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Postar conversa entre cliente e empreendedor vira trend; entenda se prática é permitida
Segundo especialistas, é preciso cautela, pois a divulgação pode ferir a Lei Geral de Proteção de Dados
Por Bianca Camatta
(Foto: Hermes de Paula/Agência Brasil)
Relatos de casos curiosos entre cliente e empreendedor contados por meio de prints de conversas de aplicativos de mensagem têm sido cada vez mais comuns e não raro viralizam nas redes sociais. Publicações de reclamações, grosserias ou até mesmo elogios podem trazer engajamento para marcas. Mas especialistas ouvidos por PEGN alertam que a estratégia deve ser praticada com cautela. Segundo eles, compartilhar essas trocas de mensagens viola direitos de privacidade previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o que pode gerar consequências a quem compartilhou o conteúdo.
A troca de dados durante uma conversa com clientes tem um fim claro: o comércio de um bem ou servieo. Elas são consideradas comunicações privadas protegidas por sigilo e pelas normas de proteção de dados pessoais, como explica Renan Xisto, especialista empresarial do escritório Paschoini Advogados.
Quando publicadas nas redes sociais, as informações passam a ser usadas para um propósito diferente. “A LGPD determina que qualquer uso de dados pessoais, inclusive textos, nomes, telefones ou fotos, precisa respeitar finalidade específica, necessidade e consentimento”, esclarece Xisto.
“Publicar prints, mesmo com boa intenção, como justificar uma reclamação ou mostrar um atendimento bem-sucedido, pode violar direitos de privacidade e configurar tratamento irregular de dados pessoais, conforme a LGPD”, reforça o advogado.
Segundo Xisto, a lei também exige que a pessoa que detém os dados adote medidas de segurança. Além de violar o dever de confidencialidade, a atitude pode ser interpretada como falha de proteção de dados, o que pode levar a sanções pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Mesmo que o print não mostre o nome ou rosto do cliente, a lei continua valendo caso existam elementos que permitam identificar a pessoa. “A infração subsiste se ele for identificável – seja pela foto, contexto, localidade ou informações indiretas”, acrescenta o advogado. “O print só pode ser publicado sem o nome se for impossível identificar a pessoa”, reforça Gustavo Kloh, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio).
Mesmo sabendo dos impeditivos, o cliente que acreditar que divulgar conversa com clientes pode ser positivo para a divulgação da sua marca, pode pedir aprovação para divulgação. “A divulgação só seria legítima com autorização expressa do cliente ou em contexto judicial, quando usada como prova e protegida pelo segredo de justiça”, diz Xisto.
Para o professor de marketing digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), João Finamor, o compartilhamento de prints com elogios ou bom atendimento podem ser publicados com a intenção de ser uma chancela, trazendo credibilidade a qualidade de um negócio. “Nesse caso, pode ser interessante para o empreendedor perguntar para o cliente se é permitido compartilhar a conversa, explicando onde, quando e pra que seria utilizado”, diz.
Consequências da divulgação de conversas
A exposição indevida pode gerar responsabilidade em três esferas diferentes. Xisto esclarece que uma responsabilidade não exclui a outra: um conteúdo ofensivo pode gerar simultaneamente sanções administrativas, cíveis e criminais. Veja:
- Cível: o cliente pode ajuizar ação de indenização por danos morais e materiais, com base nos arts. 186 e 927 do Código Civil;
- Administrativa: a ANPD pode aplicar advertência, multa (até 2% do faturamento, limitada à R$ 50 milhões), bloqueio dos dados e até a suspensão da atividade relacionada ao tratamento dos dados;
- Penal: se a publicação contiver conteúdo ofensivo, pode configurar crime contra a honra (injúria, difamação ou calúnia).
A legislação é recíproca para os clientes
Os especialistas ressaltam que, caso ocorra um movimento de divulgação de conversas por parte do cliente, ele também pode responder por descumprir o sigilo. “O consumidor só pode se valer da divulgação para defender os seus direitos em sites como reclame aqui, mas não com o objetivo único de expor o profissional”, complementa o professor da FGV.
“Se um cliente publicar conteúdo ofensivo, distorcido ou falso, o empreendedor deve evitar reagir nas redes e ser cauteloso, sempre procurando a orientação de um advogado”, sugere.
O ideal é documentar todo o ocorrido e buscar orientação jurídica para resguardar o seu direito, evitando uma reação pública impulsiva. Confira o passo a passo sugerido pelo advogado:
- Preserve as provas, preferencialmente por meio de ata notarial, garantindo validade jurídica do conteúdo publicado;
- Envie uma notificação extrajudicial ao autor da postagem, solicitando retratação ou remoção;
- Faça o requerimento judicial da remoção do conteúdo, com base no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014);
- Proponha uma ação indenizatória, caso haja dano à imagem ou à atividade comercial;
- Em situações graves, registre boletim de ocorrência por difamação ou injúria.





