carregando...

PORTFÓLIO

Projeto com novas regras para ITCMD e ITBI pode pesar no bolso da classe média

9 de outubro, 2025

Tributaristas ouvidos pelo InfoMoney apontam risco de aumento da carga tributária e insegurança jurídica nas transmissões de bens

Anna França

Aprovado no último dia 30 de setembro pelo Senado, o Projeto de Lei Complementar 108/2024 (PLP 108) altera as regras gerais para a cobrança dos impostos sobre transmissão de bens como o ITCMD (sobre heranças e doações) e o ITBI (sobre transferências de imóveis entre vivos).

A proposta faz parte da regulamentação da Reforma Tributária e busca padronizar critérios entre estados e municípios. Especialistas ouvidos pelo InfoMoney, porém, alertam que, na prática, as mudanças podem pesar no bolso da classe média brasileira, aumentando a carga tributária e gerando mais litígios envolvendo o valor de mercado dos bens.

Hoje, as alíquotas do ITCMD variam entre os estados, indo de 2% a 8%. Alguns aplicam percentuais fixos, como São Paulo, com 4%. O PLP 108 estabelece que todas as unidades da federação terão de adotar alíquotas progressivas, que aumentam conforme o valor transmitido.

“Em teoria, isso favorece as faixas mais baixas, mas, na prática, para patrimônios médios, o custo pode subir significativamente”, avalia Renato Munduruca, sócio do escritório RVM Law. “Uma herança de R$ 1 milhão, por exemplo, que hoje paga R$ 40 mil de ITCMD em São Paulo, poderá passar a pagar até o dobro com 8% em algumas faixas, encarecendo a transmissão.”

O texto também amplia a base de cálculo: o imposto passará a incidir sobre o valor de mercado dos bens, e não mais sobre valores contábeis ou venais. No caso de quotas de empresas e holdings familiares, a avaliação incluirá o patrimônio líquido ajustado, os bens a valor de mercado e até o fundo de comércio.

“Essa regra pode aumentar consideravelmente a tributação, principalmente para pequenas empresas familiares”, explica Juliana Assolari, sócia do Lassori Advogados. “Além da elevação do custo, há o risco de controvérsias na apuração do valor do fundo de comércio”, acrescenta.

Segundo o tributarista Gabriel Ulhôa Canto Gebara, do LCSC Advogados, a medida afetará diretamente planejamentos sucessórios, já que a apuração pelo valor contábil deixará de valer. “O novo cálculo desconsidera o entendimento atual do STJ, o que pode gerar insegurança jurídica e aumento de carga tributária”, observa.

O PLP também prevê que bens no exterior e estruturas de trust sejam alcançados pelo ITCMD, exceto nos casos em que o beneficiário é o próprio instituidor ou quando o negócio tiver caráter oneroso. Para evitar fraudes, o texto ainda define que transferências gratuitas, inclusive perdões de dívida entre partes vinculadas, sejam equiparadas a doações.

Para Adolpho Bergamini, do escritório Bergamini Advogados, esse ponto é problemático.

“Descontos comerciais ou perdões de dívida em operações entre empresas não podem ser considerados doações. Essa regra é inconstitucional, pois fere o próprio conceito jurídico de doação previsto no Código Civil.”

Cobrança ITBI

Em relação ao ITBI, o PLP reforça a competência municipal e altera o momento e a base de incidência. De acordo com Morvan Meirelles Costa Junior, do Meirelles Costa Advogados, o novo texto permite que o imposto seja exigido já na formalização da escritura pública, e não apenas após o registro do imóvel em cartório.

“Isso pode antecipar o recolhimento e afetar o fluxo de caixa de quem compra um imóvel. Mas há um Tema de Repercussão Geral pendente no STF sobre essa questão, o que pode tornar a nova regra inconstitucional, dependendo do julgamento”, afirma.

O PLP também define o valor venal como o valor de mercado. Ou seja, o preço pelo qual o bem seria negociado em condições normais. O objetivo disso é alinhar a base de cálculo à realidade e evitar subfaturamento, mas os especialistas alertam para o risco de distorções. “Em cidades como São Paulo, a planta genérica já gera valores superiores aos de mercado, o que leva a disputas judiciais. A nova regra pode agravar isso”, avalia Morvan

O projeto tenta reduzir a margem de interpretação ao impor critérios técnicos para avaliação, exigir transparência dos métodos adotados pelos municípios e permitir contestação pelo contribuinte. “É um avanço em termos de clareza, mas o conceito de ‘valor de mercado’ continua sendo subjetivo, principalmente em áreas com alta especulação imobiliária”, afirma Munduruca.

Integração fiscal

O PLP 108 também reforça a distinção entre ITBI e ITCMD, deixando claro que o primeiro incide apenas sobre transmissões onerosas entre vivos, enquanto o segundo trata das transmissões causa mortis e doações. Além disso, obriga cartórios e administrações tributárias a compartilharem informações, com previsão de multa para omissões. A medida é vista como positiva para o combate à sonegação.

“A integração entre cartórios e fiscos é um passo importante para dar mais transparência e coibir subavaliações, embora possa aumentar o volume de dados sob análise dos municípios”, avalia Meirelles.

Impactos práticos

Em síntese, o PLP 108/2024 tende a elevar o custo tributário de heranças e transferências imobiliárias, especialmente para famílias de classe média e pequenas empresas, além de abrir espaço para novas disputas judiciais sobre avaliação de bens, na avaliação dos tributaristas. “As mudanças exigem revisão imediata dos planejamentos patrimoniais e sucessórios. Quem pretende doar, herdar ou reorganizar seu patrimônio precisa considerar as novas regras antes de 2026”, afirma Munduruca.

(Imagem: Freepik)

https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/projeto-com-novas-regras-para-itcmd-e-itbi-pode-pesar-no-bolso-da-classe-media/

Compartilhe