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Carf anula autuação fiscal contra o Grupo Coty por planejamento tributário abusivo

Carf anula autuação fiscal contra o Grupo Coty por planejamento tributário abusivo
Fabricante de cosméticos foi acusada de reduzir artificialmente base de cálculo de PIS/Cofins
Por Marcela Villar — De São Paulo
(Foto: Agência Senado)
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anulou auto de infração contra a Savoy Indústria de Cosméticos S.A., do Grupo Coty, dona de marcas como Risqué, Monange, Koleston e Wella, em um caso em que a Fazenda Nacional a acusava de planejamento tributário abusivo. O tribunal entendeu que as operações feitas entre a Savoy e a controladora, a Coty Brasil, por preço menor do que o de mercado são lícitas e válidas, mesmo que tenham como único intuito pagar menos impostos.
A Savoy foi multada porque, segundo a fiscalização, teria subfaturado o valor de venda dos produtos à Coty, a fim de reduzir artificialmente a base de cálculo do PIS e da Cofins, que incidem sobre o faturamento. O preço das mercadorias adotado entre as empresas do mesmo grupo econômico era em torno de metade do praticado com outros fornecedores e chegou a ser, em algumas transações, quatro vezes menor. Na visão da Receita Federal, tratava-se de planejamento tributário abusivo.
Para o Carf, porém, a busca por economizar tributos, desde que sem fraude ou simulação, é legítima. Segundo advogados, a discussão dos limites dos planejamentos tributários é antiga e a jurisprudência é vacilante. Nas hipóteses de ágio interno, por exemplo, em que há a compra de empresa por valor superior para abater do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, o tribunal administrativo é majoritariamente contrário aos contribuintes, mas existem precedentes do Judiciário que validam a estratégia.
No caso da Savoy, a decisão, acrescentam especialistas, está de acordo com um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite planejamentos tributários com o objetivo de gerar economia (ADI 2446). Os ministros permitiram ao Fisco desconsiderar atos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo. Mas estabeleceram que ele só pode aplicar base de cálculo e alíquota em hipótese de incidência prevista em lei e que tenha se materializado.
“O limite do planejamento lícito para um abusivo é a simulação”
— Adolpho Bergamini
Tributaristas lembram que para o IPI, existe previsão legal para exigir um “valor tributário mínimo (VTM)” a fim de evitar o pagamento a menor de tributos. Mas não há norma similar para as contribuições sociais. Isso consta no acórdão do Carf. “Não há critérios legais para a equalização dos preços praticados entre partes relacionadas para ajustá-los a preços de mercado no caso de PIS e Cofins monofásico”, diz a decisão (processo nº 17095.720229/2022-79).
O auto de infração se refere aos anos de 2017 a 2019. Segundo a fiscalização, “a estrutura criada pelo grupo empresarial visou resguardar o resultado econômico e ao mesmo tempo, obter um menor pagamento de PIS/Pasep, Cofins e IPI”. Por isso, ela recompôs a base de cálculo dos tributos usando os preços de revenda da Coty. Aplicou multa qualificada de 150% e atribuiu responsabilidade solidária entre as empresas, alegando fraude e conluio.
A Delegacia de Julgamento (DRJ) manteve a penalidade, apenas reduziu para 100% a multa qualificada, com base na Lei nº 14.689, de 2023. A Savoy recorreu ao Carf, alegando a ausência de dispositivo legal que vede as operações entre companhias do mesmo grupo e que permita o arbitramento da base de cálculo do PIS/Cofins. Defendeu ainda haver propósito negocial para segregar as atividades entre a entidade industrial e comercial e que não praticou fraude.
Os argumentos foram acatados, por maioria, pela 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 3ª Seção do Carf. “O arbitramento e desconsideração do negócio jurídico em razão de subfaturamento derivado de um planejamento tributário abusivo, depende da comprovação da existência de fraude, dolo ou simulação nas operações, como a inexistência de substância econômica nas atacadistas, criadas apenas para simular operações e fraudar o Fisco”, diz o acórdão.
Houve divergência dos conselheiros Pedro Sousa Bispo e Fábio Kirzner Ejchel, que votaram a favor da União. Na visão deles, o Fisco comprovou que as operações foram simuladas, com o único objetivo de pagar menos tributo. “Os fatos citados são suficientes e demonstram que a operação de venda da Savoy para a sua controladora Coty não teve razão econômica ou propósito negocial, mas visou tão somente a redução abusiva no pagamento do PIS e da Cofins”, afirma Bispo, no voto.
O tributarista Maurício Faro, sócio do BMA e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários (Ceat) da Ordem dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ), diz que o julgamento difere bem a evasão (fraude) da elisão fiscal. “É importante fazer a distinção do planejamento tributário lícito, aquele que o contribuinte estuda e estrutura o negócio da maneira em que a carga tributária é mais eficaz, para o ilícito, que ignora a ocorrência efetiva do fato gerador, ou se pratica atos sem substância”, diz o advogado.
Para ele, a decisão derruba a percepção da Receita Federal de que os contribuintes devem “necessariamente fazer as operações da maneira em que houver a maior incidência de carga tributária”. “Ficou claro no voto condutor do conselheiro Matheus Ziccarelli que não há que se falar em simulação se todos os atos jurídicos foram perfeitamente realizados”, acrescenta.
Adolpho Bergamini, sócio do escritório Bergamini Advogados e ex-conselheiro do Carf, diz que o empresário pode organizar suas atividades como bem entender, com base no princípio constitucional da livre iniciativa. “Mesmo que isso leve a uma diminuição dos tributos, não é um problema em si ou uma razão de ilicitude”, afirma.
O limite do planejamento tributário lícito para um abusivo é a simulação, segundo ele. “Se a empresa não existe, está só no papel, aí é um problema, é fraude”, diz. “Mas se teve um preço que foi pago, houve o trânsito de estoque da mercadoria, frete pago e teve todas as partes de uma operação mercantil – compra, venda, pagamento, recebimento, transporte e assim por diante -, não é um problema”, acrescenta.
Ele concorda com o voto vencedor, de que, como não há legislação que permita o arbitramento de base de cálculo do PIS/Cofins, não há como impor a tributação. “Na falta de uma norma clara, você não pode impor a tributação via interpretação do fiscal ou de órgão julgador”, afirma Bergamini, reforçando que o tema não é consenso. “Ainda é vacilante a jurisprudência e talvez não se chegue a um consenso mesmo depois de acabados esses tributos, em 2027”, completa, referindo-se a reforma tributária, que extinguirá o PIS/Cofins.
Procurados pelo Valor, o Grupo Coty e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deram retorno até o fechamento da edição.





