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Bar pode responder criminalmente em caso de metanol na bebida
A legislação atual já prevê que o estabelecimento pode ser responsabilizado solidariamente pelos danos causados ao consumidor, mesmo sem intenção. No Congresso, foi aprovada a urgência de projeto que torna a adulteração de bebidas alcoólicas um crime hediondo
Karina Lignelli
O avanço dos casos de intoxicação e morte por metanol após a ingestão de bebidas alcoólicas levou a Câmara dos Deputados a aprovar a urgência, na última quinta-feira (02), para a tramitação de um Projeto de Lei, parado desde 2007, que classifica a adulteração de bebidas alcoólicas como crime hediondo.
A proposta legislativa também levanta um debate delicado sobre a responsabilização de bares e restaurantes, já que especialistas, como a advogada criminalista Fernanda Vieira, da Viseu Advogados, alertam que a criminalização desses estabelecimentos em casos de intoxicação pode gerar insegurança jurídica no setor.
Representantes do setor de bares e restaurantes, por sua vez, afirmam que “não se pode transferir ao pequeno comerciante a responsabilidade de uma fiscalização que é dever do Estado.”
Por outro lado, juristas defendem que a medida tem caráter pedagógico e busca endurecer a punição contra práticas que colocam a saúde pública em risco, já que a responsabilização criminal é uma forma de coibir a negligência e reforçar a necessidade de controle rigoroso da origem das bebidas.
Enquanto o Projeto de Lei tramita no Congresso, o Diário do Comércio conversou com a advogada Fernanda Vieira para entender as implicações, previstas em leis vigentes, para donos de bares e restaurantes que comercializam bebidas adulteradas – mesmo sem intenção ou por desconhecimento. Confira a entrevista:
Diário do Comércio – Pensando no empresário do setor de bares e restaurantes, qual sua avaliação sobre o cenário de intoxicações por metanol e qual tipo de crime é tipificado nesse caso?
Fernanda Vieira – Nos últimos dois meses, o Brasil registrou um aumento significativo de casos de intoxicação por metanol decorrente do consumo de bebidas alcoólicas. O Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) notificou 59 casos, entre confirmados e em investigação, evidenciando a gravidade do problema. Por se tratar de um álcool industrial, o metanol é altamente tóxico, e sua ingestão, mesmo em pequenas quantidades, pode causar náusea, convulsões, cegueira e morte.
Para empresários de bares, restaurantes e varejistas, esse cenário representa um alerta: a comercialização de bebidas adulteradas pode gerar responsabilidade criminal, administrativa e cível, mesmo sem intenção de causar dano aos consumidores. Entre os crimes previstos, destacam-se: crime contra as relações de consumo (art. 7º, incisos II e IX, da Lei 8.137/90), crimes contra a saúde pública (art. 272, §2º, Código Penal), lesão corporal culposa (art. 129, §6º, Código Penal) e homicídio culposo (art. 121, §3º, CP) em caso de falecimento de consumidores.
Qual a pena para esse dono de estabelecimento?
Fernanda – Na hipótese de comprovação da comercialização de bebidas alcoólicas adulteradas, o estabelecimento pode sofrer sanções administrativas, tais como: interdição temporária ou fechamento pela Vigilância Sanitária; suspensão ou cancelamento do alvará de funcionamento pela Prefeitura e multas administrativas significativas, que variam conforme a legislação vigente e a gravidade do caso. Além disso, se durante a fiscalização for apreendida mercadoria imprópria para consumo, o responsável pelo estabelecimento pode ser preso em flagrante pela prática de crime contra a relação de consumo (art. 7º, incisos II e IX, Lei 8.137/90).
Em caso de morte do cliente, o estabelecimento pode ser responsabilizado solidariamente?
Fernanda – Em caso de falecimento de um cliente em decorrência de intoxicação por metanol após o consumo de bebida no estabelecimento, a pessoa responsável pela aquisição – seja o proprietário ou um colaborador que detenha poderes para essa decisão – poderá responder criminalmente por homicídio culposo (art. 121, §3º, Código Penal), caso seja comprovada negligência ou imprudência na escolha de fornecedores ou na comercialização dos produtos.
No âmbito civil, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (art. 12, CDC), o estabelecimento pode ser responsabilizado solidariamente pelos danos causados ao consumidor, mesmo sem intenção direta de causar o dano, incluindo indenização por morte e despesas médicas aos familiares da vítima. Essa responsabilidade reforça a necessidade de medidas rigorosas de prevenção e controle na cadeia de fornecimento de bebidas alcoólicas, como a que foi aprovada ontem.
O que fazer para evitar problemas, especialmente para o dono de pequeno negócio, que vive de margens apertadas e pode escolher comprar mais barato de fornecedores duvidosos só para ter um fôlego a mais no caixa?
Fernanda – Para empresas do setor, é essencial a adoção de medidas preventivas essenciais. É fundamental comprar apenas de distribuidores e fabricantes regularizados, verificando nota fiscal, registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e selo fiscal, e evitar produtos de procedência duvidosa ou baratos demais. A equipe deve ser treinada para identificar embalagens suspeitas e orientada a não aceitar produtos sem documentação adequada.
O controle de estoque deve ser rigoroso, com registros atualizados de todas as compras e fornecedores, além de auditorias periódicas para garantir que apenas produtos verificados sejam vendidos. Em caso de suspeita, os produtos devem ser retirados imediatamente do estoque e as autoridades competentes – como Procon, Vigilância Sanitária ou Mapa – devem ser notificadas.
Mesmo pequenos negócios podem adotar medidas de compliance simples, como checklists ou planilhas de conferência, registrando todas as ações preventivas para proteção legal. Em caso de incidente, a comunicação deve ser rápida e transparente, garantindo informações claras, preservando a segurança dos clientes e mantendo a confiança no estabelecimento.