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Especialistas divergem sobre onde Bolsonaro deve cumprir pena após conclusão do julgamento no STF

30 de outubro, 2025

Juristas apontam que ex-presidente pode ir para penitenciária federal, cela da PF ou até prisão domiciliar, mas decisão caberá ao Supremo

Por Zeca Ferreira

(Foto: Isac Nogrega/PR)

O local exato onde Jair Bolsonaro (PL) irá cumprir a pena imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por sua participação no golpe de 8 de janeiro ainda divide especialistas. Por se tratar de um ex-presidente e militar reformado, há dúvidas sobre o local adequado para a detenção. A decisão final, explicam os criminalistas, ficará nas mãos do Supremo.

Condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, o ex-presidente Bolsonaro só começará a cumprir a pena definida em setembro após o trânsito em julgado da condenação. Após a decisão, foi publicado o acórdão e os advogados de Bolsonaro e dos demais réus apresentaram recursos chamados embargos de declaração, que serão julgados em plenário virtual entre os dias 7 e 14 de novembro. A execução efetiva da pena só pode acontecer após a análise desses pedidos da defesa.

Bolsonaro está em prisão domiciliar desde 4 de agosto por descumprimento de medida cautelar imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do processo do golpe no STF.

Não há previsão legal para cela especial a ex-presidentes em caso de prisão definitiva. Esse benefício só existe no caso de na prisão provisória. Ainda assim, o Supremo poderá conceder tratamento diferenciado ao ex-presidente, que tem 70 anos e um histórico de problemas de saúde decorrentes da facada sofrida em 2018.

Professor de Direito Penal da UERJ, Davi Tangerino explica que a Lei de Organizações Criminosas prevê que o líder de uma organização deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, em unidade de segurança máxima. Bolsonaro foi condenado justamente por chefiar uma organização criminosa voltada a uma ruptura institucional para se manter no poder após perder as eleições de 2022.

Tangerino ressalta, no entanto, que a execução penal admite certa flexibilidade. Ele lembra o precedente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, quando preso no âmbito da Operação Lava Jato, permaneceu numa cela especial na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. À época, Lula era ex-presidente e cumpria pena após condenação em segunda instância, portanto, não se tratava de prisão provisória.

Desde agosto passado, uma cela na Superintendência da Polícia Federal (PF) do Distrito Federal está sendo reformada para receber Bolsonaro.

Segundo o professor da UERJ, caberá a Moraes definir o local de cumprimento da pena. Para ele, o mais adequado seria um espaço “especial” para o ex-presidente. “Imagina um atentado contra ele no sistema penitenciário? Não precisamos de um mártir”, afirma.

A professora de Processo Penal e ex-delegada Erika Chioca Furlan lembra que os crimes imputados ao ex-presidente Bolsonaro têm natureza federal e, por isso, o cumprimento da pena deveria ocorrer em uma penitenciária federal em Brasília, onde os fatos aconteceram.

Segundo Erika, o Complexo Penitenciário da Papuda não seria o local mais adequado, já que é administrado pelo governo do Distrito Federal. Ela lembra que, em 2018, foi inaugurada a Penitenciária Federal de Brasília, sob gestão do governo federal. A unidade, vizinha à Papuda, possui aparato de segurança reforçado e abriga líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), como Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.

“Após o trânsito em julgado, o local correto para que ele cumpra a pena é o quartel ou a penitenciária federal, pois equivaleria em termos legais. As outras possibilidades, prisão domiciliar ou sala na Superintendência da Polícia Federal, somente serão aplicadas excepcionalmente pelo STF”, conta a professora.

Cela sem privilégios

Para a advogada Beatriz Alaia Colin, do escritório Wilton Gomes Advogados, Bolsonaro teria direito à prisão especial tanto por ter sido ex-presidente quanto por ter sido oficial do Exército, conforme o artigo 295 do Código de Processo Penal. “Essa prerrogativa, em regra, é voltada a casos de prisão provisória, mas pode ser excepcionalmente mantida após o trânsito em julgado por razões de segurança nacional”, diz.

Beatriz explica que a lei não detalha as condições dessa prisão especial, apenas determina que o recolhimento seja feito em local separado dos presos comuns. Na prática, pode ocorrer em quartéis, superintendências da Polícia Federal ou celas especiais dentro de presídios comuns.

A advogada esclarece que essas celas não oferecem privilégios além do isolamento: o espaço costuma ter cama, mesa, cadeira e banheiro, com banho de sol limitado. Não há regulamentação específica, devendo ser garantida a dignidade da pessoa humana em qualquer situação.

O coordenador do curso de Direito da ESPM, Marcelo Crespo, pondera que devido ao histórico de Bolsonaro como ex-presidente e figura de grande notoriedade nacional, o STF pode decidir que ele cumpra a pena em ambiente diferenciado.

“O Supremo poderia dizer, por exemplo, que, considerando a figura de quem ele é e o risco para a segurança do presídio e das pessoas que estão lá, poderia determinar, eventualmente, como forma de adaptação, que ele cumprisse a pena em uma cela da Polícia Federal. Mas, de novo, isso não está previsto na lei, seria uma interpretação baseada nesse caso bastante específico.”

Na visão de Crespo, Bolsonaro não poderia cumprir pena em estabelecimento militar. O Código Penal Militar prevê que apenas militares condenados a até dois anos podem cumprir a pena em unidades da própria Força. Além disso, Bolsonaro é capitão reformado, ou seja, não mantém vínculo ativo com o Exército, o que o impede de cumprir pena no quartel.

“É como uma aposentadoria. No caso dos militares, chamamos de reforma. Assim, eventual pena privativa de liberdade seria cumprida em estabelecimento prisional comum”, explica Crespo.

Outro ponto que pesa contra a tese de cumprimento de pena em quartel é que o Supremo determinou que a Justiça Militar julgue Bolsonaro, o que pode levar à perda da patente de capitão.

Os especialistas também não descartam a hipótese de prisão domiciliar. Para que Bolsonaro permaneça em regime domiciliar, seus advogados precisarão protocolar pedido no STF após o trânsito em julgado, o que já afirmaram que farão. Além de ser direito previsto em lei, há precedente: o ex-presidente Fernando Collor teve cumprimento de pena em prisão domiciliar autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes em abril deste ano, em razão de idade e saúde.

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