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Vídeo exagera impostos cobrados sobre refrigerante, carro, chiclete e carne no Brasil

29 de outubro, 2025

Conteúdo gerado com ferramentas de IA critica carga tributária, mas engana ao citar tributação até 37 vezes maior do que o realmente aplicado

Por Luciana Marschall

(Foto: Reprodução/Istagram)

O que estão compartilhando: vídeo produzido com ferramentas de inteligência artificial (IA) mostra diferentes situações em que clientes contestam impostos cobrados sobre produtos. O conteúdo alega que o consumidor brasileiro paga R$ 2,80 de imposto em um Trident que custa R$ 0,20; R$ 60 de imposto em uma picanha de R$ 5; R$ 75 mil em um Renault Kwid que vale R$ 5 mil; R$ 10 em uma Coca-Cola que custa R$ 2; e R$ 7 em uma cerveja que custa R$ 0,50.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Apesar de o Brasil ter uma alta carga tributária sobre o consumo, o vídeo exagera as taxas pagas por todos os produtos citados. O chiclete, por exemplo, seria tributado em 1400% no cenário apresentado nas redes sociais, muito acima da tributação real. Conforme dados do Impostômetro, os tributos recolhidos pelo produto somam, em média, 37,05%.

Saiba mais: o vídeo é uma crítica à carga tributária do Brasil e a falta de transparência sobre quanto o consumidor paga em taxas ao adquirir um produto. O conteúdo afirma que nos Estados Unidos, o imposto é mostrado no momento da compra e alega que, se no Brasil fosse assim, muita gente descobriria que o “governo leva mais que o lojista”.

Estimativa de imposto tem que ser apresentada pelos estabelecimentos

É fato que o consumidor brasileiro não sabe exatamente quanto imposto há sobre o produto que ele compra, mas pode ter uma ideia aproximada. Desde 2022, é obrigatório por lei que o valor ou percentual aproximado dos tributos incidentes sobre mercadorias e serviços sejam informados ao consumidor final. A informação pode constar em painel visível no estabelecimento ou por outro meio, como no cupom fiscal.

Como exemplo, a reportagem comprou uma unidade de chiclete Trident, produto citado no post, no dia 23 de outubro, em São Paulo, Capital.

Foram pagos R$ 2,75 na embalagem e a estimativa de impostos sobre o produto veio especificada em nota fiscal. Segundo o documento, do valor total, 86 centavos (31,45%) foram destinado a tributos. A nota aponta que 13,45% (36 centavos) são impostos federais e 18% (50 centavos) são estaduais. No caso desse produto, não são cobrados impostos municipais.

Cupom fiscal de Trident adquirido pelo Verifica mostra valor aproximado de impostos pagos.
Cupom fiscal de Trident adquirido pelo Verifica mostra valor aproximado de impostos pagos. Foto: Foto: Gabriel Belic

Conforme o especialista em Direito Tributário Carlos Eduardo Navarro, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é apresentada uma estimativa pela dificuldade de se saber o valor exato em impostos sobre produtos que chegam ao consumidor final.

Isso ocorre porque a tributação no País normalmente está concentrada no início da cadeia, como na indústria, por exemplo. “Vamos imaginar essa cadeia do chiclete. Foi feito em uma fábrica, que vendeu para um atacadista, que depois vendeu para um bar, que depois vendeu para o consumidor. Parte da tributação ficou lá atrás, não tem mais como saber”, explica.

O especialista informa que nos Estados Unidos, país citado no post, ocorre o contrário. Lá, a tributação ocorre ao final da cadeia, ou seja, no momento em que o produto chega ao consumidor. “Lá só vai incidir diretamente sobre o preço do produto e onerar o consumidor final”, diz Navarro.

A estimativa que chega ao comprador brasileiro, como o caso do Trident comprado pelo Verifica, é feita a partir de tabelas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), uma entidade privada que realiza estudos e fornece informações sobre o sistema tributário do Brasil.

Vídeo exagera tributos de produtos citados

Os valores referentes a impostos citados no vídeo checado não condizem com a realidade. O consumidor do Trident apresentado no conteúdo, por exemplo, estaria pagando R$ 2,80 em impostos, ou seja, 1400% sobre o suposto valor de custo (R$ 0,20). Isso está muito acima do que o Verifica pagou em imposto pelo produto (31,45%).

O site Impostômetro, uma iniciativa do IBPT com entidades de comércio, entre elas a Associação Comercial de São Paulo, mantém uma lista de produtos com a tributação aproximada. Nessa relação, consta que os chicletes são taxados em 37,05%.

A mesma lista demonstra que a picanha, que no vídeo teria uma tributação de 1.200%, na verdade tem 30,02% em impostos. No caso do carro citado, pelo vídeo a tributação corresponderia a 1500% do valor original do veículo, mas a tabela do Impostômetro informa que a média para veículos populares é de 34,96% e para não populares, do tipo SUV, é de 42,37%.

Caso a lógica do vídeo estivesse correta, o imposto da Coca-Cola seria de 500%, mas a lista aponta que são cobrados 36,56% sobre a lata de refrigerante. Por fim, sobre a cerveja, no vídeo são calculados 1400% em impostos, mas a estimativa real é de 39,07%.

Navarro destaca que os produtos com maiores taxas no Brasil alcançam uma média de 50% e poucas coisas superam isso. É o caso, por exemplo, das armas de fogo, que chegam a 55%. A média geral, afirma o especialista, está entre 35% e 45%.

Impostos no Brasil variam por produto e até pela região

O Brasil possui alguns tributos principais sobre o consumo. Entre os federais estão o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Já na esfera estadual, há o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No âmbito municipal, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que incide, por exemplo, em atendimentos médicos e streamings.

De acordo com Navarro, não significa que todos os produtos terão incidência de todos esses tributos. Além disso, há aqueles que somam outros impostos além dos principais. Também existem aqueles que são isentos. Como exemplo, o especialista cita os planos de saúde, sobre os quais também incide Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e combustíveis, sobre os quais há a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

“Mesmo tratando apenas dos fixos federais eles variam muito em função de qual é o produto”, diz Navarro. “A gente pode ter caso de medicamentos que são desonerados, até com alíquota zero, a bebidas alcoólicas que é bastante tributada para IPI”.

Já no ICMS, cujo valor é determinado por cada Estado, também pode haver variação entre produtos. A alíquota pode ir de 7%, no caso de itens da cesta básica, a até aproximadamente 27%. Existem alíquotas maiores, mas em casos raros. Já o ISS pode variar de 2% a 5%.

Carga tributária do Brasil é realmente alta

O objetivo do vídeo é criticar a carga tributária do Brasil. De fato, ela é considerada alta.

Em março, a Secretaria do Tesouro Nacional divulgou o Boletim de Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral de 2024. De acordo com o órgão, a carga tributária bruta do governo geral – que une governo federal, estaduais e municipais – foi de 32,32% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados oficiais ainda não foram divulgados pela Receita Federal.

“Para padrões internacionais o Brasil tributa muito o consumo. As coisas que a gente compra são muito mais tributadas do que na média do mundo”, destaca Navarro. Além disso, observa, o País tributa pouco a renda. “É um problema de política fiscal. Não é só o tamanho da carga tributária que pesa, mas também em quem ela está direcionada, para os mais pobres”.

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/video-exagera-impostos-cobrados-produtos-brasil/

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