional em incidentes cibernéticos, estimular a formação de profissionais especializados e promover cooperação técnica entre o setor público, o privado e a sociedade civil.

Mais do que um conjunto de normas, o projeto propõe uma mudança de paradigma: transformar a cibersegurança em uma política de Estado, transversal a todas as áreas da administração, e não apenas uma pauta técnica restrita às equipes de TI.

A criação do Programa Nacional de Segurança e Resiliência Digital, prevista na proposta, amplia esse alcance, permitindo a adesão de estados, municípios e até de organizações privadas comprometidas com padrões mínimos de proteção.

  1. Estrutura e governança: pilares do Marco Legal

O texto do PL 4.752/2025 é abrangente e detalhado. Ele prevê, por exemplo, a instituição de uma autoridade nacional de cibersegurança para normatizar, fiscalizar e auditar as políticas e práticas relativas ao tema, além de definir os padrões mínimos obrigatórios a serem seguidos por órgãos públicos e parceiros privados.

Outro ponto notável é o foco na gestão de riscos da cadeia de suprimentos, reconhecendo que vulnerabilidades podem se originar em fornecedores, prestadores e parceiros tecnológicos. A proposta exige que todos os contratados pelo poder público adotem mecanismos de conformidade com os padrões de cibersegurança definidos nacionalmente, o que representa um avanço substancial para a governança de riscos em serviços críticos.

A lei ainda busca garantir financiamento permanente para o setor, destinando recursos mínimos do Fundo Nacional de Segurança Pública a ações de modernização tecnológica, capacitação, inovação e criação de equipes de resposta a incidentes. Essa vinculação financeira é estratégica, pois mitiga a principal barreira enfrentada por políticas públicas nessa área: a ausência de recursos estáveis.

Em termos de princípios, o marco orienta-se pela prevenção proativa, resposta coordenada, proteção às infraestruturas críticas e respeito aos direitos fundamentais, especialmente à privacidade e à proteção de dados pessoais demonstrando pontos de intersecção importantes com a LGPD e o Marco Civil da Internet.

  1. Cooperação internacional: o papel do acordo Brasil–Itália

Em paralelo ao avanço do marco interno, o Senado também aprovou um passo essencial na esfera externa: o Acordo Brasil–Itália sobre Proteção Mútua de Informações Classificadas, formalizado pelo PDL 342/2024. Além de padronizar regras de sigilo e classificação de informações (de “reservado” a “ultrassecreto”), o acordo estabelece equivalência jurídica e técnica entre os dois países e define protocolos para acesso, transmissão e uso de dados sensíveis.

Na prática, o acordo cria um regime de confiança recíproca para que Brasil e Itália possam compartilhar dados estratégicos com segurança, o que é vital em contextos de cooperação militar, tecnológica e econômica. Essa convergência normativa reforça o posicionamento do Brasil como parceiro confiável em temas sensíveis, aproximando-o de práticas adotadas pela OTAN e pela União Europeia no campo da ciberdefesa.

A designação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) como autoridade executora nacional evidencia o alinhamento entre o acordo e a futura estrutura prevista pelo marco legal. Juntos, eles constroem uma arquitetura coerente, em que política pública, estratégia diplomática e normatização técnica caminham lado a lado.

  1. Impactos esperados e próximos passos

Se aprovado, o Marco Legal da Cibersegurança trará maior previsibilidade normativa, estabelecerá parâmetros de atuação entre diferentes níveis de governo e criará condições jurídicas para que o Brasil avance rumo a padrões internacionais de segurança.

A médio e longo prazo, espera-se que o país desenvolva uma infraestrutura nacional de defesa cibernética integrada, combinando inteligência, capacitação e inovação tecnológica. Ao mesmo tempo, a articulação com acordos internacionais, como o firmado com a Itália, contribuirá para o intercâmbio de boas práticas, a harmonização de padrões e o fortalecimento geopolítico do Brasil no cenário digital global.

Entretanto, a eficácia desses instrumentos dependerá da coordenação interinstitucional e do compromisso político contínuo de diferentes atores. É imprescindível que a autoridade nacional tenha autonomia técnica e capacidade operacional, e que os órgãos públicos incorporem a cultura de segurança digital em sua rotina de gestão e planejamento.

O Brasil começa a consolidar uma verdadeira política de soberania digital. O PL 4.752/2025 e o PDL 342/2024 não devem ser vistos como atos isolados, mas como partes de uma estratégia mais ampla, que envolve governança pública, diplomacia, desenvolvimento tecnológico e proteção dos direitos fundamentais.

Enquanto o Marco Legal da Cibersegurança cria a base normativa e organizacional para fortalecer o ecossistema interno, o acordo com a Itália projeta o país para o eixo da cooperação internacional estratégica em segurança da informação.

Ambos se complementam na tarefa de preparar o Brasil para o século XXI digital. Um século em que a estabilidade de governos, a economia e até a democracia dependem, cada vez mais, da solidez e da integridade do ciberespaço.

O momento é oportuno: mais do que modernizar leis, o Brasil tem a chance de estabelecer uma cultura nacional de segurança digital, pautada em confiança, conhecimento e cooperação.

Antonielle Freitas

Advogada pós-graduada em Direito Processual Civil, Digital, Compliance e Proteção de Dados, com 22 anos de experiência em compliance, contratual, cível, trabalhista e tributária. Especialista em proteção de dados e DPO certificada pelo EXIN, com ampla experiência em empresas nacionais e multinacionais. Líder em implementação de áreas jurídicas e compliance, gestão de equipes e resolução de conflitos.

https://itshow.com.br/brasil-e-o-novo-cenario-da-seguranca-digital/

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